Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho indicado para o 6º Domingo do Tempo Pascal.
“Deixo-vos
a paz, a minha paz vos dou: mas não a dou como o mundo” (João 14,27)
A paz é um dos
dons comunicado pelo Ressuscitado, e como “seres ressuscitados”, somos
desafiados a uma visão mais aprofundada, pessoal e coletiva, sobre o sentido e
a força mobilizadora da paz.
Infelizmente, todos os dias aparecem, nos meios de
comunicação, mais motivações para a violência do que razões para a paz.
Entretanto, precisamos afirmar: “não fomos feitos para a violência”. Nosso
coração é habitado por um desejo profundo de paz: “Felizes
os que promovem a paz!”
Como seguidores do “Príncipe
da Paz”, devemos primar por construir “espaços de paz” e sermos presença
pacificadora: paz que vem do alto, que aquece nossos
corações, plenifica nossas relações e se expande, tal como perfume, em todas as
direções.
Paz, portanto, é aspiração congênita do ser humano.
Nosso coração humano foi feito para a paz
e anseia a convivência harmoniosa com Deus, com o cosmos, com os nossos
semelhantes. É processo interminável. Paz
é síntese de bens, é sinfonia inacabada, arte social, estado de espírito que
gera a comunhão.
“Paz soa suave ao ouvido, saborosa ao
paladar, macia ao tato, perfumada ao olfato, sonhadora aos olhos. “Onde está o olhar, aí está o amor”.
Nosso olhar volta-se para o mundo da paz, porque aí está o nosso coração, o
nosso amor” (Pe.
Libânio).
Na raiz bíblica do
termo “shalom”, (em latim “pax”)
está a ideia de “algo completo, inteiro”.
Paz significa o que é
integral, o que plenifica a vida. A paz
pertence à plenitude, à completude, enquanto a violência está do lado da falta, da carência, do incompleto.
Paz reflete harmonia consigo, boas relações
com os outros, aliança com Deus, enquanto a violência infecciona os relacionamentos, contamina a convivência,
rompe os convênios, exclui os mais fracos.
Há milênios esta palavra
ressoa e ecoa na história dos povos. Inúmeros homens e mulheres a cultivam
secretamente no coração. Todos a invocam. Muitos dão a vida, defendendo-a...
Não há paz sem liberdade, não há paz
sem verdade. A paz autêntica
contém densidade humana. É paz de
consciência inocente dos justos que fazem o bem, dos profetas que se arriscam em
favor dos outros.
Paz
é humanidade alegre, espontânea, confiante.
Paz
não é sossego, não é concordismo, nem cumplicidade.
Paz
requer bravura. Somente o ser humano amante da paz é realmente “perigoso”, não o violento.
Mas, a paz ainda não encontrou espaço para ser
a companheira de estrada em nosso cotidiano. Permanece a promessa profética de
que ela habitará na nossa terra. Assim, o que parece sonho impossível, reina
desde sempre no coração do Senhor, amante da Paz e se realizará, graças àquelas
pessoas revolucionárias, que acreditam, desejam e realizam a paz.
Paz “solidária” que abraça os excluídos; paz “resistência” que não se acovarda; paz “audácia” que não se amedronta; paz “limpa” que não corrompe a ética; paz “profética” que encarna a justiça; paz “rebelada” que não se dobra; paz “estética” que revela a face bela
da nova humanidade...
Na carta de S. Paulo aos
Efésios, Cristo é chamado “a nossa paz” (Ef. 2,14).
A paz é característica do reino messiânico que Jesus inaugurou. Os
discípulos, nas suas andanças, saudavam desejando a paz lá onde entravam, na esperança de encontrar filhos da paz. Do
contrário, a paz voltava a eles (Mt.
10,13). Jesus solenemente nos deixa a paz, nos dá a paz. Ela é fruto do seu Espírito.
A liturgia, ao traduzir o
melhor desejo para os mortos, diz simplesmente: “descansem em paz!” E que
nesse mundo da paz brilhe a luz perpétua. Paz
e luz comungam entre si.
Quem tem paz irradia luz. Quem vive na luz constrói a paz. Paz expansiva, paz
que é respiração da vida, paz marcada pela esperança.
Paz, um bem escasso, mas um
bem tão precioso que é sempre desejado, para que a vida se torne um pouco mais
plena e com sentido: paz interior, paz na família, paz nas relações de
trabalho, paz na ação política e paz entre os povos.
