“...porque sou
manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vós” (Mt 11,29)
Inútil discutir e dar
voltas: o distanciamento social veio
e começou a fazer parte do nosso ritmo cotidiano; não nos resta outro remédio a
não ser tomar medidas para aprender a manejá-lo e a incorporá-lo em nossa vida
da maneira menos danosa possível.
De fato, seus perigos são
evidentes: o distanciamento físico (“que
só se aproximem até um metro”), pode gerar o distanciamento social (“que não me venham com mais problemas, porque já
tenho os meus”)
e desembocar
no distanciamento emocional (“olho ao meu
redor e sinto as pessoas como uma ameaça”).
O evangelho deste
domingo pode nos oferecer uma inspiração neste momento dramático que vivemos.
Jesus nos revela que
toda manifestação de distanciamento (sanitário, físico,
social, religioso, cultural, político...) pode ser quebrado a partir do coração. Toda proximidade com o outro
começa pelo coração. Nesse sentido, encontramos uma pérola de grande valor
naquilo que o evangelista Mateus nos des-vela: “Aprendei de mim, que sou manso e
humilde de coração” .
Ao se apresentar como
referência para os seus discípulos - “aprendam de mim!”-
, Jesus frisou duas atitudes pelas quais pautava a sua vida: a mansidão
e a humildade.
Elas são o reflexo das bem-aventuranças que Ele sempre deixou transparecer no
encontro com os outros.
É do coração que
brotam a mansidão e a humildade, únicos remédios que substituem a expressão do
afeto e a cordialidade manifestada por via táctil (dar as mãos, abraçar...).
Mesmo quando a situação impede que mãos e braços se encontrem, os corações se
abraçam.
Este “tempo de
confinamento” está nos fazendo tomar consciência de nossas debilidades, quebrando
toda pretensão de auto-suficiência e de soberba; ao mesmo tempo, está nos
fazendo experimentar que não somos donos de nossos estados de ânimo e que
precisamos dedicar tempos ao descanso e à gratuidade.
Vivemos em meio à cultura
da produtividade, da competição, da eficiência, e isso nos deixa cansados,
raivosos, angustiados e tristes, sem um motivo aparente e sem poder encontrar
uma solução para isso. Constatamos que
nossa fragilidade carrega em si a necessidade de sair, de passar tempos
distendidos, de reaprender a estar com os outros, de oxigenar nossa vida em
meio a tantos venenos que nos asfixiam...
A humildade
e a mansidão
do coração nos trazem para o chão da vida e nos possibilitam viver com mais
humanidade. E estas duas virtudes estão disponíveis, em abundância, no nosso
interior. Basta abrir espaços para elas e o nosso cotidiano adquirirá novo
sabor e calor.
É suave a condição
humana quando, em vez de ocultar nossa debilidade, descobrimos com assombro que
é ela que nos conduz pela mão a nos aproximar calorosamente dos demais. Quando vivemos
a debilidade de forma agradecida, é mais fácil perdoar que condenar,
compreender que murmurar, aceitar que julgar.
A debilidade humana
descansa nas mãos de Deus. Talvez seja esta a aprendizagem principal de nossa vida,
pois a temos saboreado internamente. Só assim poderemos oferecer, também nós,
um lugar acessível de repouso para os cansaços e fragilidades dos outros.
“Descansar” não é a outra face da
ação de trabalhar; é participar, ter parte, na vida mesma de Deus, onde ação e
repouso coincidem numa única pulsação, num único movimento de segurança e de
felicidade, de consentimento e de abandono, nessa Presença Humilde que flui dentro
de nós, nos atrai e nos conduz com suavidade. O decisivo é ir ao seu encontro e
deixar-nos aliviar, para aprender d’Ele a sermos mais humanos.
Se vivemos só em chave de
mandamentos, de doutrinas, de normas..., comeremos pão de fadigas e sentimentos
de culpa; se vivemos em chave de bem-aventuranças, certamente poderemos
caminhar aliviados, porque o peso e a fecundidade da vida estão apoiados em
Outro e não dependem só de nós.
Nesse sentido, as
bem-aventuranças da humildade e a mansidão são o terreno sólido sobre o
qual podemos assentar nossa vida e ativar todas as potencialidades humanas que
nos habitam.
