Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo
Palaoro, sj (Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana -CEI), como
sugestão para rezar o Evangelho do 4º Domingo do Tempo Comum - Ano C.
“Todos davam testemunho a seu respeito,
admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca” (Lucas 4,22)
“Nós somos palavra”. Somos feitos para
a comunhão, para unir as nossas vidas. É graças à força das palavras que derrotamos o silêncio
angustiante da solidão, derretemos o gelo da indiferença, criamos pontes,
abrimos horizontes e chegamos a lugares jamais imaginados ou tocados pelos
nossos pés.
Quando não existe a troca de palavras,
ditas e ouvidas, a vida é mutilada nas suas expressões mais vitais, as
espirituais. Talvez porque sejam a mais genuína invenção humana.
A palavra tem os atributos
divinos. Os próprios textos sagrados nos dizem que “Deus é Palavra” e,
em Jesus, ela se faz carne.
Chegada a plenitude dos tempos,
Deus disse sua Palavra definitiva e insuperável em Jesus.
Ele,
em sua vida e missão, prolonga a Palavra
criativa de Deus; começa a falar uma Palavra sedutora a partir
da margem geográfica, cultural, religiosa e econômica.
Palavra encarnada, Jesus sintoniza e ajusta sua palavra à palavra do
Pai.
Com
sua vida e sua palavra, Jesus interrompe o discurso dos especialistas
sobre Deus. A surpresa, o desapontamento e o conflito que Jesus provocou,
ensaiam cada dia novas palavras e novos gestos.
Seu
ensinamento, cheio de “autoridade” introduz uma perspectiva nunca ouvida antes;
apresenta uma alternativa que as pessoas mais simples do povo entendem como
revelação do Pai aos pequeninos.
No encontro com
a realidade dos pobres e excluídos, Jesus extrai palavras
significativas, previamente cinzeladas e incorporadas no seu interior, onde
elas revelam dinamismo, sentido e alteridade; sua palavra brota de uma
vida interior fecunda e conduz a uma vida comprometida.
A partir das periferias
do mundo surge um canto de vida nova, a sabedoria oculta a muitos sábios e
expertos. É uma sabedoria que vem de Deus, desconcertando a sabedoria exibida a
partir do centro.
Suas
palavras revelam uma força “re-criadora”,
que é o sentido belo do viver; através delas Jesus põe em movimento a
realidade, reconstrói pessoas feridas em sua dignidade, comunica saúde onde há
enfermidade, faz emergir a vida onde impera a morte.
As palavras tem um peso no anúncio e na atividade missionária de
Jesus; não são neutras.
Como um raio x que transpassa, as palavras
proferidas por Ele iluminam os recantos mais profundos do ser humano; como um
refletor em noite escura, ela reacende a esperança onde tudo já perdeu o
sentido; como a chuva em terra seca, ela desperta novidades na vida, sacode as
consciências adormecidas, põe em questão as atitudes de indiferença e de
fechamento...
É
extraordinário perceber como as palavras ditas com cuidado e amor
(pedagogia de Jesus) produzem efeitos benéficos para o ser humano. Suas palavras
são bem-aventuradas, pois são capazes de fazer crescer, sustentar, edificar as
pessoas para o convívio social, humano-afetivo, espiritual. São palavras
que trazem luz e calor, infundem confiança e segurança.
Suas palavras
jamais deixam as coisas como estão. Elas não se limitam a transmitir uma
mensagem; elas tem uma força operativa, desencadeiam um movimento...
É preciso, a partir do encontro
com Jesus Cristo, “sentir” a palavra que proferimos a cada instante; verificar
se a palavra pronunciada procura traduzir a palavra interior, se sabemos “empalavrar”,
ou seja, “pôr em palavras” nossa realidade interior e exterior.
Desde o nascimento até à morte,
continuamente estamos “empalavrando” nossos sentimentos, sonhos, aspirações...
