Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 2º Domingo do Tempo do Advento (Ano A).
“O machado já está na raiz das árvores” (Mt3,10)
Sentimos indignação quando alguém
corta uma árvore e deixa desnudo uma cepa do velho tronco com suas raízes ainda
fundadas na terra. Estava já velha, dizem alguns. Era um perigo, comentam
outros. Só ocupava lugar, exclamam mais alguns. Todos apresentam justificativas
para eliminá-la e jogá-la abaixo. Todos têm razão quando se trata de eliminar o
que é visto como inútil ou velho.
No entanto, quando acreditavam que o velho tronco
estava condenado a desaparecer, se esqueceram que ainda não tinham arrancado
suas raízes. Subitamente, quando menos esperavam, viram como novos rebentos
brotavam no tronco velho. O tronco estava para ser cortado, mas as raízes ainda
tinham vida. E enquanto há vida nas raízes, a vida é possível. “Do
velho tronco de Jessé, brotará o rebento que é Jesus”. A vida é mais forte que a velhice; a vida é mais
forte que o robusto tronco; a vida sempre triunfa sobre aquilo que consideramos
inútil, estorvo ou perigo.
O problema que nos aflige hoje,
talvez, não seja tanto referente aos troncos, mas um problema de raízes.
Há demasiadas vidas sem raízes profundas; há demasiadas instituições carentes
de raízes, que terminam sendo instituições vazias; há demasiadas vocações sem
raízes profundas, que nascem de ideais mais emotivos que evangélicos; há
demasiadas decisões sem raízes, porque são tomadas em um momento emocional, mas
sem terra que as sustente; há demasiadas convicções ideológicas sem raízes...
Por isso são vidas que morrem
facilmente; morrem com a facilidade com a qual morrem os sentimentos que as
sustentavam. Suas raízes estão tão na superfície da terra que acabam morrendo
antes que o tronco.
Cultivamos os ramos com muito esmero, mas nos
esquecemos das raízes. Cultivamos muito o tronco, mas não alimentamos as
raízes; cultivamos muito a aparência, mas não nos preocupamos em colocar água
nas silenciosas raízes que não se veem.
Quando as raízes têm vida, pode ser que alguns
ramos se sequem, mas ainda permanecem outros suficientes para embelezar a árvore.
Quando as raízes têm vida, podemos encontrar dificuldades no caminho, mas a
vida é mais forte que os obstáculos. Quando as raízes têm vida, podemos passar
por momentos de prova, mas a vida que sobe pelo tronco é mais forte. Com
frequência, passamos a maior parte do tempo regando os ramos enquanto as raízes
morrem de sede.
O evangelho deste domingo nos
revela que João Batista é o broto novo no velho tronco. No velho “tronco”
de ontem (1º. Testamento), “vem a palavra de Deus sobre
João, filho de Zacarias, no deserto”. João não é do AT. Tampouco do
NT. Ele é a travessia, a ponte, o broto novo. Ele é o anúncio do novo que está prestes
a brotar. O AT é um velho tronco que já não dá fruto, mas em suas raízes ainda
permanece uma Vida que no NT será revitalizada.
Porque o que Deus semeou durante séculos são
sementes de Vida. Desaparecerá o tronco, mas suas raízes ainda têm vida.
João é o novo rebento que anunciará a nova Árvore e
a nova Vida. E ele mesmo começa por lançar água nas velhas raízes, anunciando a
conversão do coração. Cultivar as raízes é fazer que, até os velhos troncos
renunciem a morrer, mesmo que os cortemos, pois a vida das raízes encontrará
novos brotos para continuar crescendo e vivendo. Serão vidas novas; serão
troncos novos.
O tempo litúrgico do Advento se
revela como um momento privilegiado que nos motiva a “descer” em direção às
nossas raízes interiores, para ativá-las, cultivá-las e evangelizá-las. Nosso
contexto social-político-religioso está saturado das “palhas” da aparência e da
superficialidade, gerando o veneno do ódio, da intolerância e da violência
contra quem “pensa-sente-ama” de maneira diferente. É preciso levar as águas
vivas do evangelho às profundezas do coração.
