“...mostrou-lhes
as mãos e o lado” (João 20,20)
O
relato do Evangelho deste 2º. domingo é sugestivo e interpelador. Quando Jesus ressuscitado
se faz presente, acontece uma profunda transformação no grupo dos seus
discípulos: eles recuperam a paz, desaparecem os medos, enchem-se de uma
alegria contagiante, sentem o “sopro” do Espírito em seus corações
infundindo-lhes ânimo e coragem, abrem as portas porque se sentem enviados à
mesma missão que Jesus tinha recebido do Pai.
A
presença
misericordiosa é a marca do Ressuscitado: ela é força criadora e
reconstrutora de vidas despedaçadas. Jesus ressuscita cada um dos seus amigos e
amigas, ativando neles o sentido da vida, reconstruindo laços comunitários
rompidos e oferecendo solo firme a quem estava sem chão, sem direção.
Jesus reconstrói pessoas feridas mostrando
Suas chagas e des-velando as feridas
de seus seguidores (fracasso, traição, dor, tristeza, medos...). Suas feridas
revelam que, por debaixo das feridas dos seus amigos e amigas, há vida
escondida querendo se expandir; debaixo da pedra da dor e do fracasso há um
dinamismo vital querendo buscar um lugar ao sol.
João, no relato de hoje, quis reforçar a corporalidade da Ressurreição e o fez
desta forma, destacando o valor das chagas
de Jesus. O Senhor Ressuscitado continua sendo Aquele que leva em suas mãos e
lado as feridas de sua entrega, os sinais de seu amor crucificado em favor da
humanidade.
Este
Jesus pascal continua estando presente nas chagas dos homens e mulheres das
mãos esmagadas, na ferida do peito de homens e mulheres que sofrem rejeição e
preconceito, nas feridas dos pés de homens e mulheres impedidos de dar direção
às suas vidas.
Não há experiência pascal sem um
retorno à corporalidade de Cristo, que continua sendo o mesmo Jesus histórico
que morreu por fidelidade ao projeto do Reino.
Podemos dizer que Jesus apresenta a
seus discípulos sua Carteira de Identidade: suas mãos chagadas e seu lado
aberto. O Ressuscitado é o Crucificado e o Crucificado é o Ressuscitado.
Há uma continuidade entre a Cruz e
a Páscoa; não há rupturas, é a mesma identidade pessoal.
Por que as chagas? São as
credenciais que melhor revelam quem é Jesus. Elas são o sinal e a expressão do
seu amor, o amor até o extremo, o amor até dar a vida.
Essas mesmas chagas são as melhores
credenciais de todo seguidor de Jesus. Credenciais que definem o cristão como
aquele que ama à maneira de Jesus; este não ama de verdade enquanto não possa
mostrar suas chagas no serviço aos outros.
A
cena do encontro do Jesus Ressuscitado com Tomé nos revela a exigência de
conversão de um tipo de cristianismo puramente “espiritual”. Tomé se move fora
do espaço da dor de pessoas concretas, sem cruz real, sem comunidade aberta às
chagas da humanidade.
Por
isso, ele não está presente no 1º. grupo que “viu” Jesus e acreditou n’Ele.
Tomé
continua sendo o apóstolo de uma espiritualidade desencarnada, sem compromisso
social, sem denúncia profética, sem solidariedade com os pobres e excluídos.
Ele é um seguidor especial de Jesus, mas sem “carne e sangue”, ou seja, sem
ressurreição histórica, sem transformação da “carne”.
Tomé é expressão do ser humano a
quem lhe custa crer na ressurreição do Jesus histórico, do Jesus das chagas nas
mãos, pés e lado, do Jesus da carne, do Jesus do povo crucificado.
Provavelmente Tomé crê no Cristo
glorioso, desligado da história de Jesus, sem chagas nas mãos, no peito e nos
pés: das mãos que tocaram os pobres e doentes, do coração que amou os excluídos
da sociedade, dos pés que romperam distâncias na direção dos chagados do mundo.
Há sempre o perigo de crer no
Ressuscitado “asséptico”, sem chagas em seus pés, mãos e lado. Crer em Jesus
sem as chagas é esquecer-se das feridas dos pobres, a morte dos oprimidos; é
não tocar as chagas da humanidade ferida, quebrada...
Esta cena vem colocar em questão
muitos movimentos “aleluiados”, mas desencarnados e longe do compromisso com os
sofredores da história. Crer no Ressuscitado é comprometer-se a tirar da Cruz
todos aqueles que nela estão dependurados.
Mas,
Tomé vem no “domingo” seguinte, algo lhe atrai; não só “vê” a Jesus senão que é
convidado a tocá-Lo. Esta experiência de “conversão” de Tomé, que volta à
comunidade e que toca as chagas de Jesus, faz parte essencial do mistério da
páscoa cristã.
Segundo
o Evangelho de hoje, Tomé precisa converter-se, descobrindo e confessando em
sua vida a chaga de Cristo que continua sofrendo nos pobres e sofredores. O
cristianismo não é uma espiritualidade desencarnada, mas uma religião da “carne
comprometida” e solidária.
Por
isso Jesus diz a Tomé e a cada um de nós: “Põe
tua mão na chaga dos cravos, no meu peito atravessado pela lança, descobre minha presença
pascal na ferida dos crucificados da história”.
A
Páscoa, portanto, implica aprender a
tocar com mais força e de um modo mais profundo as nossas próprias feridas e as
feridas da humanidade. Tocar em Jesus, colocar o dedo em sua chaga, é descobrir
a ferida sangrenta da história humana, vinculando assim a ressurreição com a
dor dos homens e mulheres oprimidos, excluídos, enfermos...
Nas chagas de Jesus, nossas chagas
são iluminadas e integradas.
A descoberta da vida dos sofredores
e a implicação compassiva para com eles desperta em nós um sentimento de
compaixão para conosco mesmo: ela nos faz tocar nossas próprias feridas,
herdadas ou surgidas na busca do crescimento enquanto pessoas.
Mostrar aos outros as próprias
feridas é um desafio, supõe abertura e humildade. Tocar, com profunda
sensibilidade, as feridas dos outros é um ato de comunhão que nos ressuscita e
nos inclui, como Tomé, na Ressurreição de Jesus.
Texto bíblico: João 20,11-19
Na oração: Tocar o Ressuscitado, tocando as
chagas dos crucificados: isso é o que devemos fazer todos, de maneira que o
contato com o sofrimento do mundo nos transforme e nos faça capazes de expandir
a Vida de Deus.
- Crer no
Ressuscitado é viver de Sua presença misericordiosa: recordar experiências
pessoais de presença junto aos sofredores;
- “Nas Suas chagas
nossas feridas são curadas”: quais são suas feridas que travam o fluir da vida?
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