“Cheio de alegria, ele vai, vende todos os
seus bens e compra aquele campo” (Mt 13,44)
As parábolas
são uma expressão de surpresa diante da vida, que nos ultrapassa sempre,
fazendo-nos capazes de pensar de um modo diferente, captar o outro lado da
realidade concreta e abrir-nos à dimensão da transcendência. Dessa forma, elas recolhem
e des-velam a vida real dos homens e mulheres de cada tempo, movendo-os a
assumir uma atitude mais aberta e mais comprometida com a situação onde estão
envolvidos. Isso significa acolher o dom e a missão do Reino.
Em geral, as parábolas evocam experiências
desconcertantes e em quase todas elas se revela um dinamismo que rompe os
esquemas “normais” da vida, conduzindo o ouvinte (ou leitor) a um outro
patamar, mais inspirador e desafiante. Elas removem a vida, arrancando-a da “normose”
(normalidade doentia) e despertando outros recursos internos, que não foram
ainda mobilizados. Assim, esta mesma vida, começa a adquirir um outro sabor e
um outro sentido.
O Evangelho deste domingo recolhe
duas pequenas parábolas fulgurantes de Jesus: uma do tesouro e outra da pérola.
São relatos de uma enorme eficácia. Elas nos situam frente a uma experiência desencadeante
de vida, frente à surpresa de Deus, e assim expõem e põem em marcha o caminho
do Reino. Elas também nos situam diante da máxima riqueza e exigem, ao mesmo
tempo, o maior desprendimento.
São imagens que pedem radicalidade,
ou seja, “vender tudo” para adquirir o tesouro ou a pérola.
Mas, quase não percebemos que há um
passo prévio: a descoberta, a iluminação interior, o ver claramente. Tanto o
caminhante pelos campos como o comerciante de pérolas, vendem tudo porque se
convenceram de que o investimento valia a pena.
Nestas
duas pequenas parábolas, são apresentadas duas opções para que cada qual possa
identificar-se: ou é aquele que encontra inesperadamente o tesouro e compra o
campo, ou é aquele que tem a vocação de comerciante e percorre o mundo
procurando pérolas preciosas.
Uns serão
aqueles que vão passear, deixando-se surpreender pela vida e pelos
acontecimentos, sem perder a capacidade de assombro, de entusiasmo, de
admiração. A pessoa de nossa parábola, ao ser encontrada pelo tesouro, “sai” de
si para vender quanto tem, procura o proprietário e compra aquele campo. Mas
também percebemos que faz tudo isso a partir de dentro, como se houvesse
conectado com algo pessoal e íntimo, que lhe permite “sair” do mais profundo de
si mesmo. E esse duplo movimento é carregado de uma plenificante alegria.
Outros serão de mentalidade “comercial”:
encantam-lhes a aventura, a busca, a estratégia. Não nasceram para estar
quietos, nem para se conformar com boas e bonitas pérolas. O específico seu é
continuar viajando e buscando sempre a pérola maior até encontrá-la. E quando a
encontram, compram-na, e continuam buscando sempre. Porque isso é próprio de um
comerciante: apostar, comprar, vender, às vezes ganhar, outras vezes perder... A
pérola também sai ao encontro daquele que busca.
A decisão e o risco que assumiram,
tanto o comerciante de pérolas quanto o nosso caminhante pelos campos, mudaram
suas vidas. O tesouro e a pérola continuarão sendo valiosos, quer eles vivam com
fidelidade e paixão ou não. O que os transforma não é o tesouro ou a pérola em
si, mas a atitude e a decisão que tomam, atraídos por eles. É um tesouro e uma
pérola que exigem uma transformação do antigo e conhecido passado para um novo
e desconhecido futuro.
Quando a pessoa se fecha às
surpresas da vida, ou quando deixa de esperar algo bom e precioso, ela se
invalida para ser descobridora de tesouros ou buscadora de pérolas.
Para deixar-nos encontrar pelo tesouro e pela
pérola é preciso deslumbrar-nos, fascinar-nos, encantar-nos, apaixonar-nos. Parece
simples, mas é muito aberto e evocador. “Aquilo
pelo qual nos encantamos mobiliza nossa imaginação e
acaba por deixar sua marca em tudo”, dizia Pe. Pedro Arrupe.
