Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 15º. Domingo do Tempo Comum (Ano A).
“O semeador saiu para semear” (Mt 13,3)
O ser humano é
surpreendente, inesperado, imprevisível... é pulsação original, é interpelação
inquietante; é existência peregrina, é identidade dinâmica...; é uma mina de
significados e riquezas.
Com inesgotável potencialidade, ele re-cria a natureza e tem a
possibilidade de inventar a sua própria vida. Onde há ser humano há espírito
inteligente, impulso de liberdade e manifestação de tenacidade.
Tratar com
o ser humano é tratar com o imponderável, o misterioso... Ele é seduzido pela
liberdade que lhe apresenta horizontes novos e lhe abre mares desafiantes. Ele
é “espaço à
vida aberta”, “vida que se expande”. Com seu pensamento e
seu sonho, ele habita as estrelas e rompe todos os espaços.
Essa capacidade é o que nós
chamamos transcendência, isto é,
“transcende, rompe, vai para além
daquilo que é dado”.
Numa palavra, o
ser humano é um projeto infinito; tem sentido de transcendência,
projeta-se em muitas
direções.
O ser humano é mais do que parece
ser. Há nele algo maior que o leva a ser mais verdadeiro, mais justo, mais
criativo, mais arrojado, mais responsável... “Desejando e elegendo aquilo que mais nos conduz...” (Santo Inácio).
Jesus
expressa toda essa originalidade e riqueza do ser humano através da parábola do
camponês que, com suas mãos abertas, espalha as “sementes” em
diferentes terrenos.
A parábola
começa afirmando: “Saiu
o semeador a semear”.
Ele faz isso com uma confiança surpreendente. Semeia de maneira abundante. A
semente cai em todas as partes, inclusive ali onde parece difícil que ela possa
germinar.
De fato, na semente
encontra-se presente uma grande força de
crescimento... A força da vida,
contida no interior da semente, envelhecerá e se extinguirá se não houver quem
confie nela, e arrisque a sua terra, seu tempo e seu trabalho.
Quando a semente é
enterrada na terra, ela já conhece o seu caminho;
ela avança passo a passo, seja durante as horas em que as circunstâncias lhe
são mais favoráveis, porque é de dia e existe luz e calor em
abundância, seja porque é de noite, e o ambiente para seu crescimento já não é
tão propício.
Escondida ali, debaixo da terra,
envolvida pelo absoluto silêncio, a semente
germina e vai crescendo. O talo, a espiga e os frutos conduzem toda a
vitalidade da minúscula semente até a maturidade da planta. E cada árvore vive
intensamente o tempo que lhe cabe viver, o tempo suficiente para produzir
frutos em abundância.
Ao terminar
o relato da parábola do semeador, Jesus faz este apelo: “Quem tem
ouvidos, ouça!”.
Ele nos pede que prestemos muita atenção à parábola. Mas, em que deve estar
focada nossa atenção: no semeador? na semente? nos diferentes terrenos?
Tradicionalmente,
nós cristãos nos fixamos quase exclusivamente nos “terremos” onde
cai a semente, para revisar qual é nossa atitude ao escutar o Evangelho. No
entanto, é importante dirigir nossa atenção ao semeador e a seu modo
de semear.
Para nós que crescemos em um
contexto religioso desde a infância, a leitura literal desta parábola
condicionou nossa visão da realidade em dois aspectos determinantes: o dualismo
e o moralismo.
Em tal leitura aparecia a imagem do
Deus semeador como um alguém separado e, portanto, distante.
Essa crença de separação, não só
alimentava um dualismo religioso – Deus frente ao mundo – de nefastas
consequências, mas que era a fonte de outras ideias igualmente perigosas em
suas consequências: o pecado, a culpa, a alienação, o infantilismo religioso...
Com frequência, o dualismo
religioso era acompanhado de moralismo. Se a semente não dava fruto numa pessoa
devia-se simplesmente à sua própria maldade, já que não havia preparado
adequadamente seu “terreno”. Assim se fazia presente a culpa em quem acreditava
ser um terreno improdutivo ou caía-se no farisaísmo, passando a vida limitando-se
somente a cumprir normas e leis.
A verdadeira “semente” é o que há de Deus em nós.
“O
semeador saiu”.
Para semear nos campos, na terra, é preciso sair de casa. Deus é, ao mesmo
tempo, “semeador e semente”. Ele “desce”, faz um Êxodo, um
deslocamento em direção à humanidade, onde encontra diferentes terrenos.
Em nossa terra interior já está
semeada a presença de Deus; é como a semente enterrada que permanece
fértil debaixo da terra desértica pela seca prolongada, e o olhar de Deus é
como a chuva que ao cair desperta a vida presente na semente. Também gerará
novidades em nós, convertendo-nos em vidas germinais.
Deus
se derrama em todos e por todos da mesma maneira, não como produto elaborado,
mas como semente, que cada deve acolher e deixar-se fecundar por ela,
para poder frutificar. O decisivo é tomar consciência do divino que nos habita e viver em harmonia com essa realidade. O
fruto seria uma nova maneira de nos relacionar com Deus, conosco mesmo, com os
outros e com as criaturas.
A semente é o mesmo Deus-Vida
germinando em cada um de nós; sua presença é sempre fecunda.
Deus habita em suas criaturas e se
manifesta em todas elas como algo tão íntimo que se constitui como semente de
tudo o que é. Não devemos dar a entender que nós os cristãos somos os
privilegiados que temos recebido a semente (Escritura). Deus se derrama em
todos e por todos da mesma maneira (a mão-aberta).
Somente
aquele que se deixa semear experimenta o sabor da seiva da vida de Deus
entrando por suas raízes, percorrendo seu ser inteiro, fazendo-o crescer e
dando os frutos de que nosso povo precisa. Aquele que não se deixa semear vive
de ilusões e fantasias que envenenam sua existência.
Entrar no
fluxo da ação do Semeador divino é preciso sair de nossos espaços seguros, de
nossas ideias e convicções atrofiadas, de nossos próprios esquemas fechados e
abrir-nos aos diferentes terrenos.
Semear é
uma tarefa nobre na vida: semear trigo, trabalho, cultura, educação, semear
ética, valores, esperança, respeito, dignidade, sentido da vida...
Ao mesmo
tempo que nobre, semear é uma tarefa de grande responsabilidade. Pais, mestres,
escolas, universidades, meios de comunicação, igrejas, etc., todos temos a
nobre e bela tarefa de semear.
Ao nos convidar a ter raízes profundas, o Evangelho de hoje está afirmando algo muito importante: nesta terra, nesta realidade social, cultural, eclesial e política, já está semeado o Reino, já está viva e ativa a presença do Deus fiel que cria futuro. Nós nos alimentamos desta Presença na medida em que nos deixamos semear nela.
Texto bíblico: Mt 13,1-23
Na
oração:
Durante nossa vida
somos convidados a nos deixar cultivar, a sermos arados e regados pela presença
de Deus que é capaz de transformar e extrair o melhor fruto de cada um de nós.
Por isso a vocação cristã é tão simples: deixar-nos fecundar por esta presença,
deixar-nos fazer por ela e permitir que ela frutifique em nós.
- Sinta-se como a
própria Terra que, na sua evolução, chegou ao estágio de sentimento, de
compreensão, de vontade, de responsabilidade, de veneração, carregando em seu
ventre a presença d’Aquele que é, ao mesmo tempo, Semeador e semente.
Como professores, nós temos muita responsabilidade sobre o que e como semeamos 🙏😉(mãe carioca)
ResponderExcluir