Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho da celebração do Batismo do Jesus.
“Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer” (Lc 3,22)
Começamos o
tempo litúrgico conhecido como “Tempo Comum”. O batismo é o primeiro
acontecimento público da vida de Jesus que os evangelhos nos narram. Sem contar os evangelhos
da infância de Mateus e Lucas, carregados de significado teológico posterior,
todos os evangelistas começam suas narrativas com o batismo de Jesus por João
Batista. Os quatro evangelistas ressaltam a importância que teve para Jesus o
encontro com João Batista e a descoberta de sua missão.
Além disso,
o batismo é o evento mais significativo desde seu nascimento até sua morte. O
importante não é o fato em si, mas a carga simbólica que o relato deixa
transparecer.
João Batista se encontra no
deserto, junto ao rio Jordão; ele leva o templo e o culto ao deserto, que evoca
o Êxodo e a liberdade. Descobre-se e vive-se a relação com Deus não tanto nos
ritos do templo, mas no caminho do deserto da vida, no caminho para a terra
prometida, na liberdade.
Quando ouviu falar de João Batista, que batizava no rio Jordão, Jesus se uniu à multidão e foi também ver João e conhecer o que estava acontecendo ali. Com a multidão, Jesus entrou no Jordão; Aquele que não tinha pecado se faz solidário, compartilha as limitações e sofrimentos da humanidade.e de nossas histórias pessoais.
Contrariamente ao que sem
Jesus desce ao profundo das águas de nossas fragilidades humanas; Ele compartilha conosco a densidade de nossa história pre nos foi dito, o batismo não é a prova da divindade de Jesus, mas a prova de uma verdadeira humanidade; Ele é o ser humano que assume sua condição e ora.
Como todas as coisas, tudo tem um processo. Com Jesus não
foi diferente; lentamente, Ele foi tomando consciência da proximidade de Deus,
de acordo com sua idade, até irromper em plena consciência ao ser batizado no
rio Jordão, na idade de 30 anos. Chegou o momento em que, junto com a multidão,
e não Ele sozinho como mostram as pinturas, Jesus entrou na água. A um sinal do
Batista, Ele se submergiu na água e assim se deixou batizar, como faziam todos.
Foi então, testemunham os relatos, quando ocorreu uma grande transformação na
vida do desconhecido Nazareno.
Depois
de ser batizado, enquanto rezava, diz o texto de Lucas, Jesus sentiu uma
tremenda comoção interior: “Tu
és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer”.
Ao “descer às águas do Jordão”, junto com a multidão, Jesus sente que em suas entranhas estava o manancial do Amor, que recebia a água viva do Abbá. No batismo se entrelaçaram e confluíram mais ainda suas torrentes.
Lucas não dá nenhum destaque ao fato do batismo em si; ele
destaca os símbolos: céu aberto, descida do Espírito e voz do Pai. Imagens que
no AT estão relacionadas com o Messias. Trata-se de uma teofania. Segundo
aquela mentalidade, Deus está nos céus e tem que vir dali. Quando os céus se abrem
é sinal de que Deus se aproxima dos homens. Esta vinda deve ser descrita de uma
maneira sensível, para poder ser compreendida. O importante não é o que
aconteceu fora, mas o que Jesus viveu dentro de si mesmo.
A linguagem bíblica expressa a experiência interior usando expressões pictóricas e simbólicas: o céu se abriu e viu-se o Espírito descer sobre Ele em forma de pomba. Trata-se de uma representação plástica para expressar uma radical e originalíssima experiência espiritual vivida por Jesus, impossível de ser expressa com palavras. A partir daí ocorreu uma verdadeira revolução em sua vida: sente-se Filho amado de Deus-Abba. É invadido por uma paixão de amor divino que revirou sua vida. Experimentou uma absoluta e direta proximidade de Deus. Já não é Ele quem busca a Deus, mas foi Deus que o buscou e o assumiu como seu Filho querido. Essa é a incrível revolução: a proximidade amorosa de Deus-Abbá.
Aqui se
encontra a grande singularidade relatada pelos evangelistas: dar testemunho da proximidade
radical de Deus, do Deus que busca intimidade não só com Jesus de Nazaré, mas
com todos os seres humanos, independentemente de sua condição moral, social,
religiosa e de sua situação de vida. Trata-se do transbordamento do amor
gratuito de Deus para seus filhos e filhas.
