sábado, 25 de novembro de 2017

Realeza que se Revela no Serviço

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, celebrada no 34º Domingo do Tempo Comum.

“...todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes”

Rei, título inapropriado para Aquele que tocou leprosos, que preferiu a companhia dos excluídos e não dos poderosos do povo, que lavou os pés dos seus discípulos, que não tinha riqueza nem poder...
O senhorio de Jesus foi a do amor incondicional, do compromisso com os mais pobres e sofredores, da liberdade e da justiça, da solidariedade e da misericórdia...
Com sua palavra e sua vida Ele afirmou que “não veio para ser servido, mas para servir”. Por isso, assumiu uma posição crítica frente a todo poder desumanizador.
A festa de “Cristo Rei”, que encerra o Ano Litúrgico, pode ser ocasião propícia para “transgredir” nossa concepção de “rei” e “reinado”, e evitar um triunfalismo religioso, pura imitação dos reis deste mundo que vivem às custas da exploração dos seus súditos.

Jesus nunca se proclamou rei; o que Ele fez foi colocar-se a serviço total do Reino, de forma que este foi o centro mesmo de sua pregação e de sua vida, a Causa pela qual estava apaixonado e pela qual deu sua vida. Importa, pois, honrar a verdadeira identidade de Jesus: Ele não foi rei, nem quis ser nunca, por mais que alguns cristãos creem que chamando-o assim prestam-lhe as devidas honras. A melhor honra que devemos prestar a Jesus é prolongar seu modo de ser e de viver. É preciso voltar a Jesus e sua Causa.
Se Jesus não foi rei historicamente, nem se chamou rei, nem deixou que lhe chamasse assim, recusou e se retirou quando queriam fazê-lo rei, tem sentido que nós o aclamemos com esse título? Por quê?

Jesus é Rei porque deixa transparecer sua “realeza”: o que é mais real, mais humano e divino, a sua verdade, seu ser verdadeiro... no mais profundo de si mesmo. Realeza que se visibilizava no encontro com o outro. A partir de seu ser verdadeiro, Jesus destravava e ativava a realeza escondida em cada um.
Este é o sentido profundo do título: ser Rei sem tomar o poder, sem exercê-lo com a força das armas, sem a pressão da justiça legal, sem prestígio, sem riqueza... Esta é a tarefa da nova humanidade, a promessa de um Reino do conhecimento verdadeiro, da igualdade e da justiça, da fraternidade e não violência..., para que todos sejam reis, no sentido radical da palavra.
Segundo o relato de Mateus, quando chegar o momento supremo, a hora da verdade definitiva, a única coisa que ficará de pé, o que somente será levado em conta como critério de salvação ou perdição, não vai ser nem a piedade, nem a religiosidade, nem as práticas espirituais, nem a fé, nem mesmo o que cada pessoa tiver feito ou deixado de fazer para com Deus; o que vai ser considerado é apenas uma coisa, a saber: o que cada um tiver feito ou deixado de fazer para com os seres humanos.
A fundamentação está no fato de que Jesus se identifica com cada ser humano, de maneira especial com aquele que mais sofre, vítima da violência, da exclusão, da pobreza, da humilhação... Essa identificação e essa fusão de Jesus com os humanos (“foi a mim que o fizestes”) é tão forte e tão decisiva que, no momento do encontro definitivo com Ele, o critério para entrar no Reino não é o que cada pessoa fez ou deixou de fazer “para” Deus, mas o que ela fez ou deixou de fazer “para” os seus semelhantes que cruzaram o seu caminho e que clamaram por uma presença solidária e compassiva.

Na parábola do “juízo final” não é casual que os casos ali mencionados são as situações mais baixas, mais humilhantes e as que mais detestamos, de acordo com o que neste mundo se considera necessário para ser uma pessoa de sucesso e que goza de uma vida cômoda e digna: a comida, o vestuário, a saúde, a liberdade e a legalidade de quem não é um estrangeiro ou um imigrante “sem documentos”. Essa lista de situações extremas refere-se à realidade de sofrimento e exclusão. E Jesus assume como sua a dor de cada ser humano, pois, mediante sua Encarnação, Ele se identificou e se fundiu com o mais basicamente humano, com aquilo que é comum a todos os seres humanos, sem nenhuma distinção.

Toda parábola desperta ressonância e causa impacto no nosso ser profundo; não é um relato periférico e neutro; escutar ou ler uma parábola é sentir-se implicado nela ou, em outras palavras, toda parábola deixa transparecer nossa real identidade; por isso, a parábola do “juízo final” pode também ser lida em “chave de interioridade”: o que em mim está excluído, faminto, desamparado, exilado, preso... e que precisa ser integrado e iluminado?
Mas a luz da parábola des-vela nosso eu interior e deixa transparecer também nossos pontos nutrientes, iluminantes... que serão fonte de salvação para as dimensões do nosso ser profundo que ainda permanecem na sombra da não aceitação.

