Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 4º Domingo da Páscoa (2024).
“Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem” (Jo 10,14)
A liturgia do quarto domingo de Páscoa sempre celebra
a imagem do Ressuscitado como “Bom Pastor”.
Terminados os relatos de Aparições do
Ressuscitado, continuamos com textos pascais que nos falam de “dar a Vida”; a
experiência pascal é que Jesus nos comunica Vida. Nós temos a
possibilidade de fazer nossa essa Vida; trata-se da Vida mesma de Deus, que é a
chave do tempo pascal. João não nos fala de uma vida para o mais além, mas de
uma Vida que deve ser vivida como ressuscitada, aqui e agora.
Para a grande maioria de nossos
contemporâneos, a imagem do “pastor” se revela anacrônica, provocando alergia
em muitos. Em primeiro lugar, porque nos encontramos muito distantes daquela
cultura agrícola e pecuarista na qual nasceu esta imagem; por outro, porque
resistimos às imagens que se movem em chave de poder/submissão, e que arrastam,
com frequência, uma história de dominação.
Concretamente, a imagem do pastor
evoca, por si mesma, a da “ovelha” e do “rebanho”. E o contraste entre ambas
faz aflorar na consciência de muitos a contraposição entre autoritarismo, por
um lado, e submissão e alienação, por outro. Sem dúvida, a imagem do “pastor”,
bem como a do guru ou do mestre, muitas vezes serve de pretexto para justificar
abusos de diversos tipos, todos eles baseados no “poder religioso” que aquelas
mesmas imagens conferem.
Não é “pastor” quem procura domesticar, manipular
e dominar as “ovelhas”, mas quem “conhece pessoas”. Biblicamente falando, “conhecer”
é criar relações de amor entre pessoas, no sentido amplo; assim se diz que
homem e mulher se “conhecem” quando se amam; assim se “conhecem” filhos e pais,
amigos, companheiros... O bom pastor não só “conhece” as ovelhas, mas também “é
conhecido” por elas.
“Bom pastor” é o que cria relações de
solidariedade com seus amigos e amigas; não os utiliza em favor próprio, não
está acima deles(as), mas que os(as) ama e se deixa amar por eles(as);
reconstrói os laços de liberdade solidária e comunhão, em vida e até na morte. O
“pastor” verdadeiro não manipula consciências, não alimenta medo e nem cria
dependências; pelo contrário, o pastor tem “autoridade” no sentido de ativar a
autonomia e a autoria de quem o segue. Por isso, os seguidores e seguidoras de
Jesus não são “servos(as)”, mas “amigos” do Bom Pastor e amigos uns dos outros.
A imagem de “ovelhas e pastor” deve
ser usada com cuidado, porque pode justificar a existência de duas categorias
na Igreja: quem manda e quem obedece.
Na Comunidade d’Aquele que disse
que “quem quiser ser o primeiro que seja o
último e o servidor de
todos”, todos somos “pastores” de todos,
todos somos responsáveis e todos podemos contribuir com nossos dons. Não se
nega a função de coordenação ou de liderança. O que se nega é a sacralização do
“poder religioso” em nome de Deus e que tem alimentado uma submissão doentia.
Esta alegoria do “Jesus Pastor” apresenta
três características ou elementos principais:
- Pastor é Aquele que se esvazia de sua condição
divina e se faz servidor de seus irmãos e irmãs; não vive para aproveitar-se
deles(as), mas para acompanhá-los e ajudá-los;
- A essência mais profunda de todo pastor é o
conhecimento: Jesus é verdadeiro pastor porque “conhece” às ovelhas, dialogando
com elas em intimidade de coração;
- Pastor é quem “dá a vida”. Não se aproveita das
“ovelhas”, vive para elas, em gesto de conhecimento e de entrega, em comunhão
de vida.
Jesus sempre se revelou como
“Pastor” desprovido de poder, de prestígio, de manipulação das consciências.
