sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Advento: novo tempo para escutar novas vozes

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho do 2º Domingo do Tempo do Advento (Ano A).

“É dele que falou o profeta Isaías: ‘Voz de quem clama no deserto...’” (Mt 3,3)

 

Segundo a revelação bíblica, o novo está na margem. João Batista e Jesus foram “homens de margem”.

João Batista, por tradição familiar, deveria ter sido sacerdote do Templo, mas ele constrói sua vida e sua missão no deserto e a partir do deserto.

templo é o espaço dos sacerdotes. O deserto é o lugar dos profetas. Os sacerdotes são os encarregados por manter firmes as estruturas religiosas e o cumprimento da lei. Os profetas têm a missão de despertar as consciências e anunciar a novidade de Deus; eles dificilmente se encaixam nas estruturas religiosas centradas na lei e no templo. O profeta é o homem da liberdade de espírito; é aquele que fala, tanto ao povo, como aos sacerdotes, fariseus e letrados, todos apegados ao templo.

As instituições religiosas e o poder político não querem profetas em suas fileiras, pois são homens que pensam, que anunciam, que denunciam a corrupção, que alimentam o ânimo no povo... As instituições querem funcionários que cumpram e transmitam as ordens que emanam do poder, que estejam preocupados com o funcionamento da estrutura religiosa: seus ritos, suas leis, sua doutrina.

O evangelho deste domingo nos apresenta um personagem curioso; veste-se de um modo que chama a atenção e recorda o profeta Elias. Cada um dos quatro evangelistas nos fala de João Batista, destacando aspectos diferentes segundo a finalidade de seu evangelho, porque o Batista teve uma multidão de seguidores e uma importância extraordinária em seu tempo.

O evangelista Mateus dá um salto cronológico, da infância de Jesus à aparição do Batista. E faz isso através da expressão: “por esse tempo apresentou-se João Batista no deserto...”. Tal expressão deixa transparecer a continuidade da História da salvação. Em seguida nos oferece alguns traços característicos para que possamos reconhecer João Batista como um profeta.

“João usava uma roupa feita de pelos de camelo e um cinturão de couro em torno dos rins; alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre”.No tempo de Jesus o modo de vestir era expressão da identidade da pessoa com mais claridade que hoje; sua figura era já um reflexo do que será sua mensagem: desnuda e sem adornos, pura essência.

João Batista não foi um funcionário do Templo; foi profeta, homem audaz, valente, rigoroso, pouco convencional, que no deserto geográfico e pessoal evocava a escravidão do Egito, a liberdade, a austeridade, o caminho, as buscas... O deserto recordava a Palavra que fora dada ao povo no caminho, o maná, a água viva...

“No deserto”: a realidade nova anunciada, aparece fora das instituições e do templo, que seria o lugar mais lógico, sobretudo sabendo que João era filho de um sacerdote.  E isto é afirmado com toda intenção, ou seja, antes de falar do conteúdo da pregação de João, o relato deste domingo está nos dizendo que sua pregação tem muito pouco a ver com a religião oficial, que se havia afastado do verdadeiro Deus.

A conversão, a vida em sintonia com o Evangelho, não acontece no êxito, no centro da religião, no poder, mas no deserto da marginalidade, na pobreza, na austeridade. As periferias, a simplicidade, a austeridade são lugares de pregação e evangelização, não no “centro e nem no poder”.

João era um inconformista que não se encaixava em nada na maneira religiosa de viver das pessoas normais: nem comia, nem vestia, nem vivia, nem prestava culto a Deus como os outros.

“Muitos vinham ao encontro de João”. São propostas duas ofertas de salvação: a oficial, no templo de Jerusalém e a nova, no deserto. As pessoas se afastavam do templo e buscavam a salvação no deserto, junto ao profeta. A religião oficial havia se tornado inútil: em vez de salvar, escravizava. 

Mais tarde, o evangelista conduzirá toda essa multidão a Jesus, em quem encontrará a salvação definitiva.

João Batista grita pela conversão, para confiar e esperar no Senhor. Esperar não é um seguro de vida. A esperança não é ter segurança, mas confiança no futuro de Deus. Converter-se significa desviar o olhar dos centros de poder para a “margem” de João Batista e de Jesus.

