Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 3º Domingo do Tempo do Advento (Ano A).
“Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo” (Mt 11,4)
Na prisão de Maqueronte, onde está confinado por
ordem de Herodes, João Batista recebe notícias de Jesus; e o que ele ouve o
deixa desconcertado, pois Jesus não corresponde às suas expectativas. João
espera um Messias que se imponha pela força terrível do juízo de Deus, salvando
àqueles que acolheram seu batismo e condenando àqueles que o rejeitaram. Quem é
Jesus?
Nem João, nem os rabinos, nem os sacerdotes, nem os apóstolos estavam
capacitados para entender Jesus. Sua presença e atuação não se ajustavam ao que
eles esperavam do Messias. Jesus rompe com todas as concepções e esquemas
mentais, desmonta todas as expectativas, frustra uma visão...
A novidade de Jesus é muito maior do que aquilo que podiam esperar; além
disso, o que Ele traz vai na direção contrária do que esperavam do Messias. Não
vem com poder e força; não vem impor nada, senão propor uma dinâmica de serviço
e desatar a vida travada. Jesus “tem
um caso de amor com a vida”.
Para sair de suas dúvidas João
envia dois discípulos que perguntam a Jesus sobre sua verdadeira identidade: “És tu, Aquele que há de vir, ou devemos esperar um outro”?
A resposta de Jesus não é teórica, mas
muito concreta e precisa: contai a João o que estais vendo e ouvindo. Eles perguntam
a Jesus por sua identidade e este responde através de sua atuação
terapêutica (curar e cuidar da vida); Ele se dá a conhecer através de ações
concretas em favor da vida: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos ficam
limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam...
O que o profeta Isaías anunciava
como futuro, agora se faz presente em Jesus.
Jesus sabe que sua resposta pode decepcionar
àqueles que sonhavam com um Messias poderoso. Por isso acrescenta: “Feliz aquele
que não se escandaliza por causa de mim!”. Que ninguém espere outro Messias que
realize outro tipo de “obras”; que ninguém invente outro Cristo a seu gosto,
pois o Filho foi enviado para tornar a vida mais digna e ditosa para todos, até
alcançar a plenitude na festa final do Pai.
Estes são os sinais da presença do
Messias: alívio para quem sofre, acolhida para quem é excluído, vida para quem
se sente morrer, visão para quem se encontra na penumbra, fortaleza para os
joelhos frágeis... Feliz aquele que aceita que este é o Deus da Vida, Aquele
que desce, se faz carne humana, para acolher em si a dor e o sofrimento de
todos, sobretudo daqueles que são vítimas e estão excluídos.
O modo de agir de Jesus em favor da
vida deve também inspirar o nosso modo de agir durante o Advento. Não tem
sentido despertar nossa sintonia com Aquele que colocou a vida dos mais pobres
e sofredores no centro de sua missão se não ativarmos nossa sensibilidade e
nosso compromisso com aqueles que são vítimas das estruturas sociais e
políticas injustas. Viver em “estado de Advento” não é se fixar no futuro,
aguardando a vinda d’Aquele que já está sempre presente e que se faz visível
nos rostos dessas vítimas.
“Ser Advento” implica “descer” junto à
humanidade, recompondo vínculos quebrados, superando ódios e intolerâncias,
mobilizando energias e criatividade para que a vida de todos possa ser
desbloqueada e encontre espaço para se expressar em sua plenitude.
Portanto, Advento sem compromisso
com a vida é Advento estéril, com cheiro de morte.
Para conhecer Jesus, o melhor é ver de quem Ele
se aproxima e a que Ele se dedica. Para captar bem sua identidade não basta
confessar teoricamente que Ele é o Messias, Filho de Deus. É preciso
sintonizar-nos com seu modo de ser Messias, que não é outro senão o de aliviar
o sofrimento humano, curar a vida ferida e abrir um horizonte de esperança aos
pobres.
Os cegos, surdos,
coxos, leprosos, pobres e muitos outros coletivos no mundo de hoje, continuam
sendo símbolos da marginalização mais radical que afeta muitíssimos seres
humanos. O texto do evangelho deste domingo quer ressaltar que a chegada do
Reino terá consequências para todos, mas sobretudo para os mais excluídos, que
tinham perdido toda esperança e o sentido do viver.