“Humildade” vem de húmus, chão, barro. Ela
está vinculada ao amor à verdade e a ele se submete. Ser humilde
é amar a verdade mais que a si mesmo. “Humildade é andar na verdade” (S. Teresa).
“Onde está a humildade, está também a caridade” (S. Agostinho).
É que a humildade leva ao amor, e todo amor verdadeiro a
supõe; sem a humildade, o ego ocupa
o espaço disponível, e só vê o outro como objeto ou como inimigo. A humildade nos conduz à pura gratuidade
do amor desinteressado.
Por outro lado, aqueles
que vivem sob o impulso da mansidão,
não rejeitam nada, não exigem nada. Estão abertos às surpresas da vida, vão
interiorizando as contrariedades de cada dia e ampliando um espaço no próprio
interior, onde acolher a realidade e reafirmá-la; revelam um coração que cria e
alimenta proximidades
com todos, porque pulsa
no ritmo do coração do outro, fisicamente presente ou distante.
A mansidão se assemelha a
um sentimento de não-violência ativa, a “essa
capacidade passiva de
recepção que se encontra no fundo da
estrutura da pessoa”
(Edith Stein).
Mansidão não é debilidade, mas força
suavizada; ela não é a atitude medíocre daqueles que se sentem anulados pela
presença violenta do outro. É força que não provém da violência externa, mas de
uma transformação interna. Por isso, o manso pode realizar ações impossíveis a
quem é violento e sentir-se bem-aventurado e feliz, uma vez que tem esperança
de conquistar o coração dos outros e se encontra entre os que herdarão a “terra
prometida” do coração de Deus.
A mansidão cristã,
reflexo daquela de Jesus, é plena de força. Suavidade e força que recorda o
modo “suave-forte” divino de agir. Trata-se daquela harmonia conquistada pelo
ser humano que alcançou seu centro mais profundo e ali encontra o dom da
liberdade. A mansidão é o estado interior a ser alcançado pelos corações dos
homens e mulheres livres.
Nessa ótica, de fato,
quando perdemos a mansidão, vemos nossa liberdade diminuída. Entramos na lógica
do revide e a emoção indomada preside nossas ações.
Vivemos em um mundo onde
imperam a prepotência, a agressividade, a vingança, o ataque e o desafio
preventivo, o amedrontamento, a extorsão e a imposição violenta como meios habituais
para conseguir os fins que se pretendem. Esta mesma estratégia de morte é
utilizada em diferentes ambientes, tanto civis como religiosos, políticos como
econômicos, entre pessoas e entre grupos ou nações.
Com isso, a vida e as
relações se convertem num campo de batalha contínua, como se fosse uma manada
de lobos disputando o cordeiro.
Como seguidores (as)
d’Aquele que é o humilde artífice da paz, testemunhamos e profetizamos que a mansidão é o verdadeiro rosto da
Igreja.
Não é por acaso que
muitas pessoas que lutaram em favor da justiça, pagando com a própria vida,
tenham essa característica comum: a mansidão
(Gandhi, Luther King, Dom Romero...). São descritos como indivíduos mansos e
humildes, amáveis e de agir discreto, abertos ao diálogo e à acolhida do outro,
pacientes e simples. E, exatamente por isso, dotados de uma força diferente e,
sobretudo, muito eficaz.
Bem-aventurados os humildes
e os mansos! Graças a eles o mal, na terra, pode se transformar em bem!.
Texto
bíblico:
Mt 11,25-30
Na oração:
De onde brotam a mansidão e a humildade? Como ativá-las e fazê-las crescer? Ninguém pode improvisá-las.
A raiz última da mansidão-humildade é contemplativa. Nasce em um clima de
oração, numa proximidade íntima que faz o nosso coração pulsar no mesmo
movimento do Coração compassivo de Deus. Desse encontro, de coração a Coração,
emergem das profundezas de nosso ser estes dinamismos mais humanos e mais
divinos. A partir da fonte original, a mansidão e a humildade vão se expandindo
na direção dos outros, alimentando novas relações, acolhendo o diferente,
vibrando com o bem presente no outro...
- No ritmo de sua vida, o que mais
se faz visível: mansidão e humildade? Ego inflado e soberba? Agradecimento
assombrado ou ingratidão venenosa? Suavidade divina ou prepotência que
petrifica?...
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