Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 3º. Domingo do Tempo Comum (Ano C).
“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me
consagrou com a unção...”
(Lc 4,18)
O relato do evangelho deste domingo faz
referência ao início da vida pública de Jesus, quando retorna à Galileia,
depois da confirmação de ser o Messias e da experiência de discernimento no
deserto.
Jesus se apresenta em Nazaré, onde seus
compatriotas aguardam seu “discurso programático”, e Ele causa espanto ao dizer
que veio falar-lhes em nome dos pobres e excluídos; e faz isso tomando como
próprias as palavras do profeta Isaías.
Movido pelo Espírito, Jesus começa a falar uma
linguagem provocativa, original e inconfundível: Ele revela seu compromisso em
favor de uma vida nova e livre entre os últimos, onde a vida encontra-se ferida.
Diferentemente dos mestres da Lei e
dos escribas, cujo ensinamento estava centrado em “decorar” e conservar a Lei,
o ensinamento de Jesus parte da realidade humana de sofrimento,
exclusão, preconceito...
Aqui estamos numa sinagoga em dia
de sábado: lugar e dia de comunhão, de encontro, de festa... No entanto, na
mesma sinagoga Jesus convida a ter um olhar mais amplo para a realidade da exclusão.
Surpreendentemente, o texto não
fala em organizar uma nova religião, de impor a carga de uma nova lei ou de
implantar um culto mais digno, mas de comunicar libertação, esperança, luz e
graça aos mais pobres e excluídos da terra.
Jesus se apresenta como o “ungido” pelo Espírito
(Cristo) porque declara cumpridas, em sua vida e em sua pessoa, as promessas da
antiga profecia que se revelavam como libertação dos oprimidos, encarcerados e
estrangeiros. Ele aparece como o Ungido por excelência; o Pai lhe comunicou seu
Espírito para que manifestasse seu dom e sua presença no mundo, anunciando a
“boa notícia” aos pobres e necessitados, aos famintos de pão ou carentes de
outros bens importantes.
Jesus não oferece doutrinas estéreis, não vem
complicar a vida com novas exigências, nem
está preocupado em apresentar uma religião diferente, mas revela uma presença original no mundo,
comprometida com a vida. Nesse sentido, para Ele, evangelizar passou a significar
oferecer vida, abrir caminhos de esperança, reconstruir as relações rompidas...
Esta é a afirmação geral, o ponto de partida da missão pública de Jesus.
O Espírito de Deus está em Jesus
enviando-o aos pobres, orientando toda sua vida para os mais necessitados,
oprimidos e humilhados. Também nessa direção devem se comprometer seus
seguidores(as).
Esta é a orientação que Deus quer
deixar transparecer na história humana. Os últimos serão os primeiros em
conhecer essa vida mais digna, livre e ditosa, que o mesmo Deus quer já, desde
“agora”, para todos os seus filhos e filhas.
Após a leitura do texto do profeta Isaías, na
sinagoga em Nazaré, a palavra de Jesus move a todos a se situar no presente: “Hoje se cumpriu esta
passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. Em Lucas, se trata de um “hoje”
continuado, sempre atual, com a única condição de que nos deixemos introduzir
nele. É um “hoje” que bem poderia ser traduzido por “aqui e agora”, o tempo
presente que vai além do tempo cronológico; é o presente atemporal no qual tudo
está bem, onde tudo é benção, graça, liberdade e Vida. Um Presente que não é
ambíguo, mas que, abraçando todas as dimensões de nossa existência, rica e
pobre, se desvela a nós como Plenitude.
A cena do evangelho de hoje termina
com uma promessa de vida que tem lugar “hoje”. Da boca de Jesus brota uma
palavra de vida, acompanhada de uma certeza que a faz eterna, ou seja, válida
para todo momento, em um presente sempre atual: o “hoje” em Lucas significa
“todo momento”, qualquer instante em que, ouvinte ou leitores, se abrem à Palavra
inspirada de Jesus.
