Para
celebrar a memória de Santo Inácio de Loyola neste 31 de julho, compartilhamos
uma reflexão do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ para ajudar a "aquecer a
memória" deste homem que deixou uma marca original no seu tempo; sua
experiência tem valor universal, sobretudo aquela que está contida nos
Exercícios Espirituais, e que tem transformado a vida de tantas pessoas.
Inácio
de Loyola foi um homem da mudança, da transição no tempo, dos tempos novos,
agitados, turbulentos, de transbordantes novidades que punham em questão tudo o
que até então ele recebera; mas não se fechou a elas e, sim, abriu-se ao
diferente e novo. Um novo “movimento” começa em sua vida e Inácio
passa a viver a aventura de contínuos deslocamentos, internos e
geográficos. Torna-se o peregrino do Absoluto.
Sempre
em marcha, sem encurtar os passos, o peregrino Inácio avança como homem
livre, sem deixar-se aprisionar por nada nem por ninguém, aberto aos
acontecimentos, pronto a servir a Deus ali onde O encontra. A peregrinação
interna e geográfica o torna mais humano, com maior visão, grandes desejos.
A
grande originalidade na história e na vida de Inácio não é a que ocorreu fora,
mas a que aconteceu dentro dele mesmo. Sua principal contribuição à história da
humanidade não é o que pessoalmente ele realizou em suas atividades de
apostolado e de governo, ou sua obra exterior mais conhecida, a Companhia de Jesus,
mas a descoberta de seu “mundo interior” e, através dela, a
descoberta desse continente sempre inexplorado e surpreendente, que é
o coração de cada ser humano, onde acontece o mais importante e
decisivo em cada pessoa.
Imobilizado
e impossibilitado fisicamente, Inácio se surpreende a si mesmo escavando e
trazendo à tona toda sua capacidade de aventura neste continente inexplorado (o
de seu mundo interior e o da ação de Deus nele). Enquanto seus contemporâneos
aventuravam-se na descoberta de novas terras, seu descobrimento não é menos
importante, e é de maior alcance humano que o daqueles. Sem ruído, sem galeões,
sem dinheiro, sem pólvora, sem armas, sem sangue, sem violência, sem vencidos e
humilhados, Inácio abrirá caminhos nesse continente interior, próprio e de cada
ser humano, “conduzido, sabiamente ignorante” do que vai
encontrar, deixando-se levar e observando como é levado.
A
partir do seu percurso interior, inicia-se um movimento de itinerância
geográfica. Mais que um simples deslocar-se, trata-se de um modo de
viver e de situar-se no mundo. Depois de ter posto materialmente seus pés
sobre as pegadas de seu Senhor e beijar o solo que Ele havia pisado, Inácio
compreende que a terra de Cristo era o vasto mundo de seu tempo. Desde
então, para além do deserto e da peregrinação a Jerusalém, abre-se diante de
seus olhos, outro caminho.
Iluminado
pela luz divina, faz-se peregrino de Deus. Peregrinar é
avançar pelos caminhos do mundo, conhecer povos e costumes, escutar ideias
novas e opiniões diferentes, sentir-se solidário com outros caminhantes.
Assim
se dilataram infinitamente seus horizontes.
Decididamente,
Inácio se volta para o mundo, esse borbulhar de acontecimentos
sócio-político-religiosos, no qual reconhece o lugar da Encarnação.
Buscando
considerar todas as coisas em sua referência a Deus, Inácio quer serví-Lo em
toda circunstância. Dado que seu Criador e Senhor está presente e ativo em
todo e qualquer lugar, ele se dirige ao mundo sem temor a nada, seguro de
que cada um de seus passos o conduz ao lugar da adoração e do serviço.
Inácio
contempla o mundo com Deus; longe de representar um espaço de
perdição e de dispersão, o mundo é para ele o lugar do
serviço. O olhar que pousa sobre a realidade reacende nele a saudade
de Deus e o sentimento de sua presença.
A
partir de então, o mundo o aproxima de Deus e a saudade de
Deus não o afasta do mundo.
Àqueles
que desejam segui-lo, Inácio lhes propõe um itinerário para “encontrar
Deus em todas as coisas”: olhar a criação, acolher cada criatura e
cada acontecimento como uma mensagem divina, aceitar a própria história e
deixar-se levar por seu dinamismo.
Santo Inácio de
Loyola foi um homem universal: basco, castelhano, catalão, parisino,
veneziano, romano e europeu. Seu coração era tão grande como o mundo,
sempre livre para a maior glória de Deus.
Para
fazer-se presente neste vasto mundo, de uma maneira original e criativa,
decidiu “estudar”. Formou-se em Paris, onde conquistou o
título de Mestre em Artes.
Ali
se matriculou com um nome novo, no dizer de Ribadeneira, “por
ser mais universal”: Inácio.
Mesmo
durante o período de 1541 até 1556, ano de sua morte, quando se instalou
em Roma, continuou sendo o peregrino que escolheu ser. A partir de
seu pequeno quarto, estava presente em todos os pontos do mundo onde algo novo
brotava.
Suas
preocupações e suas cartas estão cheias de nomes de toda a geografia universal
até então conhecida, desde o Congo ao Brasil, desde a Espanha até a China ou
Etiópia.
O
basco Inácio de Loyola alcançou, assim, sua plenitude humana e divina
precisamente porque foi capaz de abrir-se à universalidade de todas
as terras, de todos os povos e de todas as culturas, sem distinção de raças
nem exclusão de ninguém. Foi norma sua que “o bem quanto mais
universal, mais divino”.
Nestes novos
tempos, tão conturbados e carregados de violência preconceituosa e intolerante,
o Espírito continua chamando cada um de nós a uma presença mais aberta e livre,
mais inspiradora e compassiva, no relacionamento com todos aqueles que são
os outros. Afinal “somos pessoas para os outros
e com os outros”.
A cultura do mundo
no qual agora vivemos requer outro tipo de presença: “viver a cultura
do encontro, frente à cultura da indiferença” (Papa Francisco)
Somos desafiados a “viver
uma vida no mundo e no coração da humanidade” (P. Kolvenbach).
Tal
desafio implica fidelidade à realidade que nos cerca, para poder descobrir a
novidade de Deus numa experiência “mística” que nos faça tocar no
mais profundo desta mesma realidade.
Não
se trata de fugir da realidade, mas de perceber sua última dimensão, na mais
profunda dinâmica, ali onde o Espírito de Deus e o nosso se fundem em uma
combustão que nos torna criadores da novidade neste mundo.
Estes
nossos tempos, novos e turbulentos, pedem de todos nós, críticos, inquietos e
vigilantes, uma constante re-leitura dos novos “sinais” que surgem, a
necessidade de viver em estado de atenção permanente, capaz de nos deixar
impactar por tudo o que acontece e, no discernimento, assumir decisões mais
ousadas e criativas.
Se
alguém se mantém constantemente de olhos abertos diante do que está
vivendo, como fez Inácio, se está aberto às novas formas de
socialização que estão transformando o nosso mundo, se alimenta as novas
esperanças de uma humanidade que é diferente, se valoriza as novas formas de
expressar a experiência religiosa..., certamente estará assumindo uma atitude
ativa e acolherá tudo o que humaniza e rejeitará tudo o que desumaniza.
Que
Santo Inácio nos inspire a “estar no mundo..., sem sair do mundo”, à
maneira de Jesus, com o coração cheio de compaixão, com os pés sempre em
movimento quebrando distâncias, com as mãos sempre abertas para o serviço
solidário...