A palavra abarca todas as expressividades humanas. Ela não se reduz à
oralidade: a gestualidade, a linguagem corporal, a presença solidária e
compassiva... tudo isso também forma parte da palavra humana. Os
comportamentos éticos e os valores também são formas de “empalavramento”.
As palavras
são, ao mesmo tempo, pensamento, ação, sentimento...
Não
possuímos nada que tenha, ao mesmo tempo, o poder e a leveza das palavras.
Em todos os lugares aonde vamos
somos cercados por elas; palavras murmuradas com suavidade,
proclamadas em altas vozes ou berradas irritadamente; palavras faladas,
recitadas ou cantadas; palavras em sites, em livros, em
muros ou no céu; palavras de muitos sons, muitas cores ou muitas formas; palavras
para serem ouvidas, lidas, vistas ou olhadas de relance; palavras que oscilam, que
se movem devagar, dançam, pulam ou se agitam.
As palavras
podem mudar a vida, para o bem ou para o mal. Há palavras que ferem e há palavras
que curam. Há uma palavra que constrói e uma que destrói, uma palavra
que comunica calor e luz, outra que
semeia frieza, uma que infunde confiança, outra que arrasa...
As palavras
nos tocam e nos modelam; às vezes, elas nos tocam como brisa suave, outras
vezes como punhais, mas sempre nos deixando marcas profundas de estímulos ou de
desânimo: sentimentos de alegria ou tristeza, de paz ou inquietação, de fé ou
descrença, de amor ou ódio...
Há uma palavra pela qual tudo começa e
recomeça, outra pela qual tudo termina, deixando o silêncio atrás de si.
Depois de certas palavras, não resta
mais nada a dizer.
Todos
conhecemos pessoas destruídas pelas palavras,
como também pessoas reconstruídas, recriadas pelo toque das palavras. A palavra tem uma força reconstrutora.
As palavras perdem força e
criatividade quando não nascem do silêncio. O mundo está repleto
de “papos” vazios, confissões fáceis, palavras ocas, cumprimentos sem sentido,
louvores desbotados e confidências tediosas, palavras enfeitadas e vazias, sem
alma, nem paixão. Vivemos cercados de “palavras vãs”.
Às vezes temos a sensação de que
as palavras nos saturam: nas aulas,
na televisão, nos jornais, nas liturgias, na Internet, nas redes sociais... há
demasiado palavrório. Carecemos de poesia.
Sem dúvida, em
nossa sociedade pós-moderna, a palavra cada vez tem menos relevância, cada
vez é menos significativa. Elas são atrofiadas, manipuladas ou submetidas a um
violento esvaziamento de significados,
segundo nossa conveniência.
Vivemos hoje uma
“crise gramatical”, ou seja, temos cada vez menos palavras. O leque de
palavras carregadas de sentido é muito limitado. Daí a dificuldade de encontrar
palavras para nomear a experiência de Deus, para expressar as grandes questões
da vida, para dar sentido a uma busca existencial.
Vivemos tempos
de “fratura da palavra” e, portanto, “fratura de sentido”. E a raiz disso tudo
está na carência de uma interioridade, lugar da gestão das palavras de
sabedoria que inspiram nossa vida.
Quem
sabe articular silêncio e palavra é um
verdadeiro artífice da vida.
Texto bíblico: Lucas 4,21-30
Na oração:
Percorrer as palavras
proferidas, normalmente, ao longo do dia: são palavras
que elevam? curam? animam? Palavras marcadas pela esperança? Palavras
carregadas de sentido? Palavras criativas?
Cave palavras nas minas do seu
silêncio, e deixe que o Espírito diga a “palavra” misteriosa,
diferente, reveladora de sua verdadeira identidade. Somente o silêncio poderá
gerar “palavras de vida”.
- Busque palavras
nas profundezas de seu interior, palavras carregadas de sentido e de ânimo.
- Crie silêncio
para poder dialogar com seu eu profundo, para ver o que há atrás de suas
palavras, de seus sentimentos, de suas intenções... Silêncio
para tentar ir ao coração de sua verdade.