Essa foi a missão de João. Apareceu no deserto não como um sacerdote que convida ao culto, mas como profeta que proclama a mudança, a conversão, a abertura à novidade de Quem está chegando. 

É uma voz que clama no deserto. Mas João é muito mais que uma palavra: é toda uma vida que se faz palavra. Ou melhor, é a palavra feita vida, revestida de vida. Ele é o homem que vai na frente na vida. 

Nos profetas fala a voz, mas sobretudo fala a vida.

O curioso em João está no fato de que é o profeta que não fala aos de “fora”, aos que não creem, aos pagãos, aos que estão longe. Pelo contrário, João é daqueles que fala aos “de dentro”, aos que se consideravam bons, aos que diziam que cumprem a lei, aos que atribuíam a si mesmos o título de “filhos de Abraão”.

É fácil ser profeta para os que estão fora, para os religiosamente marginalizados, para os que não creem. 

O difícil é ser profeta para os de dentro, para os de casa, para os que se dizem “filhos de Abraão”. O difícil é anunciar aos de cima a necessidade de mudança e deixar-se conduzir pelo Espírito que move a ir além da religião, a comprometer-se com as vítimas, muitas vezes da própria religião.

Também é difícil ser profeta dentro da própria Igreja; é difícil anunciar a mudança na Igreja; é difícil proclamar as transformações que o Espírito está pedindo à Igreja.

Parece que todos se sentem profetas frente ao Povo de Deus, desde que seja para manter as coisas como sempre foram. Quem se atreve a proclamar que é preciso uma Igreja diferente, mais evangélica, mais compassiva e samaritana, mais sensível e aberta às margens, mais comprometida com aqueles que se foram ou resistem entrar porque não veem nela a verdade que buscam e que precisam?

Quem se atreve hoje a ser profeta da mudança? Quem se atreve a denunciar uma estrutura religiosa pesada, carregada de legalismos e moralismos, correndo o risco de ser declarado “persona non grata” ou simplesmente “suspeita”, como foi o próprio João.

Neste tempo de Advento, a figura de João Batista vem nos dizer que a Igreja precisa de profetas dentro da própria Igreja. A Igreja precisa de profetas que escutem a voz de Deus nos “sinais dos tempos”; precisa de profetas que, em nome de Deus, falem da necessidade de mudança de mentalidade, de conversão profunda e de transformação da realidade, tão injusta e violenta.

O Papa Francisco nos indicou as mudanças de atitudes que precisamos; podemos indicar algumas de grande importância:

- Colocar Jesus no centro da Igreja: “Uma Igreja que não leva a Jesus é uma Igreja morta”.

- Não viver numa Igreja fechada e autorreferencial: “Uma Igreja que se fecha no passado trai sua própria identidade”.

- Atuar sempre movidos pela misericórdia de Deus para com todos os seus filhos; não cultivar “um cristianismo restauracionista e legalista que quer tudo claro e seguro”.

- Buscar uma Igreja pobre e dos pobres; ancorar nossa vida na esperança, não “em nossas regras, nossos comportamentos eclesiásticos, nossos clericalismos”.

Celebrar o Advento é construir a esperança comum. Sempre é tempo de esperança, mas Advento o é de maneira especial. A esperança abre os olhos, a desesperança os fecha. Podemos estar vivendo muito tempo sem perceber o que realmente está acontecendo ao nosso redor, as maravilhas, os pequenos milagres que nos envolvem na vida cotidiana, nas relações humanas, na história da salvação.

A esperança é a onda na qual podemos nos sintonizar com a essência do Evangelho.

Os símbolos do Advento: a segunda semana - Vatican News


Texto bíblico: Evangelho segundo Mateus 3,1-12

 

Na oração:

Ancorado no seu coração e no coração da realidade, que novas “vozes” você está captando? Para onde elas apontam? São vozes de vida? São vozes provocativas, ousadas...?

- Como viver em sua comunidade cristã a missão de ser profeta, prolongando a missão de João Batista?

- Em seu interior e na sua comunidade há lugar para o “novo”, uma nova esperança, uma transformação...?

- Em sua comunidade predomina a estrutura do templo (centralidade do sacerdote) ou a inspiração do deserto?

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