Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho da Solenidade de Cristo Rei, que encerra o ano litúrgico.
“Jesus, lembra-te de mim, quando entrares em teu reinado” (Lc 23,42)
Rei, não há outra palavra menos apropriada para
Jesus.
Jesus, rei atípico. Os reis deste mundo vivem às custas de seus
súditos: explorando, dominando...
Jesus, no entanto, reina perdoando, amando e
comunicando vida a partir de uma situação de humilhação e impotência extremas.
Um rei crucificado é uma contradição e um escândalo. Lucas nos diz onde
e como
Jesus ganha este título de rei: na entrega de sua vida até à morte. Seu
senhorio é de amor incondicional, de compromisso com os pobres e excluídos, de
liberdade e justiça, de solidariedade e de misericórdia.
O título de Cristo
Rei corre o risco de ser utilizado de uma forma pagã, como uma pura
imitação dos reis deste mundo. O triunfalismo religioso e político tem
utilizado este título para defender ideias dominadoras, triunfalistas e
conservadoras.
Esse é a maior contradição da
história humana: o Crucificado é esperança dos pobres, dos pecadores e de todos
os sofredores. Jesus é Rei desta
forma e não da forma triunfalista como querem os cristãos “gloriosos”. Um rei
que toca leprosos, que prefere a companhia dos excluídos e não dos poderosos
deste mundo. Um rei que lava os pés dos seus, um rei que não tem dinheiro e que
não pode defender-se, que não tem exército... Um rei sem trono, sem palácio,
sem pompas, sem poder.
Jesus crucificado é um estranho
rei: seu trono é a Cruz, sua coroa é de espinhos. Não tem manto, está desnudo.
Até os seus o abandonaram. Pobre rei!
Por isso, para poder aplicar a Jesus o título de “rei”, devemos despojá-lo de toda
conotação de poder, força ou dominação. Jesus sempre se manifestou contrário a
todo tipo de poder, sobretudo do poder religioso, o mais nefasto.
E não só condenou aqueles que dominam como também condenou, com a mesma
veemência, aqueles que se deixam dominar.
Jesus
quer seres humanos completos, isto é, livres. Ele quer seres humanos ungidos
pelo Espírito de Deus, que sejam capazes de manifestar o divino através de sua
humanidade. Tanto o que escraviza como o que se deixa escravizar, deixa de ser
humano e se afasta do divino.
Jesus
quer que todos sejamos “reis” ou “rainhas”, ou seja, que não nos deixemos
escravizar por nada nem por ninguém. Quando responde a Pilatos, não diz “sou o
rei”, mas “sou rei”; com isso, está demonstrando que não é o único, que
qualquer um pode descobrir seu verdadeiro ser e agir segundo esta exigência.
Há
uma nobreza presente em nosso interior e que é ativada no encontro com o outro,
através da compaixão, do serviço, do amor solidário...
Devemos estar conscientes de que o sentido que
queremos dar a esta festa não é aquele dado pelo papa Pio XI, há quase 100 anos,
e nem mesmo aquele sentido que é dado pela maioria dos cristãos. Devemos
conservar o título, mas mudar a maneira de entendê-lo, ou seja, com o Evangelho
na mão podemos continuar falando de “Jesus
rei do universo”.
Jesus será “Reino do Universo” quando a paz, o
amor e a justiça reinarem em todos os rincões da terra, quando todos forem
testemunhas da verdade, quando em todos os ambientes a mesa do Reino se tornar
mesa de inclusão e de acolhida... Jesus será Rei quando estivermos dispostos a
fazer descer da Cruz aqueles que estão dependurados nela. E são tantos
os crucificados no nosso contexto social e religioso!
O Evangelho da festa de hoje faz parte da
narração da Paixão de Jesus. Fixemos
nosso olhar nos personagens que assistem ao tremendo espetáculo da crucifixão.
O povo estava ali olhando. Não é a multidão que habitualmente O segue, mas pessoas
que assistem com curiosidade zombadora.
Os
chefes, as autoridades religiosas escarneciam de Jesus. Eles conservavam a ideia
de um Messias triunfal. Tem um Deus feito à medida de seus interesses. A
mensagem de Jesus não os afetou. Julgavam-se em posse da verdade.
