“Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas...;
chamou os doze discípulos” (Mateus
9,36)
Uma pessoa que se define tem
força para despertar, para arrastar, para mobilizar os outros...
Jesus é o homem que se definiu. Por
isso, Ele nos inspira e nos impulsiona. Inspirar e impulsionar, impulsionar a
partir da inspiração: isso é seduzir no
melhor sentido da palavra.
Jesus não nos seduz simplesmente
para provar sua condição divina ou a veracidade de sua mensagem. Ele nos seduz
porque foi um homem de carne e osso como nós, e porque alcançou um grau de
humanidade, de compaixão e liberdade, de sensibilidade e compromisso..., que
está em nossas mãos alcançar.
A grande novidade e originalidade
de Jesus (sua subversão) começou em sua maneira de olhar a realidade e de deixar-se afetar por ela. A “subversão” da
vida começa pela subversão do olhar e vice-versa. O coração sente de acordo com
o que os olhos veem, mas os olhos veem de acordo com o que sente o coração. A
realidade subverte o olhar, e o olhar subverte a realidade. Olhos que não veem,
coração que não sente. Mas os olhos não veem quando o coração não sente.
Os olhos de Jesus
viram muita dor, miséria, violência..., e suas entranhas se comoveram. Viu o
seu povo despojado da terra, dos direitos mais elementares... Jesus viu e se
compadeceu; compadeceu-se e indignou-se; indignou-se e se comprometeu na
transformação daquela realidade dolente; comprometeu-se porque seus olhos viram
mais a fundo, mais além, outro mundo possível.
Na raiz
de sua atividade terapêutica e inspirando toda sua atuação junto aos enfermos
está sempre seu amor compassivo. Jesus se aproxima dos que sofrem, alivia sua
dor, toca os leprosos, liberta os possuídos por espíritos malignos, os resgata
da marginalização e os devolve à convivência.
O que move a vida de
Jesus é a compaixão e a compaixão é expansiva, tem impacto profundo naqueles
(as) que estão ao seu redor. Compaixão desperta compaixão pois ela é
mobilizadora dos sentimentos mais nobres presentes no interior de cada um. No
calor da compaixão ativada brota o chamado de Jesus e a resposta
dos seus (suas) seguidores (as). Sem compaixão, a resposta ao chamado se esvazia,
o serviço se burocratiza, o seguimento vira lei.
Jesus não nos chama para seguir
uma religião, uma doutrina, nem faz proselitismo... Ele desencadeia um movimento
e nos convoca a segui-Lo, ou seja, identificar-nos com Ele e com sua
proposta de vida.
O horizonte do chamado e do envio não é outro que o compromisso em favor da vida e das pessoas,
frente àquelas forças que tendem a travar e danificar a mesma vida. A partir
desta perspectiva, a “missão” pode reencontrar seu verdadeiro sentido. Enviados
(as) em favor da Vida, seus(suas) seguidores(as) sabem muito bem qual é o
encargo que Jesus lhes confia. Nunca O viram governando a ninguém; sempre O
conheceram curando feridas, aliviando o sofrimento, regenerando vidas,
destravando os medos, contagiando confiança em Deus.
A novidade de Jesus consiste
justamente em afirmar que existe um caminho para encontrar a Deus que não passa
pelo Templo, pela pompa dos ritos e pela observância estrita das leis. Desse
modo, reconhece-se a vida como lugar
privilegiado da Sua Presença.
O (a) seguidor(a) de Jesus não é
aquele(a) que, por medo, se distancia do mundo, mas é aquele(a) que, movido por
uma radical
compaixão, desce ao coração da realidade em que se encontra, aí se
encarna e aí revela os traços da
velada presença d’Aquele que é a Misericórdia.
É aqui, neste mundo, que Deus nos chama a estender o
seu Reinado, trabalhando cada dia como amigos (as) de Jesus que passam, se
compadecem, curam, ajudam, transformam, multiplicam os esforços humanos.
Apaixonados (as) por Deus, apaixonam-se pelo mundo que, em sua diversidade, riqueza, profundidade, fragilidade,
sabedoria... lhes fala e lhe revela o rosto misericordioso do Deus que se humanizou para humanizar nossas vidas.
