Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 25º. Domingo do Tempo Comum (Ano C).
“Os filhos deste mundo são mais astutos em seus negócios do que os filhos da luz” (Lc 16,8)
O Evangelho
deste domingo nos situa diante de mais uma parábola "escandalosa" de
Jesus, ou seja, um relato impactante e provocativo, que ajuda a “despertar” o
ouvinte ou o leitor.
Mas o que
se trata na parábola não é da injustiça cometida nem da desonestidade do
administrador, senão de sua astúcia. O objeto de louvor por
parte de Jesus é a esperteza, a audácia e o empenho com que o administrador
tira partido de uma situação presente tendo em vista garantir o futuro; Jesus
elogia o administrador não porque roubou, mas porque teve presença de espírito,
soube calcular bem as coisas e encontrar uma saída honrosa, enquanto havia
tempo. E a “saída” do administrador, ameaçado de desemprego, foi fazer “amigos”
para depois.
A parábola, apesar das aparências, não está centrada no dinheiro, mas na
“astúcia” do administrador.
E é então quando a parábola dá o salto “dos filhos das trevas” aos
“filhos da luz”, tomando forma de denúncia ou alerta: todos somos “astutos”
quando manejamos os assuntos do nosso ego, naquilo que tem a ver com seus
interesses. Não aplicamos a mesma inteligência para aquilo que tem a ver com
nossa verdade profunda. Precisamos estar atentos para viver coerentemente com o
que realmente somos. Em uma palavra: vivemos nas “trevas” ou na “luz”?
Quanto investimos no mal e como
somos preguiçosos e sem criatividade na vivência do bem!
Não podemos continuar lamentando o
mau que os outros fazem; devemos lamentar o bem que deixamos de fazer; não
queixemos do mal que está no mundo; lamentemos daquilo que nós, seguidores(as)
de Jesus, não fazemos para que nosso mundo esteja melhor.
Não lamentemos dos maus, mas dos
inúteis que os bons costumam ser.
A comunidade cristã não anda mal
pelos pecados que há nela. Anda mal pelo fato de sermos poucos criativos e o
pouco que os bons fazem por ela.
Jesus reconhece a esperteza dos filhos deste mundo utilizada para
cometer delitos, enganar, roubar ou levar uma vida corrupta, e realça o modo de
proceder daqueles que o seguem, ou seja, a necessidade de serem também astutos
para fazer o bem e lutar pela justiça.
Ele quer que os “filhos da luz” sejam criativos em favor do Reino:
estejam atentos, sejam hábeis e permaneçam despertos e ativos para livrar-se do
complicado e sutil combate contra os mecanismos do mal; neste caso, o que gera
a ambição do dinheiro.
Não devemos imitar a injustiça que
o administrador infiel está cometendo, mas utilizar a astúcia e a prontidão com
que atua; ele é um filho deste mundo; é sagaz porque, em meio à situação
desesperada de ser despedido do emprego, soube aproveitar da situação para
preservar seus interesses. Com esperteza, com decisão e sem escrúpulos,
aproveita o que lhe pode proporcionar vantagem para garantir sua vida futura.
E é aqui onde encontramos a chave
de compreensão do relato: como “filhos da luz” precisamos agir de
um modo inteligente, utilizando todos os recursos em favor da vida. Quem são nossos “amigos para
depois”? São os cegos, os excluídos, os pobres em geral. Temos amplas
oportunidades de usar o “vil dinheiro” para conquistar estes amigos. Essa Vida não é outra coisa que as “moradas
eternas” de que fala o texto.
A mensagem
do Evangelho deste domingo não só nos instiga a sermos mais astutos com os
valores do Reino, mas também nos alerta para o perigo de afeição desordenada
com relação ao ídolo dinheiro.
O dinheiro
pode ser mediação para ajudar às pessoas, mas também pode se tornar o
“absoluto” da existência.
No fundo, o
evangelho de hoje nos situa diante do maior dilema de nossa vida, diante da
única pergunta na qual investimos tudo: quem é o “senhor” que
determina nossa vida? Na prática, segundo a resposta que lhe demos, viveremos
“para o dinheiro” (nas “trevas”) ou “para Deus” (na “luz).
