Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 15º. Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“Jesus chamou os Doze, e começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes autoridade...” (Mc 6,7)
“Seguidores do novo caminho”: assim eram reconhecidos os
primeiros cristãos (cf. At 16,17; 18,25-26; 19,9.23; 22,4; 24,14.22). Pelos
diversos caminhos da história perdem seu valor as verdades inamovíveis,
dogmáticas, petrificadas, porque o importante na vida é discernir,
em cada encruzilhada do percurso, o que nos diz hoje o Deus da Vida, sua
Presença e sua voz manifestada nos rostos e nas existências de homens e
mulheres de nosso mundo, em especial os mais desprezados e esquecidos.
Jesus
envia seus discípulos com o necessário para caminhar. No envio, algumas orientações que
pressupõem despojamento para o bom exercício da missão: segundo Marcos, levarão
apenas um cajado, sandália e uma túnica, confiando na providência acerca do pão
e do dinheiro.
Desprendimento é uma característica
fundamental de quem está voltado para o Reino, anunciado por Jesus. Não
precisam de mais nada para serem testemunhas do essencial. Jesus os quer ver
livres e sem ataduras; sempre disponíveis, sem instalar-se na acomodação do
bem-estar, confiando apenas na força do Evangelho.
Fala-se muito hoje, na comunidade eclesial, sobre a
necessidade de uma nova evangelização. Em que consiste? Onde pode
estar sua novidade? Que é preciso mudar? Qual foi realmente a intenção de Jesus
ao enviar seus discípulos para prolongar sua missão evangelizadora?
O relato de Marcos, neste domingo, deixa claro que só Jesus
é a fonte, o inspirador e o modelo da ação evangelizadora de seus seguidores.
Estes atuarão com Sua “autoridade”. Não farão nada em nome
próprio; serão os “enviados” do próprio Jesus. Não pregarão a si mesmos, nem
uma doutrina, nem um moralismo doentio e muito menos uma nova religião, com
seus ritualismos estéreis e ameaças. Só anunciarão o Evangelho de Jesus. Não
terão outros interesses: só se dedicarão a abrir caminhos ao Reino de Deus.
A
única maneira de impulsionar uma “nova evangelização” é purificar e
intensificar a vinculação afetiva com Jesus. Afinal, somos
seguidores de uma Pessoa, e isto implica revestir-nos do modo de ser e viver
desta Pessoa. Não haverá nova evangelização se não há novos evangelizadores, e
não haverá novos evangelizadores se não há uma identificação mais viva, lúcida
e apaixonada com Jesus. Não haverá nova evangelização sem se deixar conduzir
pelo mesmo Espírito que atuava em Jesus e o conduzia para a “margem”, para o
mundo dos pobres e excluídos.
Ao enviá-los, Jesus não deixa seus discípulos abandonados às
suas próprias forças; comunica-lhes sua “autoridade”, que não é um poder
para controlar, governar ou dominar os outros, mas uma força para “expulsar
espíritos imundos”, libertando as pessoas de tudo aquilo que as escraviza,
oprime e desumaniza.
Para Jesus, o poder nunca pode ser mediação de
salvação, muito menos o poder religioso; pois, onde há poder, há imposição,
divisão, submissão, medo... No exercício do poder, o centro está na própria
pessoa que manda e controla.
“Autoridade” é
outra questão muito mais nobre. Provém do latim “augere” (fazer crescer) e
indica a capacidade que uma pessoa tem para estimular os outros a crescerem,
para torná-los mais adultos e mais capazes de uma vida digna. Na autoridade, o
centro está no outro, pois ativa a autoria e autonomia deste outro. Ter
autoridade é viver des-centrado, sem buscar seus próprios interesses.
Uma
pessoa tem autoridade por sua bondade e inspirada presença em um grupo, na
família, na comunidade, no povo, na igreja... Pode acontecer que uma pessoa
tenha poder legítimo (conferido por eleição) e nenhuma autoridade; ou, de outro
modo, pessoa que tem autoridade, mas sem poder.
Jesus não governou sobre ninguém e nem impôs nada à força.
Nunca utilizou o poder para controlar ou dominar seus discípulos; jamais
excluiu a alguém. Foi livre e libertador: acolheu os mendigos doentes e marginalizados,
negou-se a condenar a mulher adúltera, pediu a Pedro perdoar até setenta vezes
sete... Despertou a vida nas pessoas excluídas, sensatez e justiça na
sociedade. Não ostentou nenhum poder oficial, mas, segundo as pessoas, atuava e
falava como quem tem autoridade.