Por outro lado, precisamos deixar ressoar em nosso “eu profundo” as palavras duras do Rei Eterno: “Afastai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos”. Centrados em nós mesmos e separados dos outros, vamos alimentando uma espécie de ego (força diabólica: força que divide).  Todo “ego” é possessivo e manifesta-se como um desejo insaciável de acumular, possuir, não compartilhar... O ego exacerbado quer controlar o seu mundo: pessoas, acontecimentos e natureza. Ele compara-se com os outros e compete pelos elogios e pelos privilégios, pelo amor, pelo poder e pela riqueza. É isso que nos torna invejosos, ciumentos e ressentidos em relação aos outros. Também é isso que nos torna hipócritas, dominados pela duplicidade e pela desonestidade.
Esse ego centrado em si próprio não confia em ninguém a não ser em si mesmo; ele não ama ninguém e quando “ama” é para atender apenas às suas próprias necessidades e à sua própria gratificação. Sofrendo de uma falta total de compaixão ou empatia, ele pode ser extraordinariamente cruel para com os outros, vivendo uma situação infernal.

Como evitar que o nosso ego nos domine e determine nossa vida?
O primeiro passo será desvelar e desmascará-lo com todas as suas maquinações e duplicidades.
Só uma pessoa esvaziada de seu ego pode transformar-se e transformar a realidade.
O nosso verdadeiro eu está enterrado por baixo do nosso ego ou falso eu. Segundo a parábola deste domingo, a pessoa “torna-se bendita de meu Pai” na entrega e no descentramento. Porque só assim deixa transparecer a realeza original, aquela que se identifica com a realeza d’Aquele que viveu para servir.
Só nos fazemos conscientes de nossa realeza quando compreendemos nossa verdade mais profunda. Até que isso não ocorra, viveremos como mendigos, tratando de apropriar-nos e de identificar-nos com tudo aquilo que possa conferir uma certa sensação de identidade e de segurança. No entanto, ao compreender o que somos, tudo se ilumina: o suposto “mendigo” se descobre “rei”.      
Só na medida em que nos esvaziamos de nossos impulsos egóicos, fazemo-nos solidários com a fragilidade e, o que é mais profundo, nos fundimos com a fragilidade dos outros.
A salvação da humanidade está, pois, em ajudar aos excluídos do mundo a viver uma vida mais humana e digna. A perdição, pelo contrário, está na indiferença diante do sofrimento. Este é o grito de Jesus a toda a humanidade.


Texto bíblicoMt. 25,31-46

Na oração:

O Reino de Deus foi o centro da pregação de Jesus, o motivo de seus milagres, a razão de ser de sua fidelidade até a morte, a coroa de sua ressurreição. Que é para mim o Reino de Deus? Está também no centro de minha vida? É “minha Causa” como foi a de Jesus?

sábado, 18 de novembro de 2017

Quem tem Medo do Deus de Jesus?

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do 33º Domingo do Tempo Comum - Ano A.

“Fiquei com medo e enterrei o teu talento no chão” (Mt 25,25)

A liturgia deste domingo nos propõe uma parábola que pode ser facilmente mal interpretada; ou pior ainda, fomentar a auto-autocobrança e o perfeccionismo. E, como consequência, os sentimentos de culpa, de impotência, de fracasso...
No campo específico da espiritualidade cristã, uma leitura deturpada da parábola dos “talentos” pode conduzir a uma religiosidade perigosa por vários motivos: supõe a imagem de um Deus como um patrão que exige um cumprimento das suas ordens até os mínimos detalhes, sem admitir nenhum fracasso; fomenta a ideia do mérito e, com isso, uma religião mercantilista; alimenta um perfeccionismo – busca de um “ideal de perfeição” -, que gera muito sofrimento e farisaísmo; estimula a competitividade para ver quem consegue um “prêmio maior”... Em definitiva, aqui nos encontramos diante de uma parábola potencialmente perigosa.
       
Todos nós temos uma tendência a alimentar o perfeccionismo e a leitura da parábola dos talentos só viria confirmar essa tendência. De fato, o conceito de perfeição cristaliza-se em nós desde a infância, a partir de experiências não integradas, de sentimentos de culpabilidade, e que acabam nos identificando, no plano pessoal, como não ter defeitos, não ter fragilidades, não ter nenhuma falha ou pecado.Trata-se de um modo fechado de viver dentro do próprio eu orgulhoso, que exige o máximo esforço para não falhar em ponto algum, uma vez que o “perfeccionista” está convencido de que somente será amado por Deus e pelos outros se for perfeito. A grave consequência disso é que estaríamos pervertendo a mensagem de Jesus, centrada radicalmente na gratuidade, na compaixão e no amor.

