Que a travessia para o Novo Tempo reacenda, em cada um(a), o espírito de assombro e admiração para acolher as surpresas que o "Senhor dos tempos", em sua bondade infinita, fará chegar a todos.
Um inspirado 2020 com a marca do "Deus da Paz".
“Paz na terra aos homens que o Senhor ama!” (Lc 2,14)
Novamente
nos encontramos abrindo um Ano Novo:
desejado, esperado, buscado...; estreamos e recomeçamos um novo tempo; ocasião
privilegiada para aprofundar o sentido do tempo,
no qual se desenrola nossa existência. Não podemos fazer a “travessia” em
direção ao Novo Ano sem fazer uma reflexão sobre nós mesmos e examinar como
estamos fazendo uso de algo tão importante e tão passageiro como o tempo.
No
texto bíblico, encontramos duas palavras gregas que traduzimos por “tempo”, mas
que tem um significado muito diferenciado.
“Chronos” é o tempo astronômico
que se refere à passagem das horas, dias e anos. Em princípio, é o que estamos
celebrando hoje. Trata-se de um tempo que absorve, devora,
desgasta, esgota...; ele se torna cada vez mais veloz, fugaz, estressante... Tempo
de excessos, com a marca da ansiedade e do estres; por isso mesmo, gerador de
conflitos e tensões.
Com isso,
a existência inteira faz-se maquinal
e rotineira: é a soma das horas, dos
dias, dos anos.
Marcados por tradições
e hábitos, dialogamos com o possível, o já esperado, o já testado, o “sempre
fizemos assim”...
Corremos o risco de sermos apenas imitadores ou repetidores,
pois tememos nos perder na busca do novo;
as respostas são confirmadas, mesmo que estas estejam velhas e
desfocadas e as perguntas são silenciadas. Vivemos restritos ao cotidiano com o anonimato que ele
envolve. Um tempo
assim só é habitado pelo “ego”, não há lugar para o outro. Também Deus não
consegue entrar nesses “tempos apertados”.
Aqui, a paz tão desejada, não encontra terreno
propício para se tornar realidade.
Outro
termo grego referente ao tempo é “Kairós”:
este é o tempo humano; é o tempo oportuno, carregado da presença d’Aquele que é
o “Senhor dos tempos”.
Trata-se
do tempo que nos é dado como dom e como oportunidade para ativar todos os
nossos recursos internos. É o tempo da
interioridade, de crescimento no ser. Viver o “kairós” significa sentir o
desejo do retorno à espontaneidade, alimentar a aventura na descoberta de um
mundo diferente, ativar o impulso à transcendência, proporcionar um clima
favorável à paz como dimensão plenificante da existência humana.
Viver o “kairós” nos faz tomar
consciência de que nos encontramos diante de uma grande carência existencial e
que os anjos, na noite do Natal, souberam proclamar aos pastores e à toda
humanidade: a presença da Paz. Eles
revelaram o significado daquela Noite Santa: o céu e a terra se reconciliam,
porque Deus faz chegar a paz e a salvação a todos os seres humanos. A Criação
inteira celebra a soberana Bondade e o amoroso Coração do Criador, sendo,
portanto, uma celebração da alegria e da paz.
Felizes aqueles (as) que, na Gruta
de Belém, se mostram sedentos de paz e justiça, e despertam dentro de si uma
fome crescente para tornar realidade a igualdade e dignidade de todo ser
humano!
Cremos na paz do coração e no
empenho por deixá-la transparecer no mundo em que vivemos, tão carente de
pacificadores.
Paz, um bem escasso, mas tão precioso
que é sempre desejado e buscado, para que a vida se torne um pouco mais plena e
com sentido: paz interior, paz na família, paz nas relações de trabalho, paz na
ação política e paz entre os povos.
Muitos
se perguntam para onde vai nosso mundo, surpreendidos e preocupados pelo
crescimento de uma violência desconcertante. Em muitos países triunfam líderes
populistas, manejados por forças ocultas sem escrúpulos e marcados por discursos
intolerantes, preconceituosos e julgamentos moralistas; a corrupção vai
lançando raízes em todos os ambientes; os conflitos e as rupturas se acentuam;
a Igreja católica é sacudida por uma grande crise de credibilidade; o sistema
de valores e conhecimentos está mudando profundamente. Vivemos um momento de um
grande colapso civilizatório: uma metamorfose da sociedade que afeta todos os
aspectos da vida, pessoal e coletiva, de toda a humanidade. Trata-se, pois, de
uma crise global, embora às vezes possa parecer local ou inclusive pessoal.
