“E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15)
A festa de S. Pedro e S. Paulo pode ser
uma ocasião privilegiada para aprofunda nosso “ser Igreja”;
pertencemos à Comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus, prolongando seu
modo de ser e viver; Ele iniciou um “movimento de vida”; por isso se distanciou
de todo poder e se
preocupou especialmente das pessoas marginalizadas; cercou-se de mulheres e
homens dispostos a continuar seu caminho, anunciando a mensagem do Reino de
Deus; proclamou as bem-aventuranças como modo de viver; denunciou as opressões e injustiças
tornando realidade a salvação do Deus Pai e Mãe, através de suas curas.
Hoje este movimento quer se fazer presente e continuar nas
comunidades cristãs de base, espalhadas pelo mundo, distantes, em muitos
aspectos, da estrutura clerical e em conflitos com os interesses e objetivos da
instituição eclesiástica, centrada no poder e no controle das pessoas.
No relato do evangelho deste domingo percebemos que foi
importante para Jesus saber o que as pessoas pensavam d’Ele. Mas, é possível
que isso tenha sido apenas uma introdução para a segunda pergunta, dirigida aos
próprios discípulos. De modo particular, a Jesus lhe interessava não tanto
saber o que os outros sabiam ou pensavam d’Ele, mas o “que Ele significava para eles?”, depois de um bom tempo de convivência.
Assim, Pedro confessa a verdadeira
identidade de Jesus (“Messias, o Filho do Deus vivo”); ao mesmo tempo, Jesus des-vela a identidade de
Pedro: “Tu és
“petros” (pedregulho) e
sobre esta “petra” (rocha) edificarei
minha igreja”. Pedro se torna rocha firme (“petra”)
quando se apoia na identidade de Jesus (a verdadeira Rocha).
Pedro, que era “petros”
(pedra de tropeço no caminho), foi sendo transformado, através da identificação
com Jesus, em “petra”, rocha firme
da primitiva comunidade cristã.
Dessa forma, o Simão que era “petros” /pedregulho
se converte em “Petra”/rocha firme, porque o mestre des-velou a nobreza que
estava escondida no coração dele, ou seja, sua verdadeira identidade sobre a
qual o mesmo Jesus iria edificar sua Igreja.
Todo ser
humano possui dentro de si uma profundidade
que é o seu mistério íntimo e pessoal; trata-se do “eu original”, aquele lugar santo, intocável, sólido, onde se
encontra o fundamento para poder construir a própria vida. É aqui onde a pessoa
encontra a sua identidade pessoal;
trata-se do coração, da dimensão
mais verdadeira de si, da sede das decisões
vitais, lugar das riquezas
pessoais, onde ela vive o melhor de
si mesma, onde se encontram os dinamismos
do seu crescimento, de onde parte as suas aspirações
e desejos fundamentais, onde percebe as dimensões do Absoluto e do Infinito
da sua vida.
A essência do próprio ser é a rocha consistente e
firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem para encontrar segurança e
caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis conflitos.
Com confiança em si e na rocha do próprio interior,
todas as forças vitais se acham
disponíveis para crescer dia a dia, para a pessoa se tornar aquilo que
originalmente é chamada a ser.
De “petros” a “petra”: esse é o des-velamento que
acontece em todo seguidor de Jesus quando escuta e vive sua Palavra, proclamada
no Sermão da Montanha.
Nossa identidade profunda é constituída pela
fragilidade/petros e pela fortaleza/petra. Só no encontro com Aquele que é a
Rocha firme é que transparece a “petra” que está oculta em nosso interior.
A pergunta de Jesus, dirigida a Simão Pedro, deve ter uma
profunda ressonância em todos nós; aqui, o decisivo não é o quanto sabemos
d’Ele, nem que doutrinas ou teorias sobre Ele seguimos, nem qual é a nossa
teologia sobre Ele. Para Jesus lhe interessa mais “o
significado, o sentido de Sua Vida em nossas vidas”.
Muitas
vezes a própria comunidade cristã está muito mais preocupada com a “ortodoxia
doutrinal” e não se empenha em revestir-se da Vida de Jesus. Há mais
condenações doutrinais que condenações de falta de vivências. É preciso “mais
evangelho e menos doutrina”
(Papa Francisco).
A
fé implica ideias e doutrinas. Mas a fé não é crer em doutrinas; é crer em
“Alguém”; e, crer em Alguém que seja o centro de nossas vidas, em Alguém que
inspira as nossas vidas, em Alguém que dê sentido ao que fazemos e como
fazemos.
