Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho indicado para a Liturgia do 18º Domingo do Tempo Comum - Ano C.
“Então poderei dizer a mim mesmo: meu caro, tu
tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!” (Lucas 12,19)
O monólogo do “homem rico”, no
Evangelho de hoje, revela que, tudo na sua vida, gira em torno do próprio eu: "meus
celeiros", "meu trigo", "meus bens". Em sua
vida, não existe espaço para Deus e para o próximo. Tudo é pensado em função de
sua satisfação pessoal: solidariedade, partilha, misericórdia são palavras
banidas de seu vocabulário.
Este homem reduz sua
existência a desfrutar da abundância de seus bens. No centro de sua vida está
só ele e seu bem-estar. Deus está ausente. Os empregados que trabalham em suas
terras não existem. As famílias das aldeias que lutam contra a fome não contam.
Ele é expressão mais
visível do dinamismo negativo que nos desumaniza: a avareza e a cobiça.
De onde vem a
avareza e a cobiça? Onde se encontra a raiz do instinto de posse?
A parábola do “homem
rico”, dominado pelo “ego possessivo”, é contada por
Jesus a partir de uma demanda de alguém que d’Ele se aproxima e lhe suplica que
resolva uma questão da partilha de bens com seu irmão, que lhe faça justiça.
Jesus sabe colocar-se em seu lugar: Ele não veio ao mundo como juiz jurídico,
legal. Como bom pedagogo, Ele parte de uma questão colocada por alguém e vai
mais além da exterioridade da situação; ou seja, Ele vai à raiz dos problemas,
que está no coração do ser humano.
Para Jesus é mais
importante desmascarar a cobiça e a avareza que nos dominam que fazer valer os
direitos na partilha da herança.
Podemos
dizer que por detrás desse impulso de acumulação se esconde uma experiência de
empobrecimento humano. Na origem da avareza, parece existir um vazio
afetivo, uma infantil experiência de insegurança e, em último termo,
uma desconexão de nossa verdadeira identidade.
O vazio
afetivo “exige” ser preenchido compulsivamente: esta é a fonte da ansiedade,
que se traduz em variadas dependências, uma das quais, pode ser a afeição
desordenada pelo dinheiro ou pelos bens materiais. Neste sentido, a cobiça ou
avareza é esforço – inútil e estéril – de preenchê-lo.
Mais em
profundidade, a avareza, enquanto necessidade ilimitada de acumular, se explica
– como todos os comportamentos egóicos – a partir da desconexão de nossa
verdadeira identidade. O que somos – em nossa identidade profunda – é
Plenitude. Mas, quando nos distanciamos de nosso “eu profundo” ou o ignoramos,
começamos a viver como seres separados e carentes, em luta permanente e
esgotadora por dissimular aquela carência que cremos ser. Mendigamos migalhas –
“ajuntamos
tesouros para nós mesmos” – sem
reconhecer que já somos “ricos
diante de Deus”.
Esta carência
existencial é reforçada pelo ambiente no qual vivemos, marcado pelo consumismo;
a publicidade continuamente nos impõe a ideia de que só tem valor quem tem e
acumula bens e riquezas.
Nesse ambiente, cada um de nós
vai alimentando uma espécie de ego, vivendo
centrados em nós mesmos e separados do resto do mundo. Tal ego é possessivo. Muitas
vezes manifesta-se como um desejo insaciável de dinheiro e de bens. Daí a
obsessão pela riqueza. Toda a nossa economia está baseada na poderosa força
impulsionadora do interesse individual. O ego exacerbado quer controlar o seu
mundo: pessoas, acontecimentos e natureza. A partir da riqueza, ganha força a
busca do poder e do domínio sobre os outros.
O ego compara-se com os outros e
compete pelos elogios e pelos privilégios, pelo amor, pelo poder e pelo
dinheiro. É isso que nos torna invejosos, ciumentos e ressentidos em relação
aos outros. Também é isso que nos torna hipócritas, dominados pela duplicidade
e pela desonestidade.
