Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 16º. Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“Vinde
sozinhos para um lugar deserto, e descansai um pouco” (Mc 6,31)
A vida,
toda vida, tem sua dose de cansaço.
Também Jesus experimentou isso: “Fatigado da caminhada, sentou-se junto
ao poço”
(Jo 4,6).
De que
estava habitado o cansaço de Jesus? Marcos nos conta que eram muitos que chegavam e
saiam, e não lhes sobrava tempo nem para comer. É um cansaço perpassado de
rostos, que tem a ver com a vida que se gasta e se põe a fadigar por outros: “Levavam a eles
todos os enfermos e endemoniados” (Mc 1,32).
De fato, de acordo com o evangelho deste domingo, as jornadas de Jesus se
revelavam esgotadoras: muitos enfermos eram levados até Ele para que os tocasse
e os curasse; muitas pessoas se aproximavam para escutá-lo; era muito exigido
em todos os lugares por onde passava; os conflitos desgastantes com os
fariseus...
Jesus
sentia os cansaços e as pressões, mas, ao mesmo tempo, sabia fazer “paradas”
para recuperar as forças, para retomar o contato com o sentido de sua vida e de
sua missão, para ser Ele mesmo.
Ele
possuía uma lucidez que proporcionava uma visão profunda das coisas, no clima
de uma paz sempre buscada. Para Jesus, o descanso,
entre outras coisas, era um momento de restauração e reabilitação pessoal que
lhe permitia mergulhar de novo na sua missão com maior criatividade.
Talvez, por
isto, nunca perdia o norte, sempre estava preparado, pronto, disposto a investir
o melhor de si e a responder na direção adequada.
De que
estão feitos nossos cansaços?
Todo esforço precisa seu
descanso, toda atividade pede uma parada.
Não há tensão que não exija um
relaxamento, nem atividade continuada que não peça um repouso reparador. Os cansaços
acabam nos revelando que, em nossa vida ativa, estamos amputando certas
dimensões do humano. Assim, o descanso,
em seu sentido nobre, impede que nos convertamos em meros trabalhadores
estressados; ele nos arranca de nossa existência maquinal.
É
sintomático o fato de recorrermos frequentemente ao uso da linguagem da máquina
para expressar o que buscamos com o descanso: “desconectar”, “tirar da tomada”, “recarregar a
bateria”, “recuperar a energia”, “reabastecer o motor” ... Sutilmente,
expressamos deste modo como nos percebemos em nossa realidade cotidiana e até
que ponto estamos suportando níveis intoleráveis de saturação, de ativismo, de
stress...
Descansar tornou-se
uma necessidade do planeta. A terra, nós e todos os seres vivos precisamos da
pausa que revigora, do repouso que nos faz criativos.
Prazer, vitalidade e criatividade dependem dessas pausas que estamos negligenciando.
Devemos buscar, em cada circunstância, fazer do descanso uma ocasião de subversão de valores, de questionamento de
nossa prática cotidiana, de enraizamento de nossa missão... enfim, de vivê-lo à
maneira de Jesus Cristo.
O descanso nos conserva humanos; ele nos ajuda a recuperar um ritmo
de vida mais humanizante, ou seja, recuperar a capacidade de estabelecer
relações gratuitas com outras pessoas, com a natureza e seus ritmos, com o
Criador... Não basta simplesmente poder folgar; ter acesso ao verdadeiro descanso é recuperar o sentido da
gratuidade das nossas atividades e que melhoram a vida e a convivência.
O descanso
pode ser um bom tempo para retomar a vida com mais liberdade e para realizar
atividades mais humanizantes. Nesse sentido, o objetivo principal do descanso é recuperar nosso lugar e
nossa condição de homens e mulheres, afastando de nós o endeusamento e as
fantasias de onipotência.
No descanso,
voltamos a pisar a terra (húmus – humildade) para recuperar
uma relação desinteressada e sadia com os outros, com o mundo e com Deus.
A vida
tem necessidade de “con-sideração”, “avaliação”, “fundamentação” ... Do contrário,
ela perde densidade e, sobretudo, desperdiça sua própria beleza.