Custa-nos reconhecer Jesus como autor da “parábola dos talentos. Mas, em todo caso, não podemos perder de vista que se trata de uma parábola, e que a leitura tampouco pode ser literal.
Como ler esta parábola para poder recuperar sua mensagem genuína e, ao mesmo tempo, evitar os riscos que o próprio relato deixa transparecer?
Em primeiro lugar, coerente com a própria mensagem evangélica, só nos cabe ler a parábola como palavra de sabedoria e não como código moral; deve ser entendida a partir da gratuidade e não a partir da ideia do mérito e da recompensa. Tudo é dom e somos felizes na medida em que permitimos que esse dom se manifeste em e através de nós.
Também é importante que levemos em conta a situação concreta em que Jesus vivia quando falava em parábolas. Ele viveu situações muito conflitivas e de enfrentamento com os fariseus, os sumos sacerdotes, os mestres da lei. Mateus coloca esta parábola dos talentos em um momento de máxima tensão e enfrentamento de Jesus com os fariseus; concretamente, com o “Deus” dos fariseus, que era um Deus terrível, ameaçante e justiceiro. Aqui, nesta instigante parábola, Jesus desmascara a falsa imagem de Deus dos fariseus, que torna a vida pesada e marcada pelo medo. É como se Ele dissesse: “Meu Pai não é assim; Ele é fonte de amor, de misericórdia e só deseja que as pessoas vivam felizes, sem medo”.

Nesse sentido, é sumamente útil aprofundar e conhecer o verdadeiro sentido da parábola dos talentos.
Normalmente, costuma-se explicar esta parábola dizendo que Deus dá a cada pessoa uma quantidade determinada de talentos, divinos e humanos, dos quais terá de prestar contas a Ele, até o último centavo, no dia do Juízo Final. Quando se interpreta a parábola dessa maneira, o Deus que aí aparece é uma ameaça insuportável; ao considerar a parábola como uma exortação à uma “vida perfeita”, falsifica-se o sentido autêntico da mesma. O que está em questão aqui é a “imagem” de Deus que todos trazemos.
O indivíduo que recebeu um só talento está convencido de que o “senhor”, ou seja, Deus, é “duro”, pois “colhe onde não semeou e ajunta onde não espalhou”. Esse indivíduo tem uma ideia terrível de Deus. E por isso, como é natural, “tem medo”; e o medo o leva a “esconder o talento debaixo da terra”. Isso, precisamente, foi sua perdição. O medo paralisa, ou seja, torna as pessoas estéreis.
No fundo, Jesus está dizendo o seguinte: “o Deus que ameaça com a exigência da prestação de contas até o último centavo, é um Deus que bloqueia e anula as pessoas, os grupos, as comunidades”.
Por isso, é urgente acabar com a imagem do Deus que ameaça, que não liberta nem cura, que nos amarra e não nos deixa viver.

De fato, a presença de Deus na vida e na história de muitas pessoas é vivida secretamente sob as vestes do temor e do medo. Um “Deus” que a todos nós pedirá contas no juízo, onde teremos de responder pelo mau uso de nossos dons; um “Deus” que nos castiga com desgraças, por causa de nossos fracassos; um
“Deus” interesseiro, um senhor severo que impõe obrigações duras e dificulta nossa entrada no banquete; um “deus-patrão” que nos prende com contratos e cobranças; um “Deus” que é um constante perigo, causador do Grande Medo que nos paralisa.
Crer em um Deus que pede conta até o último centavo é o mesmo que crer em um juiz justiceiro que torna a vida amarga e pesada. Sem a superação cotidiana dos medos, nossa experiência de Deus estará comprometida, perderá sua força inovadora e nos fará menos humanos.

Para relacionar-nos humanamente com o Deus que Jesus nos revelou, o mais urgente que devemos fazer é quebrar as “falsas imagens” d’Ele que carregamos em nossas consciências, em nossa intimidade mais secreta. E a primeira e principal imagem falsa é que Deus é uma ameaça da qual devemos nos proteger.
Deus é fonte da Vida, ou melhor, o próprio Dom, o “talento” que se dá generosamente em tudo. Ao conectar com nossa verdadeira identidade, nós nos descobrimos n’Ele, não como uma presença separada, mas como nosso núcleo mais íntimo e profundo.
Essa descoberta é a fonte de nossa ação; estamos permitindo que o “talento” – o Dom, a Graça, Deus..., possa viver em nós; deixar “Deus ser Deus em nossa vida”.
Tal vivência sempre dará fruto abundante. Mas o fruto não é algo conquistado, que antes nos faltara e nos é dado agora em forma de prêmio ou recompensa – para engordar o ego -; o “prêmio” não é outro que a descoberta daquilo que somos e o prazer de viver isso. O “talento” que nos é presenteado é a descoberta da plenitude que sempre fomos.

