“...e os enviou dois a dois, na sua
frente, a toda cidade e lugar aonde Ele própria devia ir” (Lc 10,1)
Ainda carregamos resquícios de uma falsa visão da
santidade como afastamento do mundo
e de seus perigos e buscar refúgio no deserto, nas montanhas ou nos conventos.
O(a) santo(a) não se afasta do mundo para encontrar a Deus; ele(ela) faz
a “experiência” do Deus agindo no mundo.
Aí O encontra e caminha com Ele; o(a) santo(a) é
aquele(a) que faz o que Deus faz neste mundo, aquele que faz com que este mundo
seja justo, santo, salvo. O mundo
não é só o “habitat” da sua missão: é sobretudo a fonte da sua
espiritualidade, o lugar certo para encontrar a Deus e escutar o Seu chamado.
Pondo-nos na escola do Evangelho, é aqui, neste mundo,
que Jesus nos chama a estender o Reinado do Pai, trabalhando cada dia como
amigos seus que passam, observam, curam, se compadecem, ajudam, transformam,
multiplicam os esforços humanos.
Apaixonados pelo Reino, nos
apaixonamos pelo mundo que, em sua diversidade, riqueza, simplicidade,
profundidade, fragilidade, sabedoria... nos fala com novos traços do Deus que
buscamos com desvelo. E amando e investigando tudo o que é do mundo, adoramos o
Deus Santo que habita em tudo.
O(a) santo(a) seguidor(a) de Jesus é aquele(a) que,
na liberdade, afirma: “Fora do mundo não há salvação”. Ele(ela) descobre
na realidade do mundo e da história os “sinais dos tempos” e
entra em comunhão com tudo, porque tudo é “diafania” de Deus. Enraíza
sua convicção nesta visão, nesta mística da presença de Deus em sua obra, na
contemplação de um mundo chamado a re-converter-se em justo e belo, verdadeiro
e pacífico, unido e reconciliado, entranhado em Deus, como no primeiro dia da
Criação.
A vocação à santidade
ativa em nós a paixão pelo Reino,
mobilizando-nos a levar adiante a missão,
a ir aos lugares do mundo onde há
mais necessidade e ali realizar obras duradouras de maior proveito e fruto.
Como seguidores(as) de Jesus, movidos(as) por um olhar novo, entramos
em comunhão com a realidade tal como ela é. Trata-se de olhar o mundo como “sacramento
de Deus”. Um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança
que existem no mundo; um olhar afetivo, marcado pela ternura, compassivo
e por isso gerador de misericórdia; olhar que compromete solidariamente.
O(a) discípulo(a) missionário(a) não é aquele(a) que, por medo, se
distancia do mundo, mas é aquele(a) que, movido(a) por uma radical paixão, desce ao coração da realidade em que se encontra,
aí se encarna e aí revela os traços
da velada presença do Inefável; o mundo já não é percebido como ameaça
ou como objeto de conquista, mas como dom pelo qual Deus mesmo se faz
encontrar. O mundo não é lugar da exploração e da depredação, mas é o
lugar da receptividade,
da oferenda e do encontro
inspirador.
Para realizar esta nobre missão, não podemos
permanecer sentados. Seguir Jesus exige de nós uma dinâmica continuada, um
colocar-nos a caminho em direção às margens. Não podemos viver o chamado do
“Rei Eterno” a partir de uma cômoda instalação pessoal. A disponibilidade, o
despojamento e a mobilidade são exigências básicas.
Corremos o risco de viver em
mundos-bolha; podemos construir nossa vida encapsulada em espaços feitos de
hábito e segurança, convivendo com pessoas semelhantes a nós e dentro de
situações estáveis. É difícil romper e sair do terreno conhecido, deixar o
convencional. Tudo parece conspirar para que nos mantenhamos dentro dos limites
politicamente corretos. Todos podemos terminar estabelecendo fronteiras vitais
e sociais impermeáveis ao diferente. Se isso acontece, acabamos tendo
perspectivas pequenas, visões atrofiadas e horizontes limitados, ignorando um
mundo amplo, complexo e cheio de surpresas. Muitas vezes “vemos” o diferente,
mas só como notícia, como o olhar do espectador que sabe das “coisas que acontecem”,
mas não sente e nem se compadece por elas.
Viver a santidade no mundo de hoje nos move a
encontrar outras vidas, outras histórias, outras situações…; escutar outros
relatos que trazem muita luz para a nossa própria vida. Olhar a partir de um
horizonte mais amplo, ajuda a relativizar nossos próprios absolutos e
deixar-nos impactar pelos valores presentes no outro. Escutar de tal maneira
que o que ouvimos penetra na nossa própria vida; isso significa implicar-nos
afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas. Acolher na nossa
própria vida outras vidas; abrir espaços para que as histórias dos excluídos e
diferentes encontrem morada nas nossas entranhas, na nossa memória e no nosso
coração.
O encontro com o diferente
possibilita também o encontro consigo
mesmo, ou seja, encontrar a própria verdade. Isso implica em se perguntar
pela própria identidade, por aquilo que dá sentido à própria vida, o impulso
por viver de uma maneira cristificada, conforme os valores do Reino.
Para que haja verdadeiro encontro com o outro, o deslocamento expõe
quem se desloca, deixa-o vulnerável e “contaminado” pela realidade que
encontrou. Quando alguém se desloca e se aproxima de realidades diferentes, é
para encontrar,
encontrar-se
e aprender.
Como discípulos(as)-missionários(as)
de Jesus, nosso desafio não é fugir da realidade, mas aproximarmos dela com
todos os nossos sentidos bem abertos para olhar e contemplar, escutar e
acolher, percebendo no mais profundo dela a presença ativa do Deus que nos ama
com criatividade infinita, para encontrar-nos com Ele e trabalhar juntos por
seu Reino. O mundo precisa de místicos(as) santos(as) que
descubram onde está Deus criando algo novo, para proclamar esta boa notícia.
Nós cristãos honramos a santidade
universal sem fronteiras de raça, de credo, de cultura...
Santidade é dizer sim à vida; é um caminho a ser
percorrido “de dois em
dois”.
Porquê esta insistência em fazer o
caminho ao menos junto a outro(a)? Do envio dos discípulos e discípulas de dois
em dois, podemos tirar duas consequências: uma para os momentos de fragilidade,
de cansaço e de desânimo; a outra para quando nos sobrevém inesperadamente a
luz, a alegria...
Precisamos fazer o caminho em
companhia para poder estendermos a mão quando caímos, para aprender a sustentar
mutuamente... E, também de “dois em dois” para ter alguém ao nosso lado com
quem poder brindar, porque é uma ação que não é possível realizá-la sozi-nhos.
Celebrar, agradecer, brindar a vida... para isso, quanto mais companheiros(as)
de estrada, melhor.
Textos bíblicos: Lc 10,1-12.17-20
Na
oração:
Todas as narrativas acerca do chamado conservam a marca
intencional de um encontro
surpreendente, inesperado e expansivo: deixar a vida estreita para entrar no
amplo espaço de vida proposto por Jesus.
- Diante de Jesus, que “passa e chama” a todos, responda:
como você vive, hoje, sua missão no
trabalho, no seu ambiente, na sua comunida-de? Que sentido você quer
dar à sua própria vida?... em quê gastar suas forças, capacidades? Como viver,
no seu cotidiano, sua vocação de discípulo(a)-missionário(a)?
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