sábado, 25 de julho de 2020

Quando o tesouro e a pérola nos encontram

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do 17º  Domingo do Tempo Comum (Ano A).


 “Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo” (Mt 13,44)

As parábolas são uma expressão de surpresa diante da vida, que nos ultrapassa sempre, fazendo-nos capazes de pensar de um modo diferente, captar o outro lado da realidade concreta e abrir-nos à dimensão da transcendência. Dessa forma, elas recolhem e des-velam a vida real dos homens e mulheres de cada tempo, movendo-os a assumir uma atitude mais aberta e mais comprometida com a situação onde estão envolvidos. Isso significa acolher o dom e a missão do Reino.
Em geral, as parábolas evocam experiências desconcertantes e em quase todas elas se revela um dinamismo que rompe os esquemas “normais” da vida, conduzindo o ouvinte (ou leitor) a um outro patamar, mais inspirador e desafiante. Elas removem a vida, arrancando-a da “normose” (normalidade doentia) e despertando outros recursos internos, que não foram ainda mobilizados. Assim, esta mesma vida, começa a adquirir um outro sabor e um outro sentido.
O Evangelho deste domingo recolhe duas pequenas parábolas fulgurantes de Jesus: uma do tesouro e outra da pérola. São relatos de uma enorme eficácia. Elas nos situam frente a uma experiência desencadeante de vida, frente à surpresa de Deus, e assim expõem e põem em marcha o caminho do Reino. Elas também nos situam diante da máxima riqueza e exigem, ao mesmo tempo, o maior desprendimento.
São imagens que pedem radicalidade, ou seja, “vender tudo” para adquirir o tesouro ou a pérola.
Mas, quase não percebemos que há um passo prévio: a descoberta, a iluminação interior, o ver claramente. Tanto o caminhante pelos campos como o comerciante de pérolas, vendem tudo porque se convenceram de que o investimento valia a pena.

Nestas duas pequenas parábolas, são apresentadas duas opções para que cada qual possa identificar-se: ou é aquele que encontra inesperadamente o tesouro e compra o campo, ou é aquele que tem a vocação de comerciante e percorre o mundo procurando pérolas preciosas.
Uns serão aqueles que vão passear, deixando-se surpreender pela vida e pelos acontecimentos, sem perder a capacidade de assombro, de entusiasmo, de admiração. A pessoa de nossa parábola, ao ser encontrada pelo tesouro, “sai” de si para vender quanto tem, procura o proprietário e compra aquele campo. Mas também percebemos que faz tudo isso a partir de dentro, como se houvesse conectado com algo pessoal e íntimo, que lhe permite “sair” do mais profundo de si mesmo. E esse duplo movimento é carregado de uma plenificante alegria.
Outros serão de mentalidade “comercial”: encantam-lhes a aventura, a busca, a estratégia. Não nasceram para estar quietos, nem para se conformar com boas e bonitas pérolas. O específico seu é continuar viajando e buscando sempre a pérola maior até encontrá-la. E quando a encontram, compram-na, e continuam buscando sempre. Porque isso é próprio de um comerciante: apostar, comprar, vender, às vezes ganhar, outras vezes perder... A pérola também sai ao encontro daquele que busca.
A decisão e o risco que assumiram, tanto o comerciante de pérolas quanto o nosso caminhante pelos campos, mudaram suas vidas. O tesouro e a pérola continuarão sendo valiosos, quer eles vivam com fidelidade e paixão ou não. O que os transforma não é o tesouro ou a pérola em si, mas a atitude e a decisão que tomam, atraídos por eles. É um tesouro e uma pérola que exigem uma transformação do antigo e conhecido passado para um novo e desconhecido futuro.
Quando a pessoa se fecha às surpresas da vida, ou quando deixa de esperar algo bom e precioso, ela se invalida para ser descobridora de tesouros ou buscadora de pérolas.