Sua identidade de “pastor” esteve
centrada na arte do cuidado que é gesto amoroso para com o outro, gesto
que protege e traz serenidade; o “cuidado” é sempre uma atitude de benevolência
d’aquele que quer estar junto, acompanhar e proteger. Jesus, como Bom Pastor, sempre se revelou como um
“Ser de cuidado”, pura transparência do Pai cuidador e providente.
Cuidar é entrar em sintonia com...
Disso emerge a dimensão de alteridade, de respeito, de sacralidade...
Cuidar é envolver-se com o outro,
mostrando zelo e preocupação.
Quer conhecer o outro com o coração
e não com a cabeça. O cuidado abre
caminho para viver, com mais intensidade, a própria humanidade. E viver “humanamente”
significa viver em vulnerabilidade.
Quem não
aceita a própria vulnerabilidade e inter-dependência não desenvolve
atitudes de cuidado. Quem não aceita ser cuidado, também não está disposto a
cuidar dos outros. Somos educados para sermos “super-homens” ou
“supermulheres”; aprendemos a não admitir e a não aceitar o limite, a vulnerabilidade, o fracasso... O ser humano é finito,
portanto, vulnerável. Ele não se
basta a si mesmo; necessita de relações com o seu meio, com os seus semelhantes
e com o Transcendente, dando sentido à sua existência.
Cuidar do outro significa, antes de
tudo, velar por sua autonomia; significa ativar a capacidade de dar direção à
sua própria vida. O exercício de cuidar não deve ser visto como uma forma de
imposição sobre o outro, e menos ainda como um modo de exercer um controle,
atrofiando a autonomia e a liberdade do outro. Pelo contrário, quando alguém se
dispõe a cuidar compassivamente o outro, faz todo o possível para que esse outro
possa viver e expressar-se conforme determina seu coração, mesmo quando isto
não coincide necessariamente com a intenção do cuidador.
A identidade do verdadeiro pastor
está na capacidade de “dar a vida”, como equivalente de um amor que não tem
medida. No extremo oposto da voracidade egóica, que vê os outros e as coisas
como objetos com os quais saciar o próprio vazio, o amor de quem transcendeu
seu “eu” não busca outra coisa senão oferecendo, doando a vida, dia a dia.
Na medida em que o(a) seguidor(a) de Jesus vive
como “ressuscitado”, sua vida se torna Vida maior e, assim estará disposto(a) a
“gastar” a vida em função dos outros. Esta Vida é um “movimento a partir de
dentro”, ou seja, sair de si mesmo para ir ao encontro dos outros e potenciar
suas vidas; tal movimento que tem sua origem na mesma Vida do Ressuscitado mobiliza
o que há de “melhor” em cada um para que viva de maneira mais oblativa e
comprometida no cuidado para com todos.
A partir desta perspectiva, podemos
reconhecer a Jesus Ressuscitado como o “espelho” daquilo que já somos. Ele vive
o que é na sua essência, e isso faz com que se desperte em nós o que somos,
numa identidade compartilhada.
Todos somos pastores, mestres e
discípulos. Todos nos encontramos em um processo de aprendizagem. Podemos, sem
dúvida, reconhecer as pessoas que nos ajudaram e que despertaram o melhor de
nós mesmos. Mas, não foi porque se impuseram e se empenharam em conduzir nosso
caminho, mas porque, sendo humildes e transparentes, nos remeteram ao nosso
próprio “pastor e mestre interior”.
Não precisamos de pastores nem gurus, mas companheiros(as) de caminho, acompanhantes lúcidos e humildes, compartilhando aquilo que cada um nos proporciona experimentar.
Texto bíblico: Evangelho segundo João 10,11-18
Na
oração:
- Abrir espaço interior para que a Graça des-vele
seu próprio interior: quem predomina aí dentro? O pastor cuidadoso ou o lobo
voraz?
- Fazer memória do seu nobre “ministério do
pastoreio”: na sua família, comunidade, ambiente de trabalho, relações
sociais...
Senhor, daí me a Graça de me deixar ser conhecido pelo Bom Pastor e, assim, crescer em consciência de quem realmente eu sou.
ResponderExcluirEu quero viver os cuidados do bom Pastor que ele me de essa graça
ResponderExcluir