“Jesus
entrou num povoado, e certa mulher, de nome Maria, recebeu-o em sua casa” (Lucas 10,38)
Se existe
uma atitude de vida que pede o resgate de sua profundidade e seu poder
evocativo original é a da “hospitalidade”. É um dos termos bíblicos mais
ricos, que nos ajuda a aprofundar e aumentar a compreensão sobre a relação com
nossos semelhantes.
A hospitalidade é uma “experiência existencial”,
situa-se no nível do ser. É uma acolhida gratuita. Aquele que é acolhido tem
direitos, mas também tem deveres e aquele que acolhe está disposto a mudar sua
rotina, e ambos estão disponíveis a renovar, a redefinir sua identidade: “Antes de representar um problema para a minha
identidade, ele (o hóspede) é estímulo para uma convivência sempre a
reescrever, atualizar, enriquecer...” (Dal Corso, Marco).
A diaconia (serviço) da hospitalidade é um
movimento que vem de dentro da pessoa e se estende no vaivém das relações
humanas mais distantes e mais próximas. É
abertura e disponibilidade àquele que interpela as nossas convicções, nosso
modo rotineiro e estreito de viver.
Em contexto de hospitalidade, anfitrião e
hóspede podem revelar suas riquezas mais preciosas e trazer vida nova um ao
outro. Só quem tem coração dilatado vive a hospitalidade como surpresa
provocativa.
A hospitalidade é antes de mais nada uma disposição da alma, aberta e
irrestrita. Acolher o outro significa multiplicar a alegria do encontro, da
novidade e da partilha, não só do pão mas da vida.
Como
comunidade seguidora de Jesus somos chamados a oferecer espaço aberto,
hospitaleiro, onde os estranhos possam libertar-se de sua estranheza e
transformar-se em nossos companheiros.
Talvez o
conceito de “hospitalidade” possa oferecer uma nova dimensão à nossa
compreensão de um relacionamento saudável e à formação de uma comunidade
festiva e alegre em um mundo que sofre visivelmente de alienação, estranhamento
e preconceito.
A hospitalidade envolve a escuta respeitosa daquilo que o outro tem a
dizer, em uma abertura humilde do coração e da mente para compreender as diferenças
e novidades que o outro nos traz. Aqui revela-se a diferença entre a hospitalidade
de Marta e a de Maria, no evangelho deste domingo. A ansiedade e a preocupação
de Marta impedem-na viver a hospitalidade com alegria. Seu ativismo compulsivo
atrofia sua gratuidade e, quando se elimina a gratuidade, a vida pode perder
seu sabor e seu sentido.
Como integrar Marta e Maria?
Marta é a eficácia do amor
serviçal e hospitaleiro a um amigo muito querido que foi acolhido com todo
carinho na casa familiar. Maria é a
gratuidade que escuta absorta a novidade que Jesus traz. As duas dimensões da
vida são necessárias.
Marta
deve escutar o que
diz Jesus e compreenderá que sua vida não fica limitada à tarefa de atender bem
a familiares e amigos entre as quatro paredes da vida doméstica, senão que deve
abrir-se para cuidar e servir o Reino de Deus que chega por todas as partes.
Maria
não só deve estar
atenta às palavras de Jesus, mas ao que dizem milhões de pessoas no mundo, suas
solidões e suas alegrias, para que a novidade de Deus que se gesta em suas
vidas encontre um rosto de lar onde possa ser acolhida e nascer na história.
Todos temos de ser Marta e Maria, o
serviço eficaz e a gratuita contemplação de Jesus, irmanados em um modo original
de viver a hospitalidade, onde o serviço pequeno e gratuito, a proximidade de
portas abertas, o viver a cotidianidade como dom se constituem como a
identidade cristã.
Essa é a
nossa vocação: converter o “hostis” em “hospes”, o
diferente em convidado, o estranho em amigo, e criar o espaço livre e sem medo,
no qual a fraternidade pode ser experimentada em plenitude.
Na
realidade, aqui se trata de um movimento expansivo onde se dá a travessia da hostilidade
à hospitalidade. Tal passagem é repleta de dificuldades: nossa
sociedade é marcada pela presença de pessoas temerosas, defensivas e
agressivas, agarrando-se ansiosamente ao seu modo fechado de viver, inclinadas
a olhar ao redor com suspeitas, sempre à espera de que um inimigo de repente
apareça e cause algum dano.
A hostilidade
campeia nas redes sociais e a xenofobia circula como um veneno: daí a agressividade
preconceituosa no campo político-social-racial-sexual...
De fato,
ultimamente, os “estranhos” e “diferentes” tornaram-se mais sujeitos à
hostilidade do que à hospitalidade: protegemos nossas casas com cães e trancas
duplas, nossos edifícios com vigilantes, nossos colégios com guardas, nossas
estradas com policiais, nossos aeroportos com seguranças, nossas cidades com
polícia armada...
Nosso
coração pode querer ajudar os outros e mostrar simpatia para com os pobres,
solitários, rejeitados, minoritários...: no entanto, rodeamo-nos com um muro de
medo e de sentimentos hostis, evitando instintivamente pessoas e lugares que
possam nos lembrar de nossas boas intenções.
Em um
mundo tão competitivo, mesmo pessoas próximas, como colegas de classe, de
equipe, de trabalho, todos podem ficar infectados pelo medo e pela hostilidade
quando sentem o outro como uma ameaça à sua segurança pessoal.
Muitas
vezes, instituições criadas para oferecer espaço e tempo propícios para o desenvolvimento
da hospitalidade (família, escolha, religião...), tornam-se tão dominadas pelo “defensismo”
hostil que acabam atrofiando e bloqueando o melhor que cada pessoa traz em seu
coração.
Hospitalidade não é mudar as pessoas, mas oferecer a elas um espaço no qual a mudança
pode acontecer. Não é trazer homens e mulheres para o nosso círculo, mas
oferecer uma liberdade sem as amarras de linhas divisórias. A hospitalidade
não é um convite sutil para adotar o estilo de vida do anfitrião, mas a dádiva
de uma chance para que o hóspede descubra o seu próprio estilo.
A hospitalidade
não é uma tática para fazer de nossa fé e de nosso caminho critérios de
felicidade; é abrir uma oportunidade para que os outros encontrem sua fé e seu
caminho.
O
paradoxo da hospitalidade é que ela deseja criar o “vazio”, não
o vazio temeroso, mas um vazio amistoso no qual os estranhos podem entrar e
descobrir a si mesmos livres como foram criados; livres para cantar suas
canções, para falar suas línguas, para dançar suas danças; livres para
expressar seus sentimentos e para seguir suas decisões. E isso não só no espaço
físico da casa, mas nas redes sociais, nos diferentes grupos de interesse, nos
relacionamentos...
O
verdadeiro hospitaleiro é aquele que oferece o espaço onde não
temos nada a temer, onde podemos ouvir nossa voz interior e descobrir nossa
maneira pessoal de sermos humanos. A verdadeira hospitalidade é
inclusiva e dá espaço para uma grande variedade de experiências humanas.
Texto bíblico: Lucas 10,38-42
Na oração: Continuamente nos deparamos com um
Deus que chega gratuito e imprevisível em nossa vida, suplicando hospitalidade.
Quando Ele é acolhido, nossa cotidianidade se converte em milagre.
- Na relação com os outros, quê lugar ocupa a hospitalidade em
sua espiritualidade cotidiana?
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