Na perspectiva bíblica, há uma incompatibilidade radical
entre a paixão pelo dinheiro (e
outros afetos desordenados) e a paixão pelo Reino. “Ninguém
pode servir a dois senhores”.
Há uma incompatibilidade de ordem religiosa,
porque a fé no Deus único impede a idolatria;
uma incompatibilidade de ordem moral: não se pode servir, ao mesmo tempo, ao amor e ao egoísmo; e também uma incompatibilidade de ordem psíquica, porque não é possível experimentar a paixão pelo Reino e pelo dinheiro, ao mesmo tempo, sem divisão para o indivíduo.
Para os seguidores de Jesus, o amor não é apenas um preceito, é uma atitude de vida, que pede um
total investimento afetivo. Por isso, o “afeto desordenado” ao dinheiro, como fonte de desamor, se
apresenta não somente como problema ético, mas também como problema de crença,
de fé.
A fidelidade ao Deus único
fica interditada. E o caráter idolátrico que o dinheiro possui é
ressaltado nos Evangelhos mediante o uso do termo “mamon” – a etimologia desta palavra parece referir-se à ideia de “depósito”,
“provisão; mas na boca de Jesus parece adquirir um caráter de idolatria,
na medida em que remete a um lugar que fornece “segurança” à existência.
Como todo ídolo, o dinheiro provoca o fascínio, a adoração
e as identificações mais perniciosas.
De fato, a tentação do dinheiro tem suas raízes fundadas no
pânico produzido pela insegurança.
O dinheiro, os bens,
as posses apresentam-se, então, como solo firme sob nossos pés.
Mais ainda: o dinheiro é algo mais do que solo firme e apoio; é carapaça
protetora, é um objeto interno, corpo do corpo, ou coisa
com a “qualidade do eu”. A dinâmica acumulativa, retentiva, própria
da posse do dinheiro, possui toda a força do narcisismo e da auto-afirmação
infantil.
Sabemos da
perene e escorregadia tentação – uma mentira perigosa que aparece como
“verdade” - de solucionar as inseguranças e medos
de nosso eu através dos impulsos à cobiça que se aninham em nosso coração. Há
coisas que são mentira, mas que aparecem como verdade; aí se enraíza seu atrativo.
Temos medo
de “perder pé”; por isso, com o dinheiro, pensamos agradar e robustecer
nosso ego. Daí surgem as racionalizações com a desculpa de servir
a Deus; no fundo, manipulamos Deus para santificar nossos afetos desordenados.
“Eu
quero um Deus que queira o que eu quero”.
Cada um de nós precisa encontrar a
maneira de agir com sagacidade para conseguir o maior benefício no uso do
“dinheiro”, não para alimentar nosso falso eu, mas para construir relações mais
sadias, através da partilha. Se somos sinceros, descobriremos que, em nossa
vida, confiamos muito mais nas coisas externas e muito pouco naquilo que
realmente somos. Com frequência, servimos ao dinheiro e nos servimos de Deus.
Proclamamos Deus como o Senhor, mas quem manda de verdade é o dinheiro. Deus é
Amor gratuito, mas dinheiro quer tudo..., até a “alma”.
Aos poucos, o “dinheiro” vai se
transformando em “senhor” que exige pesados sacrifícios e um alto investimento
afetivo, esvaziando outras dimensões de nossa vida.
A criação da nova comunidade, como alternativa às relações perversas do mundo, passa necessariamente pela ruptura com o que se encontra na própria base da desigualdade e da injustiça, que é a afeição ao dinheiro.
Texto bíblico: Lc 16,1-13
Na oração:
Seu compromisso com o
Reino afeta seu “bolso”?
Você sabe e sente a
força de sedução que o dinheiro exerce e da capacidade que ele tem de atrofiar sua
sensibilidade diante da realidade e dos outros?
- Quem é o “senhor”
que move seu coração?
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