Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 18º Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (Jo 6,35)
Depois da
multiplicação dos pães, Jesus, ao perceber que o povo não tinha entendido nada
do que acontecera, pois tentava fazê-lo rei, retirou-se a uma montanha,
sozinho. A multidão ficou satisfeita por ter se alimentado; ela segue Jesus por
aquilo que Ele pode dar. No entanto, a identificação com Ele e seu projeto
passa longe. Seus interesses vão em sentido contrário à atitude de Jesus de
despertá-la para a compaixão e a partilha. Jesus ensina como
repartir, isto é, como as pessoas precisam ser umas com as outras.
Jesus
empenha-se por uma nova humanização, onde as pessoas possam ser
livres, mas elas preferem continuar dependendo de outro (rei). Enquanto as
pessoas buscam alguém que se responsabilize por elas, Jesus ensina a
responsabilidade mútua, a corresponsabilidade. A abundância de alimento é graça
de Deus, mas é igualmente empenho de cada pessoa e de todas juntas.
A
solução para uma nova humanidade não é o dinheiro, o poder, o domínio ou um
milagre externo, mas saber compartilhar tudo com todos. O problema não se
soluciona comprando, o problema se soluciona compartilhando. A verdadeira
salvação não está em que alguém solucione nossos problemas, nem sequer em
ajudar a solucionar todos os problemas dos outros. A verdadeira liberdade está
em superar o egoísmo e estar disposto e dividir com os outros o que cada um tem
e o que cada um é.
“Não temos em nossas mãos a solução de todos os problemas do mundo, mas diante dos problemas do mundo temos nossas mãos” (Congresso de jovens latino-americanos).
No entanto,
segundo o relato de João, a multidão continua buscando a Jesus. Há algo n’Ele
que a atrai, mas ainda não sabe exatamente por que o busca nem para quê. As
pessoas começam a intuir que Jesus está lhes abrindo um novo horizonte, mas não
sabem o que fazer, nem por onde começar.
“Do
outro lado do mar” Jesus
começa a conversar com elas. Há coisas que convém aclarar desde o princípio. O pão
material é importante. Ele mesmo lhes ensinou a pedir a Deus “o pão de cada
dia” para todos.
Comer nunca significa um mero ato
biológico de ingerir alimentos; é sempre um ato comunitário e um rito de
comunhão. À mesa, onde se parte o pão
do Senhor, o cristão aprende a partir e a partilhar o “pão
de
cada dia” com os
outros.
Além disso, o pão que comemos esconde toda uma rede de relações anônimas; antes
de chegar à mesa, ele passou pelo trabalho de muitos braços; há muitas lágrimas
e suores escondidos em cada pão, como também há muito de solidariedade e
partilha.
Portanto, o pão que é produzido junto deve ser repartido junto e consumido junto.
O Senhor resgata em nós a fome e a sede mais profunda de encontro, partilha e
vida.
A mesma necessidade básica nos iguala a todos; a satisfação coletiva nos confraterniza. Só então podemos, verdadeiramente, pedir: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”.
A conversa
de Jesus com o povo, com os judeus e com os discípulos é um diálogo bonito, mas
exigente. Jesus procura abrir os olhos do povo para que aprenda a ler os
acontecimentos e descubra neles o rumo que deve tomar na vida. Pois não basta
ir atrás de sinais milagrosos que multiplicam o pão para o corpo. Não só de pão
vive o ser humano. A luta pela vida sem uma mística que inspira, não alcança a
raiz do próprio ser.
Enquanto
vai conversando com Jesus, o povo fica cada vez mais contrariado com as palavras
dele. Mas Jesus não cede, nem muda as exigências. O discurso parece um funil.
Na medida em que a conversa avança, é cada vez menos gente que sobra para ficar
com Ele. No fim só sobram os doze, e nem assim Jesus pode confiar em todos
eles. Esse é o eterno problema da vida cristã: quando o evangelho começa a
exigir compromisso, muita gente se afasta; quando se trata de seguir e se
identificar com uma Pessoa (Jesus), muitos se refugiam na doutrina, no
legalismo, no ritualismo..., vivendo um seguimento estéril.
O dinamismo do seguimento é gerar vida, fazer o(a) discípulo(a) viver a
partir da verdade mais profunda de si mesmo(a); ou seja, viver a partir do coração, do “ser profundo”.
“Trabalhai não pelo alimento que
perece, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna”.
No gesto da multiplicação dos pães se condensou todo o caminho de Jesus: vida doada na luta contra todo tipo de sofrimento e fome, na mesa partilhada onde as relações humanas alimentam a fraternidade do Reino. Aqui se conecta a essência da Vida de Jesus com a vida dos seus seguidores.
Para a mentalidade bíblica, o pão é um dos sinais primordiais da graça e do amor com que Deus nos sustenta e nos protege. Diante do pão estamos face a uma realidade santa. O pão é tratado com respeito e veneração. O pão é santo porque está associado ao mistério da vida que é sacrossanta.
Em cada pedaço de pão há mais
presença da mão de Deus do que da
mão do ser humano.
Para o cristão o pão é ainda
mais santo porque simboliza a reconciliação final de todos no
banquete definitivo do Reino; o pão carrega
a promessa de uma plenitude de vida.
O “pão do Reino” já se antecipou e é Jesus mesmo em sua vida e mensagem; Jesus continua presente na história e na vida de cada um através do “pão eucarístico”, alimento dos peregrinos rumo à pátria celeste.
Somos
eternos insatisfeitos; nunca nos saciamos de pão e milagres; queremos mais e
mais. Isso nos revela que nosso interesse é ter vida assegurada e o estômago
cheio.
Esta
realidade nos leva a perguntar: que pão nos sacia?
Porque há
pães que, enchendo o estômago, nos tiram a liberdade. São pães repartidos em
escravidão, pães seguros com sabor de suor e lágrimas; pães de Egito, pães que
dão a falsa sensação de saciedade.
Há pães que
nos despertam para confiar em Deus; são pães que chegam providencialmente e de
maneira gratuita. Aparecem quando menos esperamos e tem o sabor do caminho e do
encontro.
Para qual pão trabalhamos? Ou
ainda, a partir de onde pedimos pão? A partir da segurança e da escravidão ou a
partir da insegurança e da confiança?
Jesus se apresenta a nós como o
alimento que não perece. Buscá-Lo é descobrir o que Deus quer de nós e
agradecer o que nos dá para o caminho. Quem o rejeita fica atado aos pães deste
mundo que exigem fadiga, competição e escravidão. Quem o aceita, liberta-se dos
tempos e espaços e se sacia de confiança.
Que pão buscamos? Que pão desperta outras fomes em nós?
“O que é que
nutre realmente o nosso ser essencial?”
“Não somente o nosso corpo, não somente nosso psiquismo,
não somente nossa afetividade, mas o que é que nutre aquilo que não morrerá em
nós?”
“O que é que nutre a eternidade em nós?”
“O que é verdadeiramente nutritivo? O que é que
nutre a nossa identidade?
Texto bíblico: Jo 6,24-35
Na
oração:
Não é possível reconhecer o Corpo do Senhor presente na
Eucaristia se não se reconhece o Corpo do Senhor na comunidade onde
alguns passam necessidades. Pois, se fechamos os olhos às divisões e às
desigualdades mentimos ao dizer que Cristo está presente na Eucaristia.
Enquanto
não nos mobilizamos a mudar nossa sociedade de maneira que mais pessoas aceitem
a alegria de compartilhar o pão e a vida, faltará algo em nossa
Eucaristia. Essa “ferida” o cristão deve sempre tê-la presente.