Começamos
a ser cristãos quando nos deixamos impactar pela pessoa de Jesus e decidimos
seguir seus passos e viver como Ele viveu. Podemos saber muita teologia sobre
Jesus e ter uma vivência d’Ele muito pobre. O que importa é o “Jesus Vida e na
vida”.
Todos estamos seguros de que Jesus é o centro de nossas
vidas, mas não nos atrevemos a nos questionar por dentro. Com isso, nosso
seguimento vai se esvaziando e se tornando pura normatividade.
Para aprofundar nossa fé em Jesus, é preciso nos perguntar
constantemente por ela: que significado Ele tem em nossas vidas? Que
implicações tem no nosso cotidiano o modo de ser e de viver de Jesus?
Porque não basta dizer que cremos nele; é preciso
perguntar-nos: em que Jesus cremos e quem é Ele para nós? Tal pergunta nos
conduz a uma identificação com o estilo de vida d’Ele. Afinal, somos seguidores
de uma Pessoa e não seguidores de uma religião, de uma determinada igreja, de
doutrinas, de ritos...
Evidentemente, Jesus não “instituiu” nenhuma
“estrutura eclesial” propriamente dita, nem uma doutrina, uma liturgia, um
governo... Jesus pôs em marcha um movimento
que, através de muitas circunstâncias e
adversidades históricas, desembocará em igrejas organizadas e, muito mais
tarde, em uma Igreja centralizada, com uma estrutura hierarquizada e com poder.
No entanto, a verdadeira comunidade cristã é aquela que se deixa conduzir pelo mesmo
Espírito do Ressuscitado, soprado sobre cada um dos seus seguidores(as); ela é
o ambiente propício para personalizar a fé
e vivê-la como con-vocação e
co-responsabilidade com os outros; ela é o espaço privilegido para
reforçar os laços de verdadeira amizade, interna e externa; ela é o lugar extremamente válido para a
formação de cristãos comprometidos com a causa do Reino e com a evangelização
de seu meio.
O Papa Francisco vem pedindo insistentemente à
Igreja sua conversão sinodal. Muitos nem sabem o que isso significa;
outros resistem a qualquer mudança. Mas, na realidade, estamos vivendo uma
mudança de época, favorável à conversão sinodal, uma mudança urgente.
Que a Igreja seja “sinodal” é de sua essência mesma
como Comunidade de seguidores(as) de Jesus. A conversão sinodal é retomar o
início fundamental da mesma Igreja. São séculos de história onde houve um
caminhar de outra forma. Sua conversão, portanto, é urgente e inadiável.
“Sinodal” significa
“caminhar com”. Em grego, “sin” é “com” e “odos” é “caminho”. A
Igreja é Sinodal porque a totalidade de seus membros, todos e todas “caminham
uns com os outros”, muito unidos. Todos e todas são iguais em seu valor, sua
dignidade, são ativos e participativos... Isso implica ter uma capacidade de
escuta mútua, ativar o espírito de discernimento, tomar decisões buscando o bem
de todos.
O cristão deve estar imbuído de mentalidade profundamente eclesial, de maneira que o seu sentir, pensar, falar e agir entre em sintonia com o sentir, pensar, falar e agir da grande comunidade cristã.
Textos bíblico: Evangelho segundo Mateus 16,13-19
Na oração:
A
pergunta de Jesus dirigida aos discípulos pode se expandir nestas outras
perguntas:
- Seguimos Jesus com paixão ou Ele se
converteu para nós em um personagem gasto, ao qual continuamos invocando
enquanto em nosso coração vai crescendo a indiferença e o esquecimento do modo
de ser e viver do mesmo Jesus?
- Aqueles que se aproximam de nossas
comunidades cristãs podem sentir a força e o atrativo que Jesus tem para nós?
Sentimo-nos discípulos e discípulas de Jesus? Estamos aprendendo a viver Seu
estilo de vida em meio à sociedade atual, ou nos deixamos arrastar pelo impulso
consumista e egocêntrico? Dá no mesmo viver de qualquer maneira, ou fazemos de
nossa comunidade uma escola para aprender a viver como Jesus?
- Temos aprendido a encontrar Jesus no silêncio do coração, ou sentimos que nossa fé vai se apagando, afogada pelo ruído e pelo vazio que há dentro de nós?