Jesus
não fundou o clero nem quis instituir um corpo ou estamento de “homens
sagrados”, uma espécie de funcionários do templo, constituindo-se numa “classe
superior”. O que Jesus quis foi “discípulos/as” que lhe “seguissem”, ou seja,
que vivessem como Ele viveu: dedicados a curar enfermidades, aliviar
sofrimentos, acolher as pessoas mais perdidas e extraviadas. Assim nasceu o “movimento
de Jesus”.
Jesus, o “rosto misericordioso
do Pai”, continua passando diante de cada um de nós, parando e fazendo um
chamado que desperta comoção e compaixão. Sua presença provocativa e seu
chamado exigente colocam em questão nosso costume de nos refugiar no mundo
asséptico das doutrinas, na tranquilidade de uma vida ordenada, satisfatória e
entorpecida, na segurança de horários imutáveis e de muros de proteção, longe
do rumor da vida que luta para ter um lugar ao sol, dos gritos daqueles que
sofrem e morrem nas periferias deste mundo.
Escutar e seguir o Seu chamado implica abandonar a estreiteza
de nossos caminhos e deixar o nosso coração bater no ritmo dos doentes e
marginalizados, vítimas da desumanização de nossa sociedade.
O importante não é pôr em marcha
novas atividades e estratégias, senão desprender-nos de costumes, estruturas e
dependências que estão nos impedindo ser livres para contagiar o essencial do
Evangelho, com verdade e simplicidade.
Como evitar que a
aventura, na qual um dia nos embarcamos, nascida de uma paixão pelo Senhor e
pelo seu Reino, transforme-se num tedioso cumprimento de normas e costumes?
Estamos, talvez,
experimentando a frustração de não ter acertado na rota da busca da vida plena
e transbordante na qual quisemos investir as nossas melhores energias:
sentimo-nos cansados(as) de palavras sem significado e sentimos fome de
proximidade, de presença, de compromisso.
Como Igreja, nem
sempre temos adotado o estilo itinerante que Jesus propõe. Nosso caminhar
torna-se lento e pesado; não acertamos o passo para acompanhar a humanidade;
não temos agilidade para deslocar-nos em direção à margem sofredora; agarramos
ao poder e às estruturas que tiram a mobilidade; enredamos nos interesses que
não coincidem com o Reinado de Deus.
Não estaremos
desperdiçando as nossas forças para conservar atitudes arcaicas e nos
deliciamos com um estilo de vida que nos atrofia? Não chegou, talvez, o momento
de deixar de repetir aquilo que fazíamos antes, e de abrir-nos àquilo que está
diante de nós, à novidade que o Espírito está criando?
Para Jesus, o ideal de sua
mística é “viver com um pé levantado”, isto é, sempre pronto para
responder às oportunidades que são oferecidas pela vida.
O(a) seguidor(a) de Jesus vive a aventura enquanto
capacidade de estar “na frente” de situações desafiantes, superando o medo de
romper paradigmas, potencializando talentos e fomentando a criatividade...
Tem a ousadia de inovar, a coragem de arriscar e
a vontade de realizar mudanças importantes.
Para isso é
preciso despojar-nos de hábitos arraigados, pré-juizos, ideias fixas, modos
fechados de viver e abandonar a atitude do “sempre fizemos assim”. Estes são os
vícios que impedem uma resposta diferente e sedutora num mundo em
transformação.
A compaixão deve configurar tudo o que
constitui nossa vida: nossa maneira de olhar as pessoas e de ver o mundo; nossa
maneira de nos relacionar e de estar na sociedade, nossa maneira de entender e
de viver a fé cristã...
Texto
bíblico: Mateus
9,36-10,8
Na
oração:
Jesus,
foi o homem que se definiu, tinha claro qual era sua missão; por isso, nos
apresenta uma causa muito nobre e, com seu chamado,
rompe nosso estreito mundo e desperta em nós ricas possibilidades, reacende
o que de mais nobre há em cada um (a) e amplia nosso horizonte de vida.
Seguir Jesus Cristo é
aderir a Ele incondicionalmente, é “entrar” no seu caminho, recriá-lo a
cada momento e percorrê-lo até o fim. Seguir
é deixar-nos “con-figurar”, isto é, movimento pelo
qual vamos sendo modelados (as) à imagem
de Jesus Cristo.
- Sua vivência do Seguimento de
Jesus é marcada pelo “olhar compassivo e comprometido” ou por práticas
piedosas alienadas, que não o (a) projetam em direção aos mais sofredores?