Finalmente, aquele que não faz frutificar o talento fala também de nós mesmos, quando permanecemos na ignorância de quem somos e, desse modo, “perdemos” a vida, fechados – o talento enterrado – em nossa pequena couraça narcisista. Isso significa não deixar o talento expandir e permaneceremos nas trevas de nós mesmos, perdidos na confusão e no sofrimento.
Mais uma vez, não se trata de uma ameaça e, menos ainda, de um castigo: é um apelo que nos chama a despertar, para que saiamos das crenças tóxicas que envenenam a mente e o coração, não nos deixam amadurecer no nível humano e espiritual e nos privam do prazer de viver o Dom (Talento) que nos habita.
Texto bíblicoMt 25,14-30

Na oração: No interior de cada um, Deus está chamando, está convidando a que ponha em movimento toda a capacidade de admiração e quer ensinar a ler e interpretar Sua presença em todas as coisas.
- pedir para experimentar, desde já, a presença do Senhor tal como Ele é, evitando todas as suas falsas imagens;

- diante de sua presença cada um deve sentir-se acolhido, desafiado e com uma nobre missão a realizar.  

sábado, 11 de novembro de 2017

O Azeite da Vida que se Consome Iluminando

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do 32º Domingo do Tempo Comum - Ano A.


“As previdentes levaram vasilhas com azeite junto com as lâmpadas” (Mt 25,4)

Os textos destes últimos domingos do ano litúrgico nos convidam a velar, a estar preparados, a viver despertos. Deus não nos espera no final do caminho para nos submeter a um juízo; não, Deus está em nós todos os instantes de nossa vida, inspirando-nos, para que possamos viver com mais plenitude e sentido.
Interpretar a parábola deste domingo no sentido de que devemos estar preparados para o dia da morte é falsificar o evangelho. Esperar passivamente uma vinda futura de Jesus não tem sentido, pois Ele já disse a seus discípulos: “Eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”.
A parábola não está centrada no fim, mas na inutilidade de uma espera que não é acompanhada de uma atitude de amor e de serviço. As lâmpadas devem estar sempre acesas; se esperamos para prepará-las no último momento, perderemos a oportunidade de entrar para a festa de casamento.
A ideia que muitas vezes temos de uma vida futura esvazia a vida presente até o ponto de reduzi-la a uma incômoda “sala de espera”. A preocupação pelo “mais além” nos impede assumir com mais intensidade o tempo que nos cabe viver. A vida presente tem pleno sentido por si mesma. O que projetamos para o futuro já está acontecendo aqui e agora, e está ao nosso alcance; aqui e agora podemos viver a eternidade, já que podemos nos conectar com o que há de Deus em nós; aqui e agora podemos alcançar nossa plenitude, porque sendo morada de Deus, temos tudo ao alcance da mão.

A “chave de leitura” da parábola “das dez virgens” está na falta de azeite para que as lâmpadas possam permanecer acesas. O relato é tirado da vida cotidiana. Depois de um ano ou mais de noivado, celebrava-se a festa de casamento, que consistia em conduzir a noiva à casa do noivo, onde acontecia o banquete. Esta cerimônia não tinha um caráter religioso. O noivo, acompanhado de seus amigos e parentes, ia à casa da noiva para buscá-la e conduzi-la à sua própria casa; na casa da noiva, encontravam-se suas amigas que a acompanhariam no trajeto e participariam da festa. Todos estes rituais começavam com o pôr-do-sol e avançavam noite adentro, daí a necessidade das lâmpadas para poder caminhar.
A importância do relato não está no noivo, nem na noiva, nem sequem nas acompanhantes. O que o relato destaca é a luz. A luz é mais importante porque o que determina a entrada no banquete é que as jovens tenham as lâmpadas acesas. Uma acompanhante sem luz não tinha como fazer parte no cortejo nupcial.
Pois bem, para que uma lamparina consiga iluminar é preciso ter azeite. Aqui está o ponto chave. O importante é a luz, mas o que é preciso para alimentá-la é o azeite.

Que é o azeite que alimenta a lamparina?
São as reservas insondáveis de potencialidades criativas, de recursos inspiradores, de dinamismos vitais, de forças latentes, de energias sadias, de desejos oblativos... presentes nas profundezas do coração humano, e que o impulsionam a viver em sintonia com tudo o que acontece ao seu redor; o azeite é constituído pelas riquezas do próprio ser, as beatitudes originais, as intuições, os valores... que alimentam a autonomia, a autoria, a criatividade, a iniciativa, o espírito de busca, a capacidade de sonhar... Trata-se do “tesouro do ser”, conservado em sua mensagem essencial, e que pode tornar-se a energia que alimenta a luz da vida, a sabedoria da própria existência; o azeite é tudo aquilo que é nutriente, fecundo, iluminante... e que se expressa como contínua fonte de renovação; azeite é vida interior expansiva que se revela e que se consome nos encontros, na interação e na comunhão com os outros...; em resumo, azeite é o que há de mais divino no interior de cada um, que precisa ser descoberto, reconhecido e ativado para tornar-se luz.