Cada um desses “hoje” remete o
leitor a seu próprio presente. Por isso, não perdem nunca sua atualidade,
sempre que o leitor ou ouvinte acolha o dom desse “tempo novo”.
E o mais maravilhoso é quando o “hoje de Deus” coincide com o “hoje nosso”. Deus é nosso “hoje”, nós somos o “hoje” de Deus; é no nosso “hoje” que Deus nos fala e realiza maravilhas.
Desse modo, o evangelista Lucas está nos dizendo:
essa Palavra é válida também para nós, hoje, com a condição de que nos
deixemos conduzir por ela. Para todos nós há também uma promessa de vida, que
não pode ser bloqueada por nenhum tipo de escravidão e que não se acaba na
fronteira da morte.
Antes de mais nada, a expressão “hoje” nos mostra
Jesus como um homem que vive em um presente consciente e descansado, sábio e
pleno. Deus não é graça ou castigo, boa notícia ou ameaça. Segundo Jesus, Deus
é amor e só amor, compaixão e bondade, gratuita e incondicional. Esses
atributos divinos se visibilizam no “hoje” de nossa existência.
Deus não só nos liberta, Deus é a
libertação. Somos nós que devemos tomar consciência de que somos livres e
podemos viver em liberdade sem que ninguém no-la impeça. Também devemos ajudar
os outros a descobrir a possibilidade de serem livres. Como Jesus, não devemos deixar que nada nem ninguém nos oprima. Nem
Deus, nem os homens em seu nome, podem nos exigir algum tipo de vassalagem.
A liberdade deve ser o
estado natural do ser humano. Por isso, a “boa notícia” de Jesus é dirigida a
todos aqueles que padecem qualquer tipo de submissão. A enumeração feita por
Isaías não deixa lugar a dúvidas: a libertação chega para todos os oprimidos e
de todas as opressões.
É preciso recordar sempre: Jesus está longe de um
mero assistencialismo... Ao tornar pública sua missão, Jesus inaugura uma nova
ordem integral, a única que permite falar de uma libertação real. É importante
cair na conta de que muitas vezes quando se fala de “opção preferencial pelos
pobres”, na realidade se trata claramente de uma mentalidade assistencial,
muito distante do discurso e prática de Jesus no início de sua vida pública. “Evangelizar é
libertar através da palavra” (Nolan). Uma palavra que não entra na história,
que não se pronuncia, que se mantém em cima do muro, que não mobiliza, não
sacode, não provoca solidariedade, não transforma as estruturas geradoras de
escravidões... não é herdeira da “palavra bendita” de Jesus.
Jesus é tão “entranhavelmente” humano
que nos desconcerta a ponto de parecer estranho, extravagante e, para muitos,
escandaloso. Mas, precisamente dessa maneira Ele nos revela, não só sua
profunda humanidade, senão o grau de “desumanização” a que podemos
submeter os outros, sem nos darmos conta disso.
Portanto, o sentido de nossa existência cristã não está em “divinizar-nos”, mas em “humanizar-nos” (descermos até o fundo de nossa condição humana). Porque o “ponto de encontro” entre Deus e os seres humanos não foi só o “divino”, senão o “divino humanizado”.
Texto bíblico: Lc 1,1-4; 4,14-21
Na oração:
“Hoje
se cumpre” a Escritura em cada um de nós. O mesmo Espírito que atuou em Jesus,
está atuando em nós. O ego nos separa; o Espírito nos identifica e nos unifica.
-
Na oração, procure conectar com essa “divina energia” que está em
você, e a espiritualidade será o mais espontâneo e natural de sua vida.
-
As palavras de Isaías abrem um novo “sentido” para a vida de Jesus; também
para todos nós, seus seguidores.
Elas
se cumprem em você, no “hoje” de sua existência? Você se sente também “enviado”
a ser presença da Boa Notícia para os pobres, para as vítimas das estruturas
sociais injustas? Sua vida é “boa-notícia” para todos?
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