“As minhas
ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem” (Jo 10,27)
Todo quarto domingo de Páscoa é dedicado ao tema
do “Bom Pastor”; a liturgia não
apresenta outros relatos de aparições, mas continuamos com mais um texto
profundamente pascal.
No relato deste domingo, a alegoria do Pastor
fala de “escuta”, “conhecimento”, “seguimento” e “vida eterna”, que é a chave
do tempo pascal; ao mesmo tempo, num aprofundamento progressivo, o texto remete
ao Pai e culmina na Unidade, como Fonte de onde tudo procede e para onde tudo
retorna.
São estas realidades que nos permitem conectar
com o sentido originário da imagem do Pastor, sem cair na literalidade pastor/ovelhas,
paternalismo/cordeirinho, poder/submissão..., que acabam provocando uma
justificada resistência e rejeição.
Jesus quer estabelecer com
seus(suas) amigos(as) uma relação que seja o reflexo daquela que Ele mesmo tem para
com o Pai: uma relação de pertença recíproca, na confiança plena, na íntima
comunhão.
Para expressar esta realidade
profunda, esta relação de amizade, Jesus utiliza a imagem do pastor com suas
ovelhas: ele as chama e elas reconhecem sua voz, respondem a seu chamado e o seguem.
Esta parábola é muito instigante. O
mistério da voz é sugestivo: desde o
ventre de nossa mãe aprendemos a reconhecer sua voz e, quando nascemos, vamos
reconhecendo outras vozes. Pelo tom de uma voz perce-bemos o amor ou o
desprezo, o afeto ou a frieza, a acolhida ou a rejeição.
A voz de Jesus é única! Se aprendemos a distingui-la de outras vozes,
Ele nos guiará pelo caminho da vida, um caminho que supera também o abismo da
morte.
O contexto do relato deste domingo é o embate de
Jesus com as autoridades religiosas judaicas. Depois de dizer que elas não são
suas ovelhas, Jesus descreve com todo detalhe o que significa ser dos seus.
Destaca dois traços, os mais essenciais e
imprescindíveis: “Minhas ovelhas
escutam minha voz... e elas me seguem”. Não se trata só de ouvir
a Jesus, mas de escutá-lo. Muitas vezes só ouvimos e aceitamos somente o que
está de acordo com nossos interesses. Escutá-lo significa aproximar-nos
sem pré-juízos e acolher o que Ele nos diz, mesmo que isso implique mudar
nossas convicções; escutar é pôr toda nossa atenção para tratar de compreender.
“E
elas me seguem”. Não
basta escutar, é preciso colocar-nos em movimento e entrar na nova dinâmica da
vida. Escutar
tem ressonância interna e ativa todas as nossas potencialidades ali presentes.
A boa notícia de Jesus consiste em
manifestar que há uma nova maneira de assumir a existência humana, uma maneira
de viver que esteja mais de acordo com as exigências profundas do nosso ser. Quando alguém é capaz de escutar esse chamado interior
e de viver conforme ele, vive uma existência feliz. Vive de acordo com seu mais
íntimo e esta adequação entre a vida exterior e a vida interior é a felicidade.
Em um mundo onde há tanto ruído, discursos ocos e
palavreado intolerante, não é fácil prestar atenção a alguma voz em especial. O
fato é que às vezes vivemos em bolhas onde raramente entram vozes que nos
comovam de verdade. E, no entanto, debaixo de gritos, ruídos, músicas
estridentes, anúncios, peças publicitárias e frases que apelam ao
conservadorismo, continua brotando palavras cheias de verdade. Palavras que
valem a pena escutá-las. Talvez, detrás de muitos gestos petrificados, palavras
sem sentido, falsas seguranças, estarão vozes que clamam por ajuda, ou simplesmente
expressam dor, desejo de paz, de consolo.
O verdadeiro desafio é aprender a
escutar, por debaixo desses discursos, a palavra profunda, o canto tranquilo ou
a voz que põe em movimento.
Saber escutar o outro é uma simples, mas profunda
acolhida humana; trata-se
de um ato de hospitalidade, pois consiste em abrir espaço para a presença do
outro, sem preconceito. Porque quem escuta de verdade recebe toda palavra como
nova e ativa a sensibilidade para deixar-se “tocar” pela voz que alarga a vida.
Vivemos mergulhados
num mundo de vozes; um “vozerio”
nos cerca: vozes que nos levam à morte, vozes que nos chamam à vida; vozes contaminadas pelo egoísmo,
adulteradas pelo medo, deturpadas pela impureza, e vozes que são o eco do
paraíso convidando para a festa, comunicando paz, convocando à comunhão... É
possível que as vozes do egoísmo, do orgulho e da ambição
tentem se disfarçar em voz de Cristo, a fim de arrastar-nos para o vazio e a
ruína. Mas o Pastor verdadeiro não fala por ruídos, e sim pelo silêncio; não fala pela força dos
pulmões, e sim pelo vento suave de seu Espírito...
Para escutá-la
requer-se interioridade e atenção aos sinais de sua presença: pode ser a voz de um irmão pedindo socorro; pode ser a linguagem de um acontecimento alegre ou triste; pode
ser uma palavra lida ou proclamada;
pode ser uma inspiração misteriosa
captada no silêncio...
Na arte do discernimento das vozes, o importante
é, através da escuta interior, perceber de onde
vem e para onde nos conduz cada voz
que ressoa em nós. Se ela nos conduz
para o outro, para o Reino...é clara manifestação da voz do Pastor.
Depois de mais vinte séculos, nós seguidores(as)
precisamos recordar de novo que o essencial para ser a Igreja de Jesus é
escutar sua voz e seguir seus passos.
Primeiramente, é preciso despertar a capacidade
de escutar Jesus; ativar muito mais em nossas comunidades essa sensibilidade,
que está viva em muitos cristãos simples que sabem captar a Palavra que vem de
Jesus em todo seu dinamismo e sintonizar com sua Boa Notícia de Deus.
Mas não basta escutar sua voz. É necessário
seguir a Jesus. Chegou o momento de decidir-nos entre contentar-nos com uma
“religião burguesa” que tranquiliza as consciências mas afoga nossa alegria, ou
aprender a viver a fé cristã como uma aventura apaixonante de seguir a Jesus.
Parece óbvio afirmar isso: somos seguidores de
uma Pessoa (Jesus Cristo) e não seguidores de uma religião, de uma doutrina, de
uma moral... Estas são mediações que deveriam nos ajudar a crescer na
identificação e vida d’Aquele é o Bom Pastor.
A aventura cristã consiste em crer
naquilo que Ele acreditou, dar importância àquilo que Ele deu, defender a causa
do ser humano como Ele a defendeu, aproximar-nos dos indefesos e desvalidos
como Ele se fez presente, ser livres para fazer o bem como Ele, confiar no Pai
como Ele confiou e enfrentar a vida e a morte com a esperança com que Ele
enfrentou.
Se, aqueles que vivem perdidos,
sozinhos e desorientados podem encontrar na comunidade cristã um lugar onde se
aprende a viver juntos de maneira mais digna, solidária e libre, seguindo a
Jesus, a Igreja estará oferecendo ao mundo de hoje um de seus melhores
serviços.
Texto bíblico: Jo 10,27-30
Na oração:
Minha voz,
está a serviço de quem?
Da vida ou da morte? Como ela se expressa: com
intolerância, julgamento, preconceito? Sou canal através do qual a Voz de Vida
chega até os últimos..., ou coloco minha voz à disposição daqueles que estão a
serviço da violência e da morte? Sei distinguir as diferentes vozes que se
fazem ouvir ao meu redor? Purifico minha voz no fogo do silêncio ou ela é
expressão do ruído da superficialidade?
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