Tudo isso nos inquieta, nos tira a paz.
Em virtude dessa brutal situação de
violência, observa-se em toda parte um grande clamor social pela paz. Esse
clamor das multidões está nas ruas, nas grandes passeatas pela paz, nas redes
sociais e está no desejo mais profundo de cada um de nós.
Infelizmente, todos os dias aparecem, nos meios de
comunicação, mais motivações para a violência do que razões para a paz.
Entretanto, precisamos afirmar: “não fomos feitos para a violência”; a
humanidade não é naturalmente inclinada à violência. Nosso coração é habitado
por um desejo profundo de paz: “Felizes os que promovem a paz!” (Mt 5,9)
Na raiz bíblica do termo “shalom” (paz) está a ideia de “algo completo, inteiro”, “estar terminado”.
Paz
significa o que é integral, o que plenifica a vida. Shalom é vida em
expansão, na presença de Deus.
Portanto,
quem vive no “Shalom” está com saúde, sente-se bem, encontra-se em um estado de
plenitude.
Quando
alguém deseja “Shalom” a outro é como se dissesse: “Que
Deus te conceda todo o necessário para viver em amizade com Ele, em
fraternidade com o próximo e calma dentro de ti mesmo”.
A paz
pertence à plenitude, à completude, enquanto a violência está do lado da falta, da carência, do incompleto.
Paz
reflete harmonia consigo, boas relações com os outros, aliança com Deus,
enquanto a violência infecciona os
relacionamentos, contamina a convivência, quebra as relações, exclui os mais
fracos...; há uma paz falsa que é a injustiça estabelecida, porque a verdadeira
paz está ligada à justiça.
Não há paz sem liberdade, não há paz sem verdade.
Em Belém, somos pacificados de nossas ansiedades e
pressas, de nossa sede de poder e de acumular mais; e, se permanecemos em
silêncio ali, diante do menino deitado no presépio, brotará em nós um desejo
profundo de sermos mais humanos, de
sermos aquilo que já somos no rosto aberto daquela Criança; ao mesmo tempo,
brotará também um desejo de venerar cada ser humano, de contemplá-lo em seu
interior, esse lugar ainda não profanado em cada pessoa, o lugar de sua
infância e de sua paz.
Ao
nos reconhecermos nessa morada interior, podemos receber a paz cantada pelos anjos diante dos pastores; não só isso:
descobrimos que, na essência, “somos
paz”. Não é a “paz do mundo”, que sempre é oscilante e inconstante, senão a
Paz que abraça todas as situações da vida, porque estamos enraizados naquilo
que realmente somos.
A paz natalina é a paz que somos,
no nosso “eu” mais profundo.
A paz não é “algo”, nem vem “de
fora”, nem é condicionada. A Paz da qual os anjos proclamam é a unidade com
nossa interioridade: é outro nome de nossa verdadeira identidade.
E diante dessa manifestação, o que
nos resta? A atitude de Maria: acolher todas as coisas, “guardá-las”,
“meditando-as
no coração”. Ir
mais além dos conceitos e das palavras e, desse modo, descansar – admirados, agradecidos, irmanados –
no Mistério e deixar-nos conduzir por Ele.
“Meditar as coisas no coração” significa ativar o “olhar
contemplativo”, presente em todos nós e
que se manifesta quando cessamos nosso palavreado crônico. Serenados (as)
interiormente, seremos presenteados com o dom de permanecer no presente, onde
tudo está bem, onde tudo flui mansamente e na santa paz.
Texto
bíblico: Lc 2,16-21
Na oração: Que a
“entrada” neste Novo Ano nos faça
descer em direção à nossa humanidade.
Ali, nas grutas de nosso interior, recanto de paz,
uma infância divina nos espera... e nos enche de alegria. Ditosos somos nós se podemos
saborear e abraçar a paz do coração que o Menino Jesus traz e oferecê-la
largamente para que outros possam também receber seu dom: sem defesas, sem
preços, sem temores.
Que
nosso coração, apesar de tudo, continue pulsando em paz, na Paz que tudo cria e
transforma!
-
Como seguidores(as) do Menino Deus, devemos criar politica-mente outro tipo de
sociedade fundada nas relações justas entre todos, com a natureza, com a Mãe
Terra e com o Todo que nos sustenta. Então florescerá a paz que a tradição
ética definiu como “a obra de justiça”.
-
Que 2020 seja, para todos, um Kairós carregado daquela Paz que brota da Gruta
de Belém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário