Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 17º Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes” (Jo 6,9)
Do pão de trigo ou cevada para o pão do sentido
de vida doada; do alimento de cada um para a circularidade do alimento
partilhado, em pequenos grupos, sem templo, na gratuidade e frugalidade...
Este é o sentido do texto joanino, proposto para
este domingo.
De todos os gestos realizados por Jesus, durante
sua atividade profética, o mais recordado pelas primeiras comunidades cristãs
foi, seguramente, uma refeição multitudinária, organizada por Ele no
descampado, nas proximidades do lago da Galileia. É a única cena relatada em
todos os evangelhos.
O conteúdo do relato é de grande riqueza e cheio
de simbolismo. Seguindo seu costume, o evangelho de João não o chama “
milagre”, mas “sinal”. Com isso nos convida a não ficarmos nos fatos externos
que são narrados, mas descobrir, a partir da fé, um sentido mais profundo.
Longe do templo e das autoridades
judaicas, seguido por uma multidão, Jesus sinaliza para uma Páscoa centrada na
pessoa dele, aberta a um processo de partilha, comunhão e retorno de vida
abundante para todos. O congraçamento de Israel, durante a festa da Páscoa, no
Templo, é substituído pelo congraçamento em torno a Jesus, no lugar onde Ele
estiver, com a multidão que o segue.
Mas, enquanto a Páscoa no Templo favorece os controladores dele, a Páscoa em torno de Jesus favorece e engrandece a todos.
Jesus ocupa o lugar central na cena; ninguém lhe
pede que intervenha. É Ele mesmo que olha, intui a fome daquela multidão e
ativa a necessidade de alimentá-la. Como alimentar tanta gente no meio do
descampado? Os discípulos não encontram nenhuma solução. Felipe diz que não se
pode pensar em comprar pão, pois não têm dinheiro. André sugere que se poderia
partilhar o que havia, mas só um menino tem cinco pães e dois peixes. Que é
isso para uma multidão?
Segundo
João, enquanto Filipe justifica a impossibilidade de solução, André procura uma
alternativa e se depara com cinco pães de cevada e dois peixinhos nas mãos de
um menino. Filipe ocupa seu tempo e sua inteligência em buscar justificativas
para o impasse e desculpas para não ser responsabilizado.
André, no entanto, encara a realidade e se ocupa na busca de solução. Encontra um sinal. Há pão, é de cevada, não de trigo, é pouco, mas o menino, pessoa que está começando a vida agora, coloca à disposição.
Naqueles vastos campos da
Galileia, Jesus propõe a grande mesa da comunhão universal, a mesa
“fora dos templos” que inclui a todos, sem distinção. O gesto da benção
instaura o horizonte da partilha, em que os alimentos são destinados à
necessidade de todos, por meio da co-responsabilidade dos participantes no
banquete da Criação, sobre cuja mesa Deus preparou pão em abundância para
todos.
Todos acompanham com atenção os gestos de Jesus:
coração em ação de graças, olhos fixos, ao mesmo tempo, no pão, enquanto o
parte, e na multidão ao seu redor. Primeiro dá graças à Fonte da vida. Segundo,
contempla o pão, fruto da terra e do trabalho de muitos homens e mulheres, que
deve ser partido e compartilhado. Terceiro, convida a repartir e assegura-se de
que a distribuição é justa.
Jesus dá graças por cinco pães e dois peixinhos
diante de cinco mil pessoas famintas. É a gratidão sobre o pouco que faz o
muito. É pouco, mas é dom de Deus, e dom pode-se multiplicar, pois a graça
partilhada tem alcance ilimitado. Nós, geralmente, só damos graças quando temos
em abundância, porque, a nosso ver, é a abundância que significa graça.
Depois
da ação de graças, o pão se multiplica, tem para todos, o quanto
necessitam, e ainda sobra abundantemente. Quanto mais se partilha, mais se tem.
A fome desse momento foi saciada, mas a vida continua. Jesus ensina como
repartir, isto é, como as pessoas devem proceder na relação de umas com as
outras.
A
abundância de alimento é graça de Deus, mas é igualmente empenho de cada pessoa
e de todas juntas.
Jesus é o primeiro responsável, mas quer partilhar com os seus. Isso exige a participação de todos.
A cena é fascinante: uma multidão dispersa, transformada
pelo encontro com Jesus, já é capaz de sentar-se em grupos ordenados sobre a
relva do campo, iguais, sem divisão em hierarquia e partilhando uma refeição
simples e gratuita. Não é um banquete de ricos; não há vinho nem carnes. É a
refeição frugal das pessoas que vivem junto ao lago: pão de cevada e peixe
defumado.
Os que tinham algo para comer também foram
repartindo com os outros. Na realidade, o verdadeiro milagre foi o da partilha,
onde as pessoas famintas não se lançam vorazmente sobre os pães numa luta para
conseguir os alimentos escassos. Compartilhar gratuitamente com os outros, com
desconhecidos, e não acumular o que sobra, isso sim é milagre.
A comunhão bíblica se realiza entre os “distantes”, por meio de um gesto que não é de poder, mas de esvaziamento, não é de apropriação, mas de partilha, não é de fechamento, mas de abertura das mãos que acolhem, que distribuem...
O dinheiro continua hoje sendo a causa de toda
desigualdade. Tudo tem um preço, incluídos os “bens espirituais”. A gratuidade
e a partilha são gestos que estão desaparecendo de nossa sociedade.
Jesus abre
outra lógica: a da partilha, frente à lógica do mercado, focado na apropriação e
na acumulação.
Só se fará
efetiva a nova comunidade quando pães e peixes entrarem na lógica do Reino. Sem
oferecer o próprio pão, os próprios recursos, a própria pessoa, não há possibilidade
de construção do Reino de Deus.
Em cada migalha de pão, em cada
pedaço de peixe, há uma história de amores e trabalhos que vão passando de mão
em mão, sem cobiça devoradora. Os bens deste mundo carregando dentro uma
vocação fraterna e universal. São dons para todos.
Nesta refeição de todo o povo sobre
o campo verde não se discrimina ninguém, não se pergunta a ninguém pelo seu
passado, sua profissão ou sua situação moral e religiosa. Todos são acolhidos
como expressão das entranhas compassivas de Deus, que chama todos a
compartilhar sua mesa. Todos se sentem pessoas dignas e amadas.
Esta é a utopia do Reino: tudo está reconciliado: o cosmos, com a natureza verde e em paz; os produtos do trabalho humano, da generosidade do mar e da terra; e as pessoas, numa relação harmoniosa entre si e com Deus, sem exclusões, competições nem privilégios. A sensibilidade solidária de Jesus situa tudo na lógica do amor, que é a única força transformadora da história.
Texto bíblico: Jo 6,1-15
Na
oração:
A
oração é também questão
de densidade de vida, de humanismo, de ativar a sensibilidade para com aqueles
que não têm quem os defenda;
é revelar que em nosso peito bate um coração de amor infinito, capaz de vibrar
e mobilizar-nos em favor dos outros. A oração implica entrar em sintonia com o
coração compassivo de Deus voltado para a miséria humana.
-
Como seguidor(a) de Jesus, qual é a sua “lógica” diante do contexto social de
exclusão e de miséria? A do Reino ou a do mercado neo-liberal?
-
A pobreza, a miséria, a fome... despertam em você uma “santa indignação” ou uma
acomodação doentia?
-
Os gestos de partilha e solidariedade são um modo de proceder contínuo em sua
vida?
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