Os
soldados também lhe zombavam. Aproximavam-se dele para dar-lhe vinagre. Os
executores da violência do poder romano não podiam entender um rei que não
fazia nada para defender-se.
O
letreiro também indicava ironia: “Este é o rei
dos judeus”.
Um
dos ladrões o insultava: “Tu não és o
Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!”.
Ninguém
parece ter entendido Sua vida e Sua mensagem. Ninguém compreendeu seu perdão
aos algozes. Ninguém viu em seu rosto o olhar compassivo do Pai. Ninguém
percebeu que, pendente da Cruz, Jesus se unia para sempre a todos os
crucificados e sofredores da história.
Mas, a grande surpresa está reservada para o
final da cena: aquele homem impotente, que agonizava na Cruz, promete o paraíso
a outro condenado à morte e que se dirigira a Ele assim: “Jesus,
lembra-te de mim, quando entrares
em teu reinado”.
É o único personagem em todo o Evangelho que se dirige a Jesus chamando-o
simplesmente por seu nome, sem acrescentar nenhum outro título como Senhor,
Mestre, Filho de Davi ou Messias.
Sem saber, ele estava em profunda
sintonia com o sentido da missão daquele Homem crucificado, a quem o invocava:
aproximar-se, encurtar distâncias, viver entre nós como um entre tantos,
entregar-nos seu nome e sua amizade, compartilhar de nossa fragilidade, estar
tão perto a ponto de escutar o sussurro de todos aqueles que, sem alento, morrem
ao seu lado...
O “bom ladrão” reconhece a Jesus na
cruz como rei, um rei que morre na fidelidade à sua missão de mensageiro de um
projeto de vida diferente, de um Reino de misericórdia aberto a todos, também
ao pior dos malfeitores, e que oferece sua vida para indicar o caminho da
verdadeira vida que vence a morte: o amor até o extremo. E nisso consistiu sua
glória, sua realeza e seu triunfo.
Jesus sempre viveu “em más companhias” e agora
morre entre dois ladrões. Mais uma vez, não assume o papel de juiz sobre os
outros, mas oferece uma nova chance de salvação. Ele é o moribundo que dá vida:
presença solidária, que, mesmo em meio ao pior sofrimento, oferece companhia a
outros sofredores.
O Justo e o pecador, ambos crucificados,
participam da vida definitiva que a morte terrível na cruz não pode vencer.
Jesus é o rei, e o primeiro cidadão que ingressa em Reino é esse malfeitor que
confiou n’Ele.
Assim, impactado pela serenidade e testemunho de
Jesus, “rouba o paraíso”.
No alto da Cruz, Jesus revela uma promessa que
muitas pessoas precisam ouvir hoje, sobretudo aqueles que carregam cruzes
injustas e pesadas, que vivem realidades atravessadas pela dor, pela solidão,
dúvida, incompreensão ou pranto...
Que ressonância têm estas palavras no interior de
cada um de nós: “Hoje estarás
comigo no Paraíso”.
Hoje:
porque as
mudanças, a nova criação, a humanidade reconciliada, não tem que esperar mais;
hoje, agora, já...; talvez, se esse “hoje” não chega é por causa de tantas
pessoas que não decidem, não optam, esperam sentadas... Comigo: a promessa de viver em sua companhia
desperta ecos de uma plenitude que não conseguimos entender.
No paraíso: que não é um mítico Eden, mas lugar de plenitude de vida, onde não haverá mais pranto, nem dor; realidade que já se presente entre nós, sobretudo onde habita a justiça, a paz, a compaixão...
Texto bíblico: Lc 23,35-43
Na oração:
Situar-se diante
do Rei Crucificado e dos crucificados da história. No nosso atual contexto social,
político e religioso são muitos os julgamentos, ódios, mentiras, intolerâncias,
preconceitos... que continuam crucificando e fazendo vítimas. E tudo isso em
nome da “religião e da moral cristã”. O Crucificado Inocente continua revelando
seu rosto nos crucificados de hoje.
- Como tirar das
cruzes as vítimas inocentes que estão dependurados nelas?
- Como construir
hoje o paraíso? Neste momento histórico, como ativar e despertar a esperança
nas vítimas?
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