“E vós, quem
dizeis que eu sou?” (Mt 16,15)
Já agradecemos alguma vez pelas perguntas que nos fizeram? Em um
diálogo, as perguntas são a ponte entre as vozes, a confluência de corações, o
brilho de luz compartilhada. Todas e cada uma delas nos fizeram crescer, mesmo
aquela que parecia a mais trivial. Porque cada pergunta vem carregada de matizes,
umas com carinho, outras de atenção ou de interesse, e, inclusive, algumas de
desafio... Umas foram respondidas, outras não sabíamos como respondê-las,
talvez nunca saberemos respondê-las...
A pedagogia de Jesus nos Evangelhos é feita de perguntas.
Jesus é um Deus que pergunta. São
inúmeras as vezes em que Ele se aproxima das pessoas e as interroga. Desde o “quê
buscais?” no
início do evangelho de S. João, passando pelas perguntas na região de Cesaréia
de Filipe, “quem
dizem os homens ser o Filho do Homem?”, “e vós, quem dizeis que eu sou?”, até à tríplice interpelação a
Pedro, “tu
me amas”?
Aquele que é a Verdade, o Caminho e
a Vida, também se compõe de perguntas.
Jesus, com sua pedagogia fundada em perguntas,
nos coloca diante do mistério de Sua vida e de Suas opções. Responder à
pergunta “quem é Ele” é comprometer-se com Ele, é assumir o caminho d’Ele, é
arriscar-se n’Ele.
Jesus aproxima-se das
pessoas. Não procura convencer, argumentar, ou fazer seguidores à base de
discur-sos. Suas perguntas ousadas colocam em crise visões
distorcidas, falsas concepções e idéias pré-conce-bidas a respeito d’Ele. Com
sua pergunta Jesus provoca uma radical decisão pró ou contra Ele, uma
clara opção pró ou contra o Reino.
Um cristão que nunca tenha proposto seriamente
esta questão a si mesmo, de uma maneira vital, não está maduro na maneira de
viver o seguimento de Jesus Cristo.
Como
cristãos nós nos definimos mais pelo perguntar do que pelo responder.
“Perguntar” é buscar, é despertar a capacidade de nos deslumbrar
diante deste mundo fenomenal que somos nós e diante desta realidade que nos
circunda.
A
espiritualidade cristã reacende em nós as grandes “interrogações
existenciais”:
“Quem somos
nós? – Quê estamos fazendo? –
Por quê estamos fazendo? – Para quem estamos
fazendo?...”
A índole interrogatória é traço típico da
espiritualidade cristã; o perguntar é ousado; perguntar desafia, tem dose de
irreverência; são perguntas de “conversão”, de mudança, que
abrem para o futuro, para o novo. A pergunta é movimento, é vida... e
suscita resposta viva, criativa, surpreendente... e inesgotável.
Não são perguntas para começar a caminhar,
mas para reforçar nosso espírito de aventura e mobilizar nossos recursos
interiores na busca do “sentido” de nossa identidade e da missão que
realizamos.
Tais perguntas trazem à tona nossas
motivações, nossas formas de agir, de amar e de sentir...
A busca é interior, o caminho é pessoal e coletivo,
a resposta tem um toque de eleição comunitária.
Desde o início, ainda no paraíso, Deus buscou o
ser humano com uma pergunta: “onde estás?”. Deus nos busca
continuamente com suas perguntas. Nós somos resposta a essa pergunta
primordial.
Igualmente, o ser humano é um amontoado de
perguntas, é um ser que pergunta. Com pouco tempo de nascimento e quando vai se
abrindo à aventura da vida começam suas perguntas: “por quê?”... uma infinidade
de “por quês?”
Também somos uma pergunta que fazemos a Deus e esperamos resposta. Quantas
gostaríamos de fazê-las a Deus? Mas a resposta só virá quando o nosso coração
estiver preparado para escutá-la: sem medo, sem angústias, em atitude de espera
e confiança.
“Sê paciente com tudo o que ainda não está resolvido
em teu coração... Procura amar tuas próprias perguntas... Não busques as
respostas que não podem ser dadas, porque não serias capaz de vivê-las. E é
disto que se trata, de viver tudo. Vive agora as perguntas. Talvez assim,
gradativamente, sem dar-te conta, possas algum dia viver as respostas” (Rainer Maria Rilke).
De fato,
habitamos nas perguntas. Viver à escuta das interrogações nos mantém
despertos no caminho.
São as perguntas
que suscitam em nós o assombro frente à riqueza da realidade, a preocupação
frente o drama da humanidade, a disposição frente ao futuro..., exigindo-nos
assim viver continuamente numa atitude de escuta.
A
mediocridade das respostas formatadas paralisa e fecha as portas às
novas possibilidades. As perguntas, ao contrário, são o fio de ouro em
meio ao cascalho que mobilizam o garimpeiro a buscar sem cansar. As respostas
cortam o movimento, atrofiam a curiosidade, matam a criatividade e o espírito
de aventura; elas impedem a mobilização dos recursos interiores da pessoa na
construção do conhecimento, levando-a à apatia e à acomodação.
O momento é de tecer perguntas onde há mais respostas
formatadas e fechadas.
Urge, pois, implementar e desenvolver hábitos,
processos, que nos ajudem a sermos mais intuitivos através das perguntas
que abrem acesso às reservas interiores de criatividade e imaginação, frente
aos desafios cotidianos.
A
pregunta “quem é Jesus” não pode ser respondida simplesmente com os dogmas.
A resposta deve ser prática, brotar do chão da
vida. Nossa vida é a que tem que dizer quem é Jesus Cristo para nós. “Quê diz tua vida de mim?”
Do esforço dos primeiros séculos da Igreja por
compreender a Jesus, devemos fazer nossas, não as respostas que deram, mas as
perguntas que foram feitas.
A verdadeira pergunta é: “quê é, que significa Jesus Cristo em nossa vida?” Não basta dizer que cremos em Jesus. É preciso
nos perguntar: em quê Jesus cremos e quem é Jesus para nós?
Texto
bíblico: Mt 16,13-20
Na oração:
-- Nosso coração se encontra diante da revelação do “eu original”, porque está enraizado
na identidade do próprio Jesus (“quem sou eu para vocês?”).
-- A contemplação da pessoa de Jesus é também desvelamento
do eu “escondido com Cristo em Deus” (Col 3), ou seja, revelação da verdade do eu, onde
descobri-mos os traços de nossa própria fisionomia.
-- Não posso responder a essa pergunta – “Quem é Jesus para mim?” – se não me pergunto ao
mesmo tempo: “Quem sou eu, diante do Senhor?” Sem identificação não haverá um encontro profundo com o Senhor.
-- O encontro comigo mesmo me aproxima do encontro
com o Senhor e o encontro com o Senhor revela minha própria identidade.