Os
discípulos sabiam muito bem qual era o encargo que Jesus lhes confiava. Nunca o
viram governando a ninguém. Sempre o viram curando feridas, aliviando o
sofrimento, regerando vidas, libertando as pessoas dos medos, contagiando
confiança no Deus Providente. “Curar” e “libertar” foram a essência do
ministério terapêutico de Jesus. Ele sempre se revelou como “o Libertador” do
ser humano.
Por
isso, uma nova evangelização que não seja libertadora, é vazia de valores
evangélicos; acaba tendo um efeito contrário: domina e escraviza as pessoas,
alimenta medos paralisantes, impede as pessoas de viverem com mais lucidez e
liberdade. Foi para vivermos livres que Jesus libertou a todos.
Sem recuperar este estilo evangélico, não há nova
evangelização. O importante não é criar novas atividades e estratégias, mas
desprender-nos de costumes, estruturas e maneiras de proceder que estão nos
impedindo de ser livres para contagiar o essencial do Evangelho, com verdade e
simplicidade.
A
Igreja, infelizmente, está perdendo esse estilo itinerante que Jesus pediu.
O caminhar da Igreja é lento e pesado; não acerta em acompanhar os passos da
humanidade; não tem agilidade para passar de uma cultura a outra; agarra-se ao
poder que tudo controla; enreda-se em interesses que não coincidem com o Reino
de Deus; manipula-se as consciências das pessoas impondo-lhes pesados fardos de
culpas, julgamentos, ritualismos de expiação, distantes da presença libertadora
de Jesus.
Nesse contexto podemos recordar uma sentença do
evangelho apócrifo de Tomé (que retoma a mensagem do envio de Marcos e Mateus):
“Sede itinerantes! Sede transeuntes!” De passagem vivemos, mas no
caminho podemos e devemos nos encontrar e nos ajudar, animando-nos. Foi assim
que, com um grupo de homens e mulheres, como transeunte do Reino, voluntário do
amor, rico de vida e mendicante de esperança, começou Jesus sua missão
evangelizadora.
Assim começou Jesus; assim também
começaram os grandes cristãos como Francisco de Assis, Inácio de Loyola, João
da Cruz, Madre Teresa..., e tantos outros que souberam retornar e retornam hoje
aos caminhos da vida, para acompanhar os que vagueiam, acolher os perdidos,
animar e deixar-se animar por todos.
Não foi Jesus um itinerante para
estabelecer relações de domínio, mas de solidariedade, sabendo que aqueles que
menos tem (itinerantes) são os que mais podem oferecer (anunciam o Reino,
curam).
O grupo de Jesus não se constitui
em chaves de dependência ou hierarquia, mas de experiência compartilhada e
comunicação pessoal. Estas novas relações são as que estabelecem a novidade da
instituição cristã.
Por isso, é urgente uma profunda conversão sinodal
(“caminhar juntos”); e isto significa retornar à essência do Evangelho, à
identificação com Aquele que é o centro da vida cristã.
A missão evangelizadora não é tarefa de uns poucos,
mas a consequência inevitável da adesão a Jesus. Não se trata de salvaguardar,
a todo custo, doutrinas ultrapassadas ou normas morais que não humanizam; menos
ainda em conservar ritos fossilizados que já não dizem nada a ninguém.
A mensagem de Jesus não pode ser contida em fórmulas, nem
numa programação. É uma maneira de ser e viver. Ser cristão é uma maneira de
ser mais humano.
“As religiões se fazem
indigestas – não só indigestas -, mas sumamente perigosas, quando pretendem
apoderar-se do Absoluto” (J. Melloni, sj)
Texto bíblico: Evangelho segundo Marcos 6,7-13
Na oração:
Nas
estradas da vida acontece algo de verdadeiro e belo quando nos dispomos a
buscar dentro de nós mesmos a razão
da nossa existência: falta-nos ainda muito por saber, por ver, por sentir, por
desfrutar...
A nossa
vida é um êxodo, um sair constante de uma realidade para entrar em uma outra realidade nova.
O peregrinar
é o elemento determinante e com maior valor simbólico para toda a vida.
- Diante de
Jesus, que “passa e chama” a todos, responda: como você vive, hoje, sua missão no trabalho, no seu
ambiente, na sua comunidade? Que sentido você quer dar à sua própria vida?...
em quê gastar suas forças, capacidades? Como viver, no seu cotidiano, sua
vocação de discípulo(a)-missionário(a) itinerante?
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