Com isto se inaugura um novo caminho, diferente daquele da observância da Lei e das distinções que se fazem entre bons e maus, justos e injustos. Não é esse o “modo de ser e agir” do Abbá de Jesus: Seu olhar e sua lógica é totalmente diferente, como se revelou e se visibilizou no batismo de Jesus, membro do grupo dos pobres de Javé. Neste, irrompe um amor divino ilimitado, oblativo, gratuito, começando por aquele de quem nunca falam, que nunca foi a uma escola de teologia, quando muito à escolinha bíblica da sinagoga. O Nazareno veio deste meio. Não pertence ao mundo dos letrados, dos juristas, da casta sacerdotal ou de algum status social. É um anônimo, mais acostumado ao trabalho manual que ao uso da palavra, um a mais que entra na fila dos pecadores para ser batizado, “descendo” às águas da humanidade.
A experiência
de Deus que Jesus teve no batismo não foi uma faísca que aconteceu num
instante. Antes, temos de pensar numa tomada de consciência progressiva que lhe
fez experimentar essa proximidade do Abbá e que depois buscou transmitir aos
seus discípulos. Para nós, isto é muito importante. Uma toma de consciência de
nosso verdadeiro ser não pode acontecer da noite para o dia.
Os
evangelistas nos repetem continuamente que Jesus, em diferentes momentos de sua
vida, teve a experiência de ser Filho Amado. E ponto. O resto são envoltórios.
De repente tudo mudou: inundado da
proximidade amorosa de Deus Jesus se pôs a pregar com tanto entusiasmo e
sabedoria que os ouvintes comentavam: “De
onde lhe vem essa sabedoria? Não é ele o filho do
carpinteiro?” (Mt
13,54-55).
Andando com pessoas de má fama,
Jesus ia lhes mostrando a proximidade amorosa de Deus.
Por que fazia isso? Porque quis levar a todos, especialmente aos socialmente desqualificados - os leprosos, os paralíticos, os cegos -, mas também aos pecadores públicos, aos desesperados, a novidade de que Deus está próximo de todos eles. Jesus, transbordando do amor de Deus-Abbá, sai do seu batismo com a nobre missão de anunciar essa novidade da proximidade incondicional de Deus que se faz para todos o “Abbá generoso”.
A partir de
então, o decisivo não é a prática minuciosa da Lei e das tradições
cuidadosamente observadas, mas deixar ressoar no coração aquela voz que
Deus-Abbá disse a Jesus e que agora repete para todos: “vós sois minhas
filhas e filhos amados, em vós encontro meu regozijo”. Isto soa primeiramente
como surpresa e depois como uma inaudita alegria e libertação. Esta é a boa
notícia, este é o Evangelho.
Esta
surpreendente proposta requeria e requer uma resposta. Exige mudança de mente e
de coração.
Assim entendemos o que é ser comunidade
cristã: antes de tudo, ela é um batistério, um lugar onde homens e mulheres
podem nascer para uma vida mais alta e expansiva, de vinculação com Deus, de
comunhão humana, ou seja, de batismo, de novo nascimento.
A Igreja existe na medida em que é capaz de oferecer um espaço de nascimento (de batismo) a todos. Neste contexto se situa a experiência cristã do batismo, como sacramento que expressa o nascimento em Deus, uma experiência de filiação celebrada e partilhada em comunhão com todos.
Texto bíblico: Lc 3,15-16.21-22
Na
oração:
O sacramento do batismo é um dos
muitos caminhos que podem nos ajudar a descobrir que somos filh@s amad@s. Mas,
em nossa vida cotidiana, que conexão há entre ser batizado e sentir-nos amad@s,
como Jesus?
- A experiência
pessoal de ser e sentir-nos filh@s amad@s marca um antes e um depois em nossa
vida? Até que ponto é a experiência fundante, a raiz de nossa vida cristã?
- Sentir-nos amad@s
fundamenta nosso comportamento moral, social... Santo Inácio de Loyola entendeu isso muito
bem: “O amor é a partilha do ser e do ter”. Descobrimos que a “proximidade
amorosa” de Deus nos compromete a ser presença amorosa na relação com os outros?
- Rezar seu
compromisso batismal: que implicações isso tem em sua vida? Faz diferença?
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