Uma ótima definição de paz a encontramos na Carta
da Terra ao afirmar: “a paz é a plenitude criada por relações
corretas consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras formas de
vida, com a Terra e com o Todo do qual fazemos parte” (n. 16). A paz não é
algo que existe por si mesma, não brota de forma espontânea, mas que deve ser
preparada e cultivada. Isso é o que Jesus fez, ao proclamar, com sua vida, a
chegada da paz messiânica. Ela é o resultado de relações misericordiosas
com as diferentes realidades que nos rodeiam. Sem estas relações
misericordiosas nunca desfrutaremos a paz.
A paz
que Jesus nos comunica não se atemoriza frente à dor, nem se desaba quando
aparecem situações adversas. Abraça estados de ânimo contraditórios, não se
identifica com os altos e baixos das circunstâncias, transcende o imediato. É a
paz que supera toda razão, porque brota das profundezas do ser humano como
“beatitude original”, força expansiva de humanização e revelação do Mistério que
somos.
“A minha paz vos
dou”.
Jesus quer que seus discípulos vivam desta mesma paz que puderam ver nele,
fruto de sua união íntima com o Pai e da profunda comunhão com os mais
excluídos. Jesus é pacificador porque ama sem impor-se, a partir dos mais pobres;
é pacificador porque não responde à violência com violência, porque é manso e
puro de coração.
É evidente que, no contexto de uma
sociedade produtivista, consumista, competitiva, indiferente, preconceituosa e
nada cooperativa, não pode haver paz. Quando muito uma pacificação forçada, por
imposição. Como cristãos temos que criar politicamente outro tipo de sociedade
fundada nas relações justas entre todos, com a natureza, com a Mãe Terra e com
o Todo que nos sustenta. Então florescerá a paz que a tradição ética definiu
como “a obra de justiça”.
A paz nasce no coração daqueles que se deixam
conduzir pelo mesmo Espírito de Jesus.
O ponto de partida da paz cristã é a experiência da vida como gratuidade, ou seja, como
dom recebido de Deus, presente de Sua vida e Seu amor sobre a humanidade ferida
por tantos conflitos. O Deus Criador só atua através da paz e pede que sejamos
mananciais de paz.
Na perspectiva do Evangelho, a paz deve ser
compreendida e vivida como “bem-aventurança” (paz interior), que se abre e se
expressa na busca da pacificação externa.
Inspirados no modo de viver de Jesus, podemos nos
revestir das seguintes “bem-aventuranças” como horizonte e caminho de
pacificação:
- Bem-aventurados aqueles que vivem a
paz como um compromisso com a verdade, e caminham pelas sendas da concórdia, do
diálogo, da acolhida do diferente;
- Bem-aventurados aqueles que chegaram
a compreender que a paz e a justiça caminham de mãos dadas;
- Bem-aventurados aqueles que,
inspirados na arte da pacificação de Jesus e de tantos profetas da paz, descobriram
o valor da não-violência e a vivem cada dia;
- Bem-aventurados aqueles cuja presença
pacificadora se empenham por superar discórdias, solucionar
conflitos, reconstruir relações;
- Bem-aventurados aqueles que afastam
de seu coração as sementes do ódio, da ofensa, do preconceito;
- Bem-aventurados aqueles que, em seu
compromisso em favor da paz, não abandonam a ternura, a proximidade, a atenção
compassiva...
Texto bíblico: João
14,23-29
Na oração: Há lugares em nosso interior que não são
visitados. Há fronteiras, há arame farpado e é por aí que deve começar a
construção da paz.
Jesus revela que a paz é um trabalho muito paciente, de artesanato. Ele era um
artesão, um carpinteiro. Ele sabia que para ser mestre na arte de fazer móveis
era preciso saber aplainar muito bem. A paz
começa nesta arte de aplainar as arestas em cada um de nós; isso significa construir
a paz em nossas diferentes
dimensões: corporal, mental, afetiva, espiritual... Há divisões e conflitos em
nosso interior; é difícil fazer a paz
entre nossa razão e nosso coração, entre o nosso instinto e a nossa
afetividade... Mas nós podemos, pacientemente construir a paz do coração. Paz que
é respiração da vida.
Da nossa interioridade brota a paz que se projeta na relação com os outros, construindo oásis de
acolhida.
- O que prevalece na sua presença junto aos outros: pacífica, harmoniosa, inspiradora... ou
conflituosa, violenta, excludente, preconceituosa...?
- O contexto social e político que estamos vivendo
tem gerado muitas divisões, ódios, preconceitos... O que você tem feito para
contribuir com um ambiente mais pacificado, onde as visões diferentes sejam
respeitadas?