Como
podemos perceber, entre os sinais da presença do Messias não há um só sinal
“religioso”: nem culto, nem rezas, nem sacrifícios, nem doutrinas, nem leis...
Isto nos deveria fazer pensar.
Nós
cristãos, com frequência, esquecemos que, para Jesus, primeiramente vem a vida,
depois o culto; em primeiro lugar, o compromisso em aliviar a dor humana,
depois a religião.
Não são
só os cegos, surdos, coxos, doentes que fazem presente o Reino, mas também
aqueles que se preocupam com eles. Só as ações em benefício dos outros deixam
transparecer a presença de Deus.
Entrar na
dinâmica do Advento, significa estar dispostos a aproveitar qualquer ocasião
para tornar presente o Reino, não frustrando aqueles que esperam de nós
atitudes comprometidas com a vida.
Nas páginas dos Evangelhos não vemos um Jesus fixo no deserto ou no
templo, mas caminhando por toda a Galileia; aproxima-se dos últimos e
excluídos, vítimas do contexto social e religioso da época.
O centro da sua missão é aliviar todo sofrimento humano, restabelecendo a
vida onde ela está ferida.
Quando se luta contra o sofrimento, quando se alivia a dor, quando se
abre uma vida mais sadia... ali está atuando o Reino de Deus. O que Jesus fez,
fundamentalmente, foi curar a vida.
Pode-se
dizer que toda a atuação de Jesus está encaminhada a criar uma sociedade mais
saudável, mais humana, mais respirável, mais leve... Recordemos a rebeldia de
Jesus frente a tantos comportamentos patológicos de raiz religiosa; como Ele
critica o rigorismo, o legalismo, o culto vazio de amor... Jesus quer sanar a
religião; seu esforço visa criar uma sociedade mais justa e solidária; sua
oferta de perdão gratuito é para todos; sua atitude acolhedora envolve a todos
os maltratados pela vida ou pela injustiça dos homens...
Em tempos de fanatismos, intolerâncias e
preconceitos, precisamos assumir uma atitude firme a partir do evangelho da Boa
Nova de Jesus. Atitude que nos faça ter “os olhos fixos em Jesus” (Hb 12,2)
para recriar a história a partir de seu sentir. Precisamos desprender-nos de
nossas “catedrais simbólicas” e de nossos rituais estéreis que nos distanciam
da realidade escandalosa da exclusão. “Não há cristianismo sem carne” (Pagola), sem vida e
paixão pelos últimos e abandonados.
É preciso sair dos limites conhecidos, de nossas
seguranças, para adentrar-nos no terreno do incerto; sair dos espaços onde nos
sentimos fortes para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis;
sair do inquestionável para enfrentarmos o novo...
É decisivo estarmos dispostos a abrir espaços em
nossa história a novas pessoas e situações, novos encontros, novas
experiências... Porque sempre há algo diferente e inesperado que
pode nos enriquecer...
A vida está cheia de possibilidades e surpresas;
inumeráveis caminhos que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em
nossas vidas; desafios, encontros, aprendizagens, motivos para celebrar, lições
para aprendermos e que nos farão um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais
simples...
A periferia passa a ser terra privilegiada
onde nasce o “novo”, por obra do Espírito. Ali aparece o broto
original do “nunca visto”, que em sua pequenez de fermento profético torna-se
um desafio ao imobilismo petrificado e um questionamento à ordem estabelecida.
As fronteiras e as periferias constituem o espaço privilegiado onde nascem e crescem as alternativas, onde brota o emergente como possibilidade de Vida nova, que transcende todo sinal de morte.
Texto bíblico: Mt 11,2-11
Na oração:
Como cristãos, a que Messias
seguimos hoje? Somos seguidores(as) de uma Pessoa que fez do compromisso com a
vida o centro de sua missão ou seguidores de uma religião só preocupada com
ritos, doutrinas, leis...?
Dedicamo-nos
a fazer as “obras” que Jesus fazia? Que estamos realizando em meio a este mundo
marcado por tantas violências e mortes? O que as pessoas estão “vendo e
ouvindo” na Igreja de Jesus? O que elas estão “vendo e ouvindo” em nossas
vidas? Deixamos transparecer o “espírito do Advento” no nosso encontro com os
outros?
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