Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho da festa da Assunção de Nossa Senhora.
“A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc 1,46-47)
Maria foi assunta ao céu porque desceu ao mais profundo de sua humanidade
e da humanidade dos outros.
A Assunção nos revela que ela foi humana por excelência; toda sua
humanidade foi atravessada pelo divino: nela não havia resquícios de ego
inflado, de vaidade, de busca de prestígio e poder. Reconheceu-se como “humilde
serva” porque desceu ao “húmus” de sua vida e aí deixou-se conduzir por Aquele
que entra na história de cada um pelo lado da fragilidade, limitação,
pobreza... Ela viveu a assunção em todos os momentos de sua vida, porque se
sentia envolvida pela presença misericordiosa e providente de Deus.
Toda a vida de Maria foi “assumida”
por Deus porque ela cuidou da vida, colocou sua vida a serviço a vida, ativou
todos os seus recursos de vida... Vida aberta, comprometida, vida que se fez
visita e se deixou visitar.
Maria “desapareceu” no divino porque
mergulhou no humano. Sua humanidade foi plenificada.
Por isso, a Assunção é uma vitória
solidária: nela, todos seremos “assumidos por Deus”. Esta é uma realidade que
não acontecerá apenas no fim dos tempos; é realidade sempre atual: já vivemos
em Deus, n’Ele nos movemos e existimos; Ele nos envolve continuamente com sua
providência, misericórdia e cuidado. Vivemos, então, em contínuo “estado
de assunção”.
Portanto, a Assunção de Maria diz respeito a todos nós; todos
estamos implicados neste mistério; experimentamos a assunção através de dois
movimentos:
No primeiro, vivemos a assunção quando descemos ao mais
profundo de nossa humanidade, às raízes de nossa existência. Há muitos recursos,
dons, potencialidades, desejos nobres, inspirações, beatitudes originais,
presentes em nosso interior e que querem emergir, elevar-se... A assunção
começa em nosso interior quando o “que
há de divino em nós” se expande, plenificando e dando
sentido à nossa existência. Deus assume tudo o que é humano em nós e ilumina,
plenifica... Nada do que é humano lhe escapa; Ele nos eleva, nos faz planar
sobre suas asas de águia, para ampliarmos nossos horizontes, nossa visão da
realidade... Com sua Graça, desperta e ativa todos os nossos dinamismos e
potencialidades internas.
Quem vive a assunção sonha alto,
deseja grande, torna-se criativo e um eterno buscador. Sua vida torna-se
oblativa, descentrada, é movimento de saída de si... A assunção o faz viver com
os pés plantados no chão da vida e da história e, ao mesmo tempo, o faz
transcender, romper fronteiras, ir além de si mesmo...
Quem não se deixa inspirar pelo
mistério da assunção limita-se a uma vida “normótica”, repetitiva, mecânica,
estreita, atrofiada... Perde o sabor da vida, trava sua criatividade e mata sua
capacidade de sonhar.
O segundo movimento despertado pelo mistério da Assunção é
este: a partir de uma interioridade expandida a pessoa se eleva na direção do
outro, através do serviço solidário, da presença compassiva e do compromisso
eficaz na transformação da história. A assunção move a pessoa a reforçar os
laços, alimentar a comunhão, mobilizar a viver a cultura do encontro; a
assunção faz romper fronteiras geográficas, sociais, culturais, religiosas...
conclamando à vivência da fraternidade universal. Ela abarca a humanidade
inteira.
Porque parte do chão da humanidade, a assunção nos humaniza e nos
capacita a criar mediações humanizadoras. Não é possível crer na assunção da
humanidade se nos deixamos levar pela cultura da aparência, do ódio, da
intolerância, da violência...
Quem entra no fluxo desses dois movimentos da Assunção, sente despertar
em si uma profunda gratidão; brota de seu coração e de seus lábios um
novo “magníficat”, onde reconhece a ação criativa de Deus, em si mesmo, nos
outros e na criação... Proclama que Deus fez, faz e fará maravilhas nele(a),
por ele(a), através dele(a)... Vive com vibração e intensidade porque sente que
tudo é Graça, de graça, envolvido pela graça...