Por mais descansos que tenhamos, há cansaços que só se aliviam através
do encontro consigo mesmo, e há descansos que só se conseguem quando
nos reconciliamos com o que somos e vivemos.
Precisamos de “paradas”,
mas paradas com argumento interior. Elas devem ser algo assim como um
retorno contemplativo, uma “re-flexão” em direção à raiz de
nossas motivações.
O descanso permite sintonias profundas
conosco mesmo e com a profundidade das circunstâncias habituais que fazem parte
do nosso cenário cotidiano.
Ele
desperta uma predisposição pessoal que pode ser decisiva para redescobrir o
valor e o sentido do cotidiano no qual voltamos a mergulhar. O descanso inspira, nos faz criativos,
porque toca as profundezas de nós mesmos e das atividades rotineiras.
Nesse sentido, o descanso se assemelha muito a uma certa
ressurreição; não é um simples reabastecimento, mas uma regeneração na qual se
recompõe a interioridade, o espírito criativo, a disposição de coração...
“Vinde sozinhos para um lugar deserto...” O descanso
não é uma “des-conexão”, senão uma “conexão” com aquilo que é o impulso
fundamental de nossa vida cotidiana. O descanso
nos possibilita afastar do rotineiro e nos faz caminhar ao deserto
interior, onde podemos dirigir um olhar contemplativo sobre a vida
cotidiana. Nele nos desprendemos do presente e de sua urgência tirana.
No deserto nos personalizamos, resgatamos
nossa identidade; nele temos a chance de ver a realidade sem
instrumentalizá-la, gratuitamente. E só no gratuito é que descansamos.
Deste modo, o descanso
também pode se constituir como um “tempo” privilegiado para uma
intimidade com o Senhor, um espaço em nossa existência para estar gratuitamente
com Ele, para saborear sua presença em nossa vida, para alegrar-nos com sua
ação providente e cuidadosa.
“Tempo sagrado” para dirigir nosso olhar para o Pai, para
compreender, a partir d’Ele, o sentido das coisas e da história. “Tempo” para Deus, para mergulharmos no
mistério que pulsa no profundo da vida e render-nos diante d’Ele, para
descalçarmos diante do sagrado e
contemplar.
A mística inaciana tem muito a nos revelar sobre esta atividade tão
divina e tão humana: o descanso.
“Viver descansadamente” (S.
Inácio), é encontrar um descanso, uma paz interior, uma quietude, uma
consolação, uma satisfação na vida e nas atividades, e que tem sua raiz na
comunhão com Deus que trabalha e descansa. A vida do “contemplativo na ação” é
uma vida ativa vivida “descansadamente”, ou seja, na
presença de Deus, com o coração centrado n’Ele, fazendo somente Sua Vontade...
Viver uma
vida ativa descansadamente é viver com os pés na terra e contemplando as “coisas do alto”.
Como homem pragmático, Inácio de Loyola mandou construir casas de descanso para os jesuítas, pois sabia, por experiência, que uma atividade forte pede relaxamento. Ele compreendeu que os ambientes tensos e atividades estressantes não são desejáveis nem para a vida espiritual, nem para o trabalho, e recomenda “recreação” e “relaxamento” na atividade, seja corporal ou espiritual.
Texto bíblico: Evangelho segundo Marcos 6,30-34
Na oração:
Também na vida espiritual,
necessitamos de pausa para um encontro profundo conosco e com Deus, e assim
poder retomar a vida com mais dinamismo. A pausa
é que dá sentido e inspiração à caminhada.
- Na perspectiva do discernimento, devemos, depois de cada descanso, nos perguntar:
“o que ele
nos trouxe de novidade? Ajudou a nos dignificar como pessoas? Melhorou a
relação com os outros? facilitou ao outro sentir-se bem? quê possibilidades
novas nos apresentou?”
“Descansar é uma arte. Viver descansadamente, uma arte ainda mais
delicada” (J.A. Guerreiro)
- Seu descanso: É tempo de humanização ou mais um
stress na sua agenda?