No entanto, só quem vive a partir das raízes do próprio ser, só quem tem acesso à própria interioridade, descobre a presença do azeite que pode ser ativado para dar um novo significado e sentido à própria vida. É isso que a parábola do evangelho de hoje nos alerta: é preciso estar desperto e sintonizado com o azeite interior para poder alimentar a luz da vida e corresponder às vozes surpreendentes que vão surgindo.
“No meio da noite ouviu-se um grito: eis que chega o noivo! Saí ao seu encontro”.
É uma convocação urgente a sair do sono da distração e da trivialidade que talvez nos tem aprisionado, durante muito tempo, àquilo que é acessório e que nos pro-voca a viver à espera do essencial, atraídos por um impulso que nos move por dentro, ou seja, o desejo de vida plena.
Com os distraídos não se pode ir muito longe; dizendo melhor; distraídos são que vivem do momento e não pensam no depois. Seduzidos por estímulos ambientais, envolvidos por apelos vindos de fora, cativados pelas luzes artificiais, os distraídos perdem a direção da fonte provedora de azeite em seu interior; dormem e acordam sem luz em suas vidas. Quem anda distraído, disperso e surfando na superfície de si mesmo, acaba perdendo as grandes oportunidades que a vida lhe oferece.

Por isso, ser “sensato” é viver com sentido, atento e desperto às surpresas da vida. Para quem está desperto, sua vida interior torna-se uma fonte inesgotável de energia, de dinamismo e criatividade.
Assim se entende porque as jovens prudentes não compartilhem o azeite com as imprudentes. Não se trata de egoísmo: é que a lâmpada não pode arder com o azeite do outro. A chama, à qual se refere a parábola, não pode ser acesa com o azeite comprado ou emprestado.

Sabemos que o azeite só ilumina quando se consome. Nossa vida revela pleno sentido e alcança seu fim quando desaparecemos, consumindo-nos no serviço aos outros.
Quando a chama da vida está acesa, crescem em nós a consciência de que somos luz na medida em que nos gastamos na nobre missão de iluminar nosso entorno, até chegarmos a ser cera derretida.
Vivemos imersos num oceano de luz; carregamos dentro a força da luz. Ela sempre está aí, disponível; basta abrir-nos a ela com a disposição de acolhê-la e de fazer as transformações que ela inspira.
A Luz é força fecundante, princípio ativo, condição indispensável para que haja vida.
Somos luz quando expandimos nosso verdadeiro ser, ou seja, quando transcendemos e vamos mais além, desbloqueando as ricas possibilidades e recursos presentes em nosso interior.
O que há de luz em nosso interior pode chegar aos outros através das obras. Toda ação realizada com amor e compaixão, é luz.

Encantam-nos os cristãos antenados que, cada dia, alimentam sua fé, sua esperança com pequenas coisas, com pequenos detalhes e gestos de amor carregados de luz; cada dia, aprofundam um pouco mais na experiência do Evangelho, mantendo sempre suas lâmpadas acesas, atentos à passagem e às pegadas de Deus por suas vidas; e, sobretudo, carregam sempre reservas de azeite para acolher com alegria a chegada surpresa d’Aquele que sempre está vindo ao seu encontro.
Encantam-nos os cristãos comprometidos que sabem que o azeite se consome, a fé se debilita, a esperança se apaga e amor atrofia quando não são alimentados com o azeite sempre novo em reserva nos seus corações.

Texto bíblicoMt. 25,1-13 

Na oração:
Dentro de ti deves descobrir o azeite.
Se o descobres, dará luz que alumiará teus passos.
Essa chama, se é autêntica, não pode se ocultar, pois iluminará também os outros, ativando neles a luz ainda escondida.
Tens que descobrir teu próprio azeite; ninguém pode te emprestá-lo, porque é tua própria vida.
Toda a vida se move de dentro para fora. Azeite que se consome na nobre missão de iluminar.
- Qual é o “azeite original” de teu interior, que inspira tua vida e te move a ser presença iluminante?

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

FINADOS: a sabedoria de fazer-se presente diante da morte

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do dia de Finados.

“Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus...” (Mt 5,12)

No dia de Finados, fazemos memória e nos unimos a todas aquelas pessoas cujos rostos estão gravados em nossa mente e coração, pois foram presenças que nos sustentaram, nos confortaram, nos animaram e nos impulsionaram. E podemos expressar a confiança profunda de que a vida é conduzida secretamente a um Porto de Amor definitivo, e todo pranto, impotência e fragilidade serão abraçados e sanados n’Ele.
Há tanto que agradecer a estas pessoas que, como silencioso fermento, fizeram história com Deus no interior de nossa pobre humanidade. Foram presenças inspiradoras que melhoraram uma parte do mundo e nossa gratidão as acompanha. Ditosos eles e elas, e ditosos também nós porque, na comunhão com aqueles (as) que já vivem a páscoa definitiva, somos movidos a seguir seus passos pelo caminho da vida,  para sermos dispensadores humildes de felicidade, compaixão, mansidão, famintos e sedentos de justiça, de paz.
Com a morte começa a vida para sempre, no coração do Deus amor. E se a morte é capaz de nos privar do dom da vida, o “amor tem poder para nos devolvê-la”, nos afirma o bispo Balduino de Cantebery.