Esse ego não confia em ninguém a não ser em
si mesmo. É essa falta de confiança que nos torna tão inseguros. Ficamos
inevitavelmente cheios de medos, preocupações e ansiedades. O nosso ego, ou
individualismo egoísta, torna-nos solitários e temerosos.
O ego não ama
ninguém além de si, atendendo apenas às suas próprias necessidades e à sua
própria gratificação. Sofrendo de uma falta total de compaixão ou empatia, ele
pode ser extraordinariamente cruel para com os outros.
Como evitar que o nosso ego nos domine e determine nossa vida?
O primeiro passo será desvelar e
desmascarar nosso ego com todas as suas maquinações e duplicidade.
Só uma pessoa
esvaziada de seu ego pode transformar-se e transformar a realidade.
O nosso verdadeiro eu está enterrado por baixo do nosso ego ou falso eu. Segundo o Evangelho a pessoa cresce e se enriquece
na entrega e na desapropriação. Porque só assim deixa refletir algo da maneira
de ser de Deus. Nisso consiste também em ser “rico para Deus”.
As
palavras de Jesus, nesse sentido, são magistrais: “Tomai cuidado contra todo tipo de ganância...; a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (v. 15).
O
Evangelho não nos convida ao conformismo. O primeiro é a justiça, querida por
Deus, pregada e vivida por Jesus: que todos tenham pão, moradia, saúde... fruto
da comunhão, da solidariedade, novo nome da justiça; isso é o Reino, a Nova
Humanidade. Mas pode ocorrer que quando tenhamos o justo, o que nos corresponde
como filhos e irmãos, ambicionemos mais. Esta cobiça, pecado de raiz, nunca nos
permitirá descansar.
Na vida, todos
precisamos de algumas seguranças. E aspiramos condições dignas de vida. Mas, há
uma linha que separa a necessidade verdadeira da ansiedade imposta, a segurança
do necessário e a insegurança do excesso e do abuso. Há uma tentação muito
humana que a todos nós habita: a de ter mais, acumular sempre, apossar-se de
tudo... Parece que não nos satisfazemos nunca com aquilo que conseguimos. Tudo se
revela insuficiente, e o impulso por acumular – riquezas, bens, relações ou
experiências – se converte em voracidade.
É
preciso estar sempre alerta para não se deixar determinar pelo dinamismo da
cobiça. Até onde chegar na acumulação de bens?
A
resposta cristã é “viver como Jesus”: viver confiados nas mãos providentes do
Deus Pai/Mãe, buscando o Reino-Utopia como o mais importante. “O resto virá por acréscimo”. A
verdadeira riqueza é investir numa única fortuna: a do amor, do favorecimento
da vida, a do des-centramento de si mesmo em favor do serviço ao outro, o das
obras em favor dos mais pobres e desfavorecidos...
Porque “ser rico diante de Deus” não
significa ter “acumulado” méritos, mas deixar cair nossa falsa identidade,
tomar distância do ego e, pacificado e aquietado nosso interior, fazer-nos
conscientes da Plenitude que somos.
“Ser rico diante de Deus” significa, antes de mais nada, descobrir a
nobreza de nossa identidade profunda, identidade unitária e partilhada, a salvo
de ladrões, enfermidades e mortes. Trata-se da identidade pela qual nos
experimentamos no “céu”, a Presença divina que somos e na qual vivemos.
Texto
bíblico: Lucas
12,13-21
Na
oração:
Sabemos
da perene e escorregadia tentação – uma mentira perigosa que aparece como
“verdade”– de solucionar as inseguranças e medos de
nosso eu através dos impulsos à cobiça que se aninham em nosso coração. Há
coisas que são mentira, mas que aparecem como verdade; aí se enraíza seu atrativo.
- Dar “nomes” aos apegos que travam o
fluir de sua vida.
- Quais são suas “verdadeiras riquezas” pelas quais investe o melhor que
há em você.