E como encantar-nos? Não é só questão de vontade,
mas de viver com os olhos abertos, atento à realidade, externa e interna, ser
poroso para que nos deixemos encontrar pela pérola preciosa e pelo tesouro
escondido; diante desta surpresa, não poderemos deixar de ficar fascinados.
E então, sim, estaremos dispostos a queimar
barcos, vender tudo, dar o salto. Talvez nosso maior problema é que, na
realidade, o que nos interessa são nossas posses, poder, objetos, apegos à
auto-imagem e não descobrimos ainda o tesouro escondido e a pérola fina, que
não estão distantes de nós; pelo contrário, encontram-se no mais profundo de
nós mesmos.
“Descer” ao chão de nossa interioridade é a oportunidade para descobrir regiões
novas e novos horizontes, para conhecer o reino interior, para encontrar a
riqueza interior e assim experimentar a transformação.
O caminho para uma nova qualidade
de vida passa pela “descida” aos campos de nosso coração.
Isso requer coragem para passar por todas as
regiões, mesmo as sombrias, e chegar ao mais profundo. Mas essa descida nos
possibilita descobrir um mundo diferente que não conhecíamos, ou que havíamos
perdido. Lá no fundo,
encontra-se um bem precioso que podemos levar conosco, que nos ajuda em nosso
caminho e que nos faz totalmente originais e criativos.
É preciso “descer”
até o fundo para descobrirmos uma nova riqueza
para a nossa vida; é “descendo” que poderemos revitalizar
a vida que se tornara vazia e
ressequida.
Trata-se de
despertarmos, de escavarmos, de avançarmos em direção ao “veio de ouro” e de
sabermos que este não é nossa propriedade; ele nos é oferecido como dom. Não
basta falar de “pedra preciosa”, é
também necessário “escavar” nosso “chão interior”, alargar nosso coração, garimpar em direção às riquezas que estão
no eu mais profundo, assim como o “fio de ouro” no meio dos cascalhos.
Cada um de nós possui uma
fonte inesgotável de qualidades-habilidades; podemos dizer: “somos
um presente”, um valor para os outros. A vida sempre está oculta nas profundezas. A pessoa superficial é
aquela que se confunde com suas ideias, coisas... A pessoa do “eu profundo” é
aquela que vive a partir da raiz, da fonte mesma da vida, e deixa vir à tona todas as suas riquezas, dons, capacidades...
É no coração que existem, em
abundância, os aspectos positivos
de nossa personalidade, os talentos naturais e as boas tendências. Aí se
aninham imensas riquezas que se exprimem de maneira diferente, dando a cada um,
uma fisionomia própria, um caráter único.
Esta região profunda
coincide com o mundo das certezas, dos valores, das ideias-força... que formam
o eixo da nossa existência, o melhor de nós, o lugar de nossa recuperação e de
nossa realização, o positivo que nos solicita continuamente a nos tornar o que
devemos ser.
A força da transformação, portanto, nós não a encontramos na
superfície ou distante de nós, mas sim, nas profundezas. Para ter acesso à riqueza
no interior de nós mesmos, podemos imitar, simbolicamente, os hábitos dos
pescadores de certo atol do Pacífico. Eles vivem pauperrimamente sobre uma
terra desprovida de vegetação e açoitada pelos ventos; mas o fundo do seu mar é
muito rico em pérolas.
Desenvolveram aí aptidões excepcionais para o
mergulho; descem sem qualquer aparelho, ao fundo do mar, localizam as pérolas,
arrancam-nas, trazem-nas para a superfície, atiram-nas no barco, para depois
mergulharem de novo.
Este é o caminho da verdadeira espiritualidade: “descer” até o fundo, mergulhar no oceano interior onde
estão escondidas as pérolas que dão significado e sentido às nossas vidas.
Encantados com a descoberta, trazê-las à tona e
colocá-las a serviço dos outros, multiplicando-as.
Textos bíblicos: Mt 13,44-52
Na oração:
Para
realizar-te e desenvolver toda a tua potencialidade, busca, na oração, cavar mais profundamente, até atingir
as raízes de teu ser, o núcleo
original de tua personalidade.
-
Olha no profundo de teu coração, olha no íntimo de ti mesmo, e pergunta: “tenho
um coração que deseja o maior (“magis”) ou um coração adormecido pelas coisas?
Meu coração conserva a inquietude da busca ou deixa-se sufocar pelos apegos,
que acabam por atrofiar-me?”
Nenhum comentário:
Postar um comentário