Ao falar da morte sempre nos sentimos impotentes, pois ela nos ultrapassa. Sabemos de sua existência, mas muitas vezes nos dá medo. E o medo da morte impede viver adequadamente o presente. Mais grave ainda, o medo da morte pode chegar a nos travar profundamente e alimentar uma angústia a ponto de impedir-nos de viver a vida com sentido, qualidade e prazer.
Nossa sociedade tende a negar a morte, afastando-a dos nossos ambientes cotidianos, tornando-a invisível; procuramos negá-la, escondê-la, dissimulá-la; preferimos não falar dela e, mesmo quando falamos desta realidade última, a ela nos referimos com temor e tremor. O pânico e a negação são nosso pão de cada dia: a compulsão por manter-nos – ou ao menos parecer-nos – jovem, o culto à saúde e à vitalidade, a incapacidade de aceitar a fragilidade e a finitude de nossa natureza humana, deixam transparecer o medo de nos deparar com a morte.
A morte nos golpeia em dimensões muito sensíveis e frágeis de nossa experiência humana; ela desnuda e des-vela a precariedade de nossa existência. Com nada chegamos ao mundo e sem nada partiremos dele. E a realidade é que sem aceitação da morte continuamos presos à onipotência infantil que nos faz fantasiar de seres imortais.
E, no entanto, a morte está aí, na volta da esquina; por ser algo seguro e certo, a morte é realidade frequente de distância, mistério e silêncio; ela nos faz cruzar o umbral do desconhecido, do qual é impossível dar um passo atrás; ficamos paralisados frente ao desconhecido e ao irreversível. A morte põe fim ao nosso estado de caminhantes neste mundo, tempo no qual fomos nos amadurecendo e crescendo.

A experiência cristã, por outro lado, nos revela o caminho de uma morte preparada ao longo da vida, porque a entende em relação com a vida e a vida em relação com a morte. Vida sem morte é irresponsável. Tira a seriedade da vida, que lhe é dada pela morte.
Na verdade, a morte nunca fala sobre si mesma. Ela sempre nos fala sobre aquilo que estamos fazendo com a própria vida: as perdas, os sonhos não realizados, os riscos que não enfrentamos por medo...
É de todos conhecido o refrão: “A morte menos temida dá mais vida”.
Superar o medo da morte é um processo longo, complexo, mas para o cristão constitui uma experiência religiosa muito profunda, que o desafia a aprofundar na consciência de si mesmo e em sua capacidade de confiar em Deus. Vencer o medo da morte é reconhecer que a vida sempre é um dom, não o resultado de nosso esforço; e que, por isso mesmo, o essencial não é encontrar um caminho para alcançar a imortalidade, mas aprender a “morrer em Cristo”.
Não é a morte aquela que deve dar sentido à nossa vida, mas ao contrário, só aprendendo a viver é que se aprende a morrer. Mesmo que nos restasse apenas um segundo de vida, faríamos muito mal em pensar na morte. Seria muito mais positivo viver plenamente esse segundo.
A fé cristã não é masoquista ou sádica quando nos ensina a bem morrer. Assim nos dá maior responsabilidade para com a própria vida. O teólogo Soren Kierkegaard afirma que “só a fé proporciona ao ser humano o valor e a audácia necessárias para olhar a morte de frente”. Sem medos, sabendo que o Deus da vida, acolhe com amor e ternura, àqueles(as) que são “aspirados(as)” para dentro de suas entranhas misericordiosas.



O diretor japonês Akira Kurosawa retrata, de maneira original, questão da morte, em seu filme Ikiru, uma obra-prima de 1952. Trata-se da história de Watanabe, um humilde burocrata japonês que descobre ter câncer de estômago e apenas mais alguns meses de vida. O câncer serve de experiência reveladora para este homem, que antes tinha vivido uma vida tão limitada e atrofiada que seus próprios funcionários o apelidaram de “a múmia”.
Depois de descobrir o diagnóstico, ele falta ao trabalho pela primeira vez em 30 anos, retira uma grande quantia de dinheiro de sua conta corrente e tenta voltar à vida em vibrantes boates japonesas.
No meio desse ambiente devasso, ele encontra inesperadamente uma ex-funcionária que havia pedido demissão de seu escritório porque o emprego era tedioso demais: ela queria viver.
Fascinado por sua vitalidade e energia, ele a segue e implora para que ela o ensine como viver. Ela lhe disse apenas que odiava seu antigo trabalho porque se tratava de uma burocracia sem sentido.
No novo emprego, em que faz bonecas numa fábrica de brinquedos, ela se sente inspirada e motivada a viver a partir da ideia de poder levar felicidade a muitas crianças.
Quando o burocrata revela a ela seu câncer e a proximidade da morte, ela fica horrorizada e corre para longe, emitindo apenas uma única mensagem por sobre os ombros: “Faça alguma coisa”.
Watanabe retorna, transformado, ao seu trabalho, recusa-se a ser engessado pelo ritual burocrático, quebra todas as regras e dedica o restante da vida à construção de um parque infantil, que seria aproveitado por muitas crianças, durante muitos anos. Na última cena, Watanabe, próximo da morte, está sentado em um balanço no parque. Apesar da nevasca, ele está sereno e se aproxima da morte com uma tranquilidade impressionante.