Assim, celebrar a Assunção é entrar no fluxo da gratidão que Maria canta
no seu “magnificat”. É modo de ser e
viver inspirado na vida de Maria; é preciso nos situar de “maneira mariana” diante
de nossa história.
“O Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor”, é uma exclamação que Lucas põe nos
lábios de Maria para fazê-la nossa e repeti-la com frequência. Quando algo ou
alguém nos emociona, não podemos evitar expressar esse sentimento. O regozijo
não é completo se não o compartilhamos. A experiência prazerosa de um Deus que
é Misericórdia e Santo fez brotar os mais belos salmos e orações que nos foram
legados, cheios de benção e assombro agradecido. A gratidão perpassa o
Magnificat e é o sentimento mais nobre que brota das profundezas do coração do
ser humano, ao se sentir cumulado de tantos dons.
Todos temos experiência que a
nossa história carrega lembranças de fatos e de vivências negativas: crises,
fracassos, rejeições, erros, pecados... Os desencontros, quebras e rupturas...
costumam deixar feridas.
Tudo isso pesa na memória e continua influenciando
negativamente no presente.
Com isso, ela se torna “memória
mórbida, doentia”: depósito de rancores, ressentimentos,
hostilidades...; ao se fixar no passado, a “memória mórbida” alimenta remorsos,
sentimentos de culpa, desânimo, angústia..., embotando a vida, queimando
energias, paralisando a pessoa e não abrindo futuro de sentido.
Pessoa doente na memória é
doente no seu coração, na sua afetividade, nos seus sentimentos...
Se a memória não é
“evangelizada”, ela continua remoendo aquilo que aconteceu, num desgaste muito
grande de energia. Não há mudança e conversão se não houver mudança e conversão
da memória.
Somente
através da “memória redentora”, a
pessoa é capaz de se colocar diante do passado, de modo livre e aberto,
dando-lhe um novo significado.
A memória
sadia não muda o passado, mas o “re-corda” (coloca de novo o coração)
de modo novo e inspirador. A memória
resgata referências, cura feridas, reconcilia-se com a vida e consigo mesma,
com as próprias riquezas e fraquezas, com o próprio passado; ela tem sua função
de lugar santo do louvor e da gratidão, pois ajuda a tomar consciência dos
benefícios recebidos e possibilita
ter acesso às recordações não neutras, mas aquelas que tem um significado
para o presente. Ela é capaz de tirar proveito de todas as
vivências pessoais (nada é descartado, tudo é integrado); abre possibilidade
para rever a própria história e lê-la como História de Salvação.
Através da memória pacificada, nossa
vida é iluminada, provocada, sacudida..., para que ela saia do “fatal ponto
morto” e entre no movimento expansivo da Graça.
Ativar a atitude de assombro e gratidão diante do muito que recebemos, em
lugar de viver centrados naquilo que nos falta, tem uma consequência enraizada
em cada um de nós: saber-nos e sentir-nos abençoados nos motiva a compartilhar
o que recebemos; quem é grato(a) deseja corresponder e o serviço gratuito é a
melhor resposta ao amor de Deus, presente em mil formas e intensidades na nossa
vida.
Abrir-nos ao assombro é uma genuína manifestação da humildade que esvazia
toda pretensão de nosso ego inflado e prepotente. A humildade é também o melhor
caminho para ativar a admiração frente às nossas próprias capacidades ainda
adormecidas. Carecemos da “faísca” própria da experiência assombrosa de
sentir-nos amados(as) por um Deus providente e cuidador.
Entremos no movimento vital da Assunção! Sejamos simplesmente humanos! Vivamos com sabedoria e intensidade, numa atitude de contínuo agradecimento! É isso que Deus deseja a todos os seus filhos e filhas.
Texto bíblico: Lc 1,39-56
Na oração:
Por que canta Maria? A
resposta mais bela e mais óbvia está, talvez, num verso de São João da Cruz:
“Todos os apaixonados cantam!”. Maria canta porque está apaixonada.
É muito importante notar que a
oração mariana por excelência não coloca em cena ideias, mas fatos. O Senhor
realiza maravilhas: nela, nos outros, em cada um de nós.
- Faça de sua oração um canto
apaixonado: louve, agradeça, silencie...
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