Nesse sentido, Advento nos revela
um componente de expansão, que alarga nosso ser, que nos dinamiza
e nos eleva, ao mesmo tempo que é experiência radical daquilo que é mais humano
em cada um. A partir das “raízes interiores” o Advento ilumina e dá sentido ao
nosso modo de ser e viver; ao abarcar toda a vida, alcança também a nossa ação
transformadora no mundo.
Espiritualidade do Advento é a força vital que sacode nosso mundo interior, alimenta
nossas raízes e faz surgir novos brotos que se visibilizam na nossa maneira
original e inspirada de ser e viver no mundo de hoje. Tal força regenerativa procede do Espírito
Santo de Deus, que nutre e aquece nossa vida.
Compreendemos, então, que espiritualidade não
tem a ver com práticas piedosas alienadas e autocentradas; é uma experiência
que deve ter raízes no coração, precisa de interioridade.
Se não tem interioridade,
não tem sonhos nem criatividade. No interior de
cada um existe uma riqueza acumulada que procura se expressar
(sentimentos, atitudes e valores, crenças, motivações, intuições...). O nível profundo
é o nível da Graça, da gratuidade, da abundância... onde a pessoa mergulha no
silêncio à escuta de todo seu ser.
O Evangelho de Mateus nos apresenta João Batista
clamando por conversão, “porque o
reinado de Deus
está próximo”.
João contempla a realidade de seu povo e sente o
impacto da violência e exclusão que tanto o poder religioso como o civil
impunham a todos. Sua
mensagem se concentra neste grito: “Preparai o
caminho do
Senhor, endireitar suas veredas!” Também o Papa Francisco grita
a mesma mensagem aos cristãos de hoje e nos lança uma pergunta: “Estamos decididos a percorrer os caminhos novos que
a novidade de
Deus nos apresenta ou nos
entrincheiramos em estruturas caducas, que perderam a capacidade de resposta?”.
O Advento nos mobiliza a
“descer” ao chão da vida para cultivar e cuidar do nosso ser essencial com o
mesmo cuidado que tem o camponês quando trabalha a terra e a plantação. Apenas
aquelas pessoas que se mantêm próximas ao chão, às raízes da vida, conseguem
manter também esta postura totalmente radical, a “humilitas” que vem de húmus,
o chão escuro, úmido e fértil da terra.
Somos Advento, ou seja, pessoas “radicais”,
que vivem a partir das raízes.
“Radicalidade”
significa, portanto, ser suportado, carregado e alimentado por uma raiz que
está plantada fundo no chão. É como uma árvore que se apoia, se sustenta e se
alimenta das suas raízes. Radical é aquele que vive perto da raiz, que se
alimenta da raiz, que toma as coisas pela raiz, pelo fundamento.
O sentido que “radicalidade” transmite é esta proximidade do chão, este estar plantado no chão da vida ou estar enraizado na terra, na realidade. Quando dizemos que os homens e as mulheres do Advento costumam ser radicais, queremos mencionar, em primeiro lugar, esta proximidade da terra e do húmus, esse enraizamento profundo que alimenta a vida, que sustenta o tronco e a copa da árvore em todo e qualquer tempo, dando-lhes firmeza e consistência.
Texto bíblico: Mt 3,1-12
Na
oração:
Sou
pessoa de “raiz” ou me deixo determinar pela superficialidade, aparência? Posso
dizer que minha vida está enraizada na pessoa de Jesus e na causa do Reino?
-
João foi o oposto da sociedade de seu tempo; ou seja, não se encaixou
comodamente à maneira de ser e de pensar de seus contemporâneos. Como eu me
comporto no ambiente em que vivo? Há algo de anúncio-denúncia em minha maneira
de ser e viver? Minha presença na realidade cotidiana é inspiradora? Faz a
diferença?...
Linda reflexão.
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