De fato, aqueles que que vivem com mais intensidade são os que deixam a segurança da margem e se dedicam apaixonadamente à missão de comunicar vida aos outros.
Por isso, para os cristãos, a morte sempre se refere à Vida e à vida; à Vida com maiúscula, junto a Deus e para sempre (que chamamos Vida Eterna), e a vida de todos os dias, na qual somos chamados a ser testemunhas do amor de Deus a todos os homens e mulheres deste mundo; uma vida de serviço, de compromisso, de entrega generosa para construir um mundo melhor; uma vida com sentido, para que, quando cruzar o umbral da porta desta vida, de verdade encontremos plenamente o que tanto buscávamos: o amor, a paz e o rosto bondoso de um Deus que é Amor.
A vida se expande quando compartilhada e se atrofia quando permanece no isolamento e na comodidade. E a morte é o instante da expansão plena para aquele que soube dar um sentido inspirador à sua existência. Podemos afirmar, então, com muita propriedade, que todos morremos para o interior da Vida.



Texto bíblicoMt 5,1-12

Na oração: A certeza de nossa fé em Cristo morto e ressuscita do nos ajuda a tirar do coração os medos, os impulsos autorreferentes na busca de segurança e imortalidade, para encontrar uma paz profunda que nos permita fazer de nossa vida uma oferenda gratuita em favor da vida de outros.

- Como você se situa diante da morte: medo? serenidade? certeza de poder mergulhar numa Vida maior?...

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

SANTIDADE: o DNA de Deus no coração do ser humano

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho da festa de Todos os Santos e Santas.

“Bem-aventurados sois vós...” (Mt 5,11)

Todo ser humano deseja ser feliz, e o desejo de felicidade é o dinamismo mais profundo que toda pessoa traz inscrita no íntimo do seu ser. Em outras palavras, a aspiração primeira que nos habita é a “alegria de viver”. Por isso, atentar contra a felicidade de viver é a agressão mais grave que se pode cometer contra o ser humano.
No entanto, na experiência de fé de muitas pessoas, a imagem de “Deus” não está associada à busca da “felicidade”. De fato, são muitos os que vêem em Deus um autêntico rival da própria felicidade, pois costumam relacionar Deus com a proibição de muitas coisas que lhes dão prazer e lhes fazem felizes, ou com a obrigação de fazer outras coisas que lhes são pesadas e desagradáveis. E, sobretudo, para muitos, “Deus” é uma ameaça, uma proibição constante, uma censura, um juiz implacável com o código de leis nas mãos... enfim, uma carga pesada que complica a vida, tornando-a sem sabor e sem sentido.
Além disso, muita gente vê em Deus a imposição de verdades que não compreende, a limitação da própria liberdade, a necessidade de submeter-se a poderes e autoridades que lhe causam rejeição...
E, para culminar, são muitos aqueles cuja experiência de fé é vivida de maneira negativa, alimentando culpas, acentuando os escrúpulos, fomentando divisões e conflitos internos, comportamentos de caráter obsessivo, práticas piedosas carregadas de moralismo e expiação..., e outras patologias.

É evidente que um “Deus” assim gera, nas pessoas, sentimentos de culpa, de insegurança e de medo.
Podemos, então, compreender perfeitamente porque muitas pessoas prescindem de Deus em suas vidas, inclusive, recusam abertamente tudo o que se refere a Deus, à religião e aos seus representantes.
Um “Deus” que é percebido e sentido como um problema, como uma presença que entra em conflito com nossa felicidade, por mais que nos digam que Ele é bom, que nos ama e que é Pai, é e será sempre um “deus” inaceitável e até insuportável. Um Deus assim não tem e nem pode ter relação alguma com a aspiração maior que carregamos dentro de nós: o desejo de sermos felizes na vida.
Não é fácil passar de uma espiritualidade que fez do sofrimento e do sacrifício um lugar de redenção, de santidade, de predileção por parte de Deus, a uma espiritualidade que integra a busca da felicidade, não só como um direito humano, senão como um sinal do Reino.
Falar de felicidade nos leva necessariamente a nos perguntar se é possível ser felizes em um mundo cheio de dores, injustiças, mortes prematuras, solidão, vida sem sentido...
No entanto, como seres humanos não podemos renunciar à busca da felicidade. O importante é que não vivamos esta busca de uma maneira solitária, nem que nossa busca seja à custa dos outros ou à margem das grandes maiorias sofredoras. A isso não se pode chamar felicidade.