Para deixar-nos encontrar pelo tesouro e pela pérola é preciso deslumbrar-nos, fascinar-nos, encantar-nos, apaixonar-nos. Parece simples, mas é muito aberto e evocador. “Aquilo pelo qual nos encantamos mobiliza nossa imaginação e acaba por deixar sua marca em tudo”, dizia Pe. Pedro Arrupe.
E como encantar-nos? Não é só questão de vontade, mas de viver com os olhos abertos, atento à realidade, externa e interna, ser poroso para que nos deixemos encontrar pela pérola preciosa e pelo tesouro escondido; diante desta surpresa, não poderemos deixar de ficar fascinados.
E então, sim, estaremos dispostos a queimar barcos, vender tudo, dar o salto. Talvez nosso maior problema é que, na realidade, o que nos interessa são nossas posses, poder, objetos, apegos à auto-imagem e não descobrimos ainda o tesouro escondido e a pérola fina, que não estão distantes de nós; pelo contrário, encontram-se no mais profundo de nós mesmos.
“Descer” ao chão de nossa interioridade é a oportunidade para descobrir regiões novas e novos horizontes, para conhecer o reino interior, para encontrar a riqueza interior e assim experimentar a transformação.
O caminho para uma nova qualidade de vida passa pela “descida” aos campos de nosso coração.
Isso requer coragem para passar por todas as regiões, mesmo as sombrias, e chegar ao mais profundo. Mas essa descida nos possibilita descobrir um mundo diferente que não conhecíamos, ou que havíamos perdido. Lá no fundo, encontra-se um bem precioso que podemos levar conosco, que nos ajuda em nosso caminho e que nos faz totalmente originais e criativos.

É preciso “descer” até o fundo para descobrirmos uma nova riqueza para a nossa vida; é “descendo” que poderemos revitalizar a vida que se tornara vazia e ressequida.
Trata-se de despertarmos, de escavarmos, de avançarmos em direção ao “veio de ouro” e de sabermos que este não é nossa propriedade; ele nos é oferecido como dom. Não basta falar de “pedra preciosa”, é também necessário “escavar” nosso “chão interior”, alargar nosso coração, garimpar em direção às riquezas que estão no eu mais profundo, assim como o “fio de ouro” no meio dos cascalhos.
Cada um de nós possui uma fonte inesgotável de qualidades-habilidades; podemos dizer: “somos um presente”, um valor para os outros. A vida sempre está oculta nas profundezas. A pessoa superficial é aquela que se confunde com suas ideias, coisas... A pessoa do “eu profundo” é aquela que vive a partir da raiz, da fonte mesma da vida, e deixa vir à tona todas as suas riquezas, dons, capacidades...
É no coração que existem, em abundância, os aspectos positivos de nossa personalidade, os talentos naturais e as boas tendências. Aí se aninham imensas riquezas que se exprimem de maneira diferente, dando a cada um, uma fisionomia própria, um caráter único.
Esta região profunda coincide com o mundo das certezas, dos valores, das ideias-força... que formam o eixo da nossa existência, o melhor de nós, o lugar de nossa recuperação e de nossa realização, o positivo que nos solicita continuamente a nos tornar o que devemos ser.

A força da transformação, portanto, nós não a encontramos na superfície ou distante de nós, mas sim, nas profundezas. Para ter acesso à riqueza no interior de nós mesmos, podemos imitar, simbolicamente, os hábitos dos pescadores de certo atol do Pacífico. Eles vivem pauperrimamente sobre uma terra desprovida de vegetação e açoitada pelos ventos; mas o fundo do seu mar é muito rico em pérolas.
Desenvolveram aí aptidões excepcionais para o mergulho; descem sem qualquer aparelho, ao fundo do mar, localizam as pérolas, arrancam-nas, trazem-nas para a superfície, atiram-nas no barco, para depois mergulharem de novo.
Este é o caminho da verdadeira espiritualidade: “descer até o fundo, mergulhar no oceano interior onde estão escondidas as pérolas que dão significado e sentido às nossas vidas.
Encantados com a descoberta, trazê-las à tona e colocá-las a serviço dos outros, multiplicando-as.
Textos bíblicos: Mt 13,44-52  

Na oração: 
Para realizar-te e desenvolver toda a tua potencialidade, busca, na oração, cavar mais profundamente, até atingir as raízes de teu ser, o núcleo original de tua personalidade.
- Olha no profundo de teu coração, olha no íntimo de ti mesmo, e pergunta: “tenho um coração que deseja o maior (“magis”) ou um coração adormecido pelas coisas? Meu coração conserva a inquietude da busca ou deixa-se sufocar pelos apegos, que acabam por atrofiar-me?”

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