quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Quaresma da Misericórdia

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho indicado para esta Quarta-feira de Cinzas: o sentido das práticas quaresmais (oração, jejum e esmola).
Desejamos uma santa "travessia quaresmal" a todos(as).


“Cuidado! Não pratiqueis vossa justiça na frente dos outros, só para serdes notados” (Mateus 6,1)

Em meio a um mundo desumanizado e sacudido pela violência, lutas fraticidas, intolerância e egoísmo exacerbado, o papa Francisco nos convida a viver um Jubileu extraordinário, colocando a Misericórdia no centro de nossas vidas e respondendo ao chamado que Cristo nos faz: “sede misericordiosos como o Pai”.
De maneira especial, o tempo Quaresmal pode ser um momento privilegiado para que deixemos transparecer no mundo a missão de testemunhas da Misericórdia de Deus Pai-Mãe.

A Quaresma pode ser o ponto de partida de uma transformação de vida; os quarenta dias de duração são um tempo propício para viver a “operação saída”, ou seja, expandir a vida em novas direções, rompendo com aquilo que é rotineiro, estreito e atrofiante. Se, nesse tempo, algo calar fundo, o ano se tornará pequeno para aquele que vive uma existência com mais intensidade, coerência e solidariedade.
Este tempo litúrgico especial certamente mobilizará e ativará todas as dimensões de nosso ser: nossos sentidos se expandirão, olhando, escutando e sentindo a realidade que nos envolve; nossa mente tornar-se-á mais clara, sabendo discernir e não se deixando manipular; nosso coração se fará mais atento e misericordioso diante do sofrimento humano; nossa alegria será o fermento do pão cotidiano, compartilhado com os outros. E se dedicarmos mais tempo ao silêncio e à oração, recobraremos energia e sentido, necessários para sair da “normose doentia” de todos os dias.

A Igreja nos proporciona este momento litúrgico como parada estratégica em meio à voracidade do caminho e perguntar-nos se vivemos como realmente desejamos viver; se haverá algum reajuste necessário para reorientar nossos passos de maneira mais acertada, para estabelecer uma harmonia entre cabeça e coração, desejos e hábitos. A Vida de Jesus, testemunhada nos evangelhos, nos convida a viver de um modo mais integrado e unificado.
Somos o que somos graças a essa matriz de relações que nos conecta conosco mesmos, com os outros, com o Outro e com as criaturas. Não nos estranhará, então, que a liturgia nos convide a perguntar a nós mesmos  como nos relacionamos com nossos desejos/impulsos/decisões (jejum), como consideramos os nossos semelhantes (esmola) e como cuidamos de nossa amizade com Deus (oração).
Nesta perspectiva, as três disciplinas espirituais da Quaresma (oração, jejum e esmola), encontram sua relação com as três dimensões do amor: a Deus, ao próximo e a si mesmo. Não é preciso estar publicando no Facebook ou no WhatsApp cada pequeno passo adiante. De fato, nos diz Jesus: “Vosso pai, que vê no segredo, vos recompensará”.
Neste ano em que celebramos o Jubileu extraordinário da Misericórdia, as práticas quaresmais que a liturgia busca ativar (oração, jejum e esmola) vão mais além de nós mesmos: elas devem ter impacto na relação com os outros, em especial com aqueles que mais sofrem e se encontram mais excluídos.

Com a Quarta-feira de Cinzas damos início à Quaresma e entramos num movimento de discernimento: de quê jejuar e com quê saciar-nos nesse tempo litúrgico? Mais que jejum de alimento e bebida, podemos jejuar de soberba, de vaidade, de consumismo, de fazer-nos centro de tudo, de ativismo, de afetos desordenados (smarts, internet...), jejuar de desculpas frágeis e de distâncias, de indiferença e de frieza nos relacionamentos...
Tudo aquilo de que jejuamos, deixa um vazio em nosso interior e que só o amor poderá preenchê-lo.
O jejum ativa o dinamismo do amor que nos faz mais compassivos, solidários, misericordiosos...
Em definitiva, o jejum e a abstinência nos conduzem ao autocontrole e à autoestima e são sinônimos de desintoxicar-se, desconectar, desapegar-se, desprender-se... Ou seja, fazer tudo o que nos leve a ser pessoas mais equilibradas, autônomas e livres... que tem mais tempo para amar a Deus e ao próximo.

A esmola (“elemosyne”) sempre esteve ligada à compaixão e piedade. Quem partilha do que tem é compassivo e misericordioso (“eleémon”). Trata-se, fundamentalmente, da inclinação para os desfavorecidos. A misericórdia (qualidade da esmola) é a atitude própria de quem tem um coração sensível à miséria do outro. Mantém indissoluvelmente unidos o sentimento de compaixão e ternura com a solidariedade efetiva. Está atenta à necessidade de cada pessoa, que em uns casos será econômica, em outras, psicológica, em muitos, afetiva...
A esmola – misericórdia em ação – é uma atitude central para o cristão. Uma das suas qualidades mais atraentes  é precisamente sua capacidade para criar laços de comunhão. Se cada um põe seus dons e bens a serviço dos outros e se deixa socorrer em suas necessidades, criará verdadeira comunidade.

A oração nos ajuda a amar a Deus e a colocá-Lo como centro de nossa vida. A vivência da oração e de todas as práticas associadas a ela, como o silencio, a solidão, a reflexão, a “consciência plena”, a meditação bíblica, a participação na liturgia da comunidade, a leitura de um livro de espiritualidade..., nos preparam e nos ajudam a entrar em sintonia com a ação de Deus no mais profundo de nosso ser.
Quando oramos, conhecemos e amamos mais a Deus, sentimos sua misericordiosa presença em nosso dia-a-dia, alimentamos nossa vida interior, somos menos artificiais, nos fixamos mais naquilo que nos é dado continuamente como graça, vivemos em contínua gratidão por estarmos rodeados de tanta ternura e beleza, mesmo em meio às situações conflitivas, despertamos empatia para com aqueles que mais sofrem, recobramos novo ânimo para ajudá-los, somos conscientes de nossa fragilidade e pequenez, ao mesmo tempo em que cresce em nós a percepção de nossa maravilhosa dignidade de filhos ou filhas de Deus.

À luz da misericórdia, a esmola, a oração e o jejum não são cargas pesadas sobre nossas costas neste tempo quaresmal e que podemos esquecê-las dentro de algumas semanas. Não são um evento, mas um modo de proceder que tem ressonância na nossa vida. Por isso mesmo, tais práticas quaresmais são uma autêntica revolução e uma alternativa para viver com sentido.
Aqueles que se empenham pacientemente em dar à sua vida um perfil mais evangélico acabam se deparando com o valor do pequeno e do que não é ostentoso, daquilo que nasce do mais profundo e que tem a autenticidade das coisas verdadeiras.
Esse é o movimento de vida despertado pelo tempo quaresmal.

Texto bíblico:  Mateus 6,1-6.16-18

Na oração:  
A oração é o lugar onde se pode indicar “o escondido”, onde aprendemos a decifrar a vida, onde buscamos ter acesso ao nosso tesouro mais apreciado, aquele que não pode ser arrebatado à força e não pode ser comprado por nenhum valor, embora podemos facilmente perdê-lo.


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