A felicidade é a busca fundamental do ser humano, o sonho da humanidade desde o começo da história. O difícil é ter sabedoria para poder reconhecer os caminhos que nos conduzem a ela.
Nesse sentido, a liturgia da festa de Todos os Santos e Santas vem nos indicar este caminho, ao apresentar o texto das Bem-aventuranças como um programa para viver a felicidade; e o motivo primeiro é porque todas elas são, na verdade, o caminho da santidade universal (acima e além de toda religião, pois elas são simples e profundamente humanas). As Bem-aventuranças são como o mapa de navegação para nossa vida; são o horizonte de sentido e o ambiente favorável para nossa santificação, entendida como empenho para viver com mais plenitude, segundo o querer de Deus.
A primeira “canonização”, pois, teve lugar quando Jesus, num determinado dia, subiu à montanha e com grande solenidade declarou felizes os pobres, os aflitos por causa do Reino, os mansos que não recorrem à violência, os que tem fome e sede de justiça, os misericordiosos, os que não tem segundas-intenções no coração, os que trabalham em favor da paz, os perseguidos por causa da justiça. Todos eles(as) são declarados felizes porque são os que mais se parecem com Deus, ou seja, deixam transparecer em suas vidas a santidade d’Ele. E a felicidade está justamente na vivência do chamado universal à santidade.

A santidade é, pois, um dom recebido de Deus, que alimenta na pessoa o desejo e a disposição de “sair de si mesma” para viver a experiência do amor na relação com o mesmo Deus, no encontro com os outros e no cuidado e proteção da Criação.
“Viver a partir da santidade de Deus” representa a melhor definição da santidade cristã: reconhecer-nos como quem recebe tudo de Deus, deixar-nos amar e guiar por Ele, assemelhar-nos a Ele para fazer carne viva em nós os sentimentos de compaixão e misericórdia que Ele tem com as pessoas.

Em outras palavras, a santidade significa viver o divino que há em nós.
Só descobrindo o que há de Deus em nós, poderemos cair na conta da nossa verdadeira identidade.
Todos somos santos(as), porque nosso verdadeiro ser é o que há de Deus em nós; embora a imensa maioria das pessoas não tem consciência disso ainda, não podemos deixar de manifestar o que somos. Somos santos(as) pelo que Deus é em nós, não pelo que nós somos para Deus. Para Jesus, é santa a pessoa que descobre o amor que chega até ela sem mérito algum de sua parte, mas deixa-se envolver por este amor expansivo e passa a viver uma presença amorosa.

Na festa de Todos os Santos e Santas somos convidados a deixar semear na terra de nossa vida o anúncio mais impressionante de felicidade que Jesus nos faz. Como não ficar maravilhados diante das bem-aventuranças e deixar que cada uma delas nos des-vele e nos fale d’Ele? De fato, elas são o auto-retrato de Jesus; antes de proclamá-las, Ele as viveu na radicalidade.
As bem-aventuranças constituem a carta magna do Reino e princípio fundamental do(a) seguidor(a) de Jesus; nela aparece a visão que Jesus tinha e desejava para o ser humano. Este texto não é apenas uma normativa, uma ética, mas um modo de entender a vida humana; elas oferecem um programa de felicidade e de esperança, ou seja, elas nos ensinam a ser ditosos, no desprendimento e na solidariedade, na pureza de coração e de vida, na liberdade radical, na esperança... tanto no nível pessoal como comunitário.
As bem-aventuranças compartilham uma mesma visão “macro-ecumêmica”: valem para todos os seres humanos. O Deus que nelas aparece não é “confessional”, não é “patrimônio” de uma religião específica; não exige nenhum ritual de nenhuma religião, senão o “rito” da simples religião humana: a pobreza, a opção pelos pobres, a transparência de coração, a fome e sede de justiça, a luta pela paz, a perseguição como consequência do empenho em favor da Causa do Reino... Essa “religião humana básica fundamental” é a que Jesus proclama como “código de santidade universal”, para todos os santos e santas, os de casa e os de fora, os do mundo “católico” e os de outras expressões religiosas...


Texto bíblicoMt 5,1-11

Na oração: A chave da felicidade está em permitir que se revele o sentido da luminosidade que se encontra no fundo de nosso ser. O que nos tira a energia e nos torna impotentes é afastar-nos desse princípio vital que é o Divino em cada ser.
A santidade é luz expansiva do divino que se faz visível no “modo contemplativo” de viver.
- Sua presença junto às pessoas é transparência da santidade de Deus?