Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o relato da "Entrada de Jesus em Jerusalém" - Domingo de Ramos.
Humanizar nossa Jerusalém através de relações mais amorosas
Depois de um longo percurso quaresmal chegamos às portas das celebrações
centrais da nossa vida cristã: Paixão,
Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.
Nas celebrações da Semana Santa, muitas vezes corremos
o risco de nos deter no secundário e esquecer o essencial. E o mais essencial é
que as diversas celebrações (procissões, via sacra, liturgias...) nos aproximem
e nos façam crescer na identificação com o protagonista principal: Jesus de Nazaré.
Por isso, precisamos voltar constantemente ao Evangelho para compreender
o mais essencial sobre Jesus. Recuperemos, como diz o Papa Francisco, o frescor
original do Evangelho.
E a primeira coisa que o Evangelho nos diz é que Jesus foi um buscador
de alternativas.
Ele não foi conivente e nem compactuou com a estrutura
social-política-religiosa de seu tempo, que era profundamente desumanizadora.
Sonhou novas possibilidades de vida e novas relações entre as pessoas. Por
isso, ao anunciar o Reino, transgrediu a situação vigente e, a partir das
periferias, foi despertando uma alentadora esperança nos corações dos mais
pobres e excluídos, vítimas de um mundo fechado.
Jesus sempre sonhou com uma “nova humanidade”.
A Campanha da Fraternidade deste ano (“Vós sois
todos irmãos”) constata esta realidade: há profundas divisões e conflitos
em nossa sociedade, rompendo as relações fraternas e acentuando mais ainda os
diferentes distanciamentos que estavam escondidos, mas que agora vieram à tona
com mais força. A Paixão de Jesus continua na paixão dos excluídos, das vítimas
e de todos os rejeitados de nossos ambientes.
A vida de Jesus foi uma grande subida em direção a Jerusalém; e
nesta subida, segundo os relatos evangélicos, Ele desconcertou a
todos. Evidentemente, desconcertou as pessoas mais religiosas e observantes da
religião judaica: fariseus, escribas, sacerdotes, anciãos...
Ele desencadeou na história da humanidade um “modo de viver” que quebrou
toda estrutura petrificada, sobretudo religiosa, constituindo um “movimento”
ousado que colocava o ser humano no centro.
Este movimento, desencadeado na Galileia, chega agora às portas da
“cidade santa”, Jerusalém. Aquele homem que movia multidões por todo o país,
por sua pregação e milagres, não é um revolucionário violento. E, no entanto,
nem por isso deixou de ser provocativo, transgressor e perigoso. E tudo em nome
da vida.
Jesus participava do sonho de todo o povo de Israel que via em Jerusalém a cidade da promessa de paz
e plenitude futura, lugar para onde deviam vir em procissão todos os povos da
terra. A tradição profética havia anunciado uma “subida” dos povos, que viriam
a Jerusalém para iniciar um caminho de comunhão, de justiça e adorar a Deus no
Templo, que estaria aberto para todos. Toda a cidade se converteria num grande
Templo, lugar onde se cumpriria a esperança dos povos.
Jesus, presença de vida nos povoados, vilas e campos,
quis também levar vida a uma cidade que carregava forças de morte em seu
interior. Ele quis pôr o coração de Deus
no coração da grande cidade; desejava re-criar, no coração da capital, o ícone
da nova Jerusalém, a cidade cheia de humanidade
e comunhão, o lugar da justiça e fraternidade...
Jesus entra na grande cidade de Jerusalém montado num
jumentinho, sinal da humildade e da simplicidade; sinal da pobreza evangélica,
que são os verdadeiros sinais de sua messianidade. E morrerá desnudo em uma
cruz, em meio às chacotas e burlas de todos.
Não basta pregar a pobreza; é preciso descer ao mundo
dos pobres. Não basta falar dos pobres; é preciso fazer-se pobres com os
pobres, partilhando a mesma pobreza. É preciso menos sapatos lustrados e mais
pés cheirando a pó dos caminhos. Deus não necessita de Ferraris e Mercedes; a
Deus lhe basta um jumentinho.
As nossas cidades também estão se revelando, cada
vez com mais intensidade, como espaço de grandes rupturas e violências, lugar
de exclusão e isolamento, visibilização de uma desumanização trágica.
Também os muros
estão voltando à moda. Há em todo ser humano uma tendência a cercar-se de
muros, a encastelar-se, a criar uma rede de proteção. Os muros, no interior das
cidades, são muito concretos: muros sociais, religiosos, políticos,
culturais... Com tantos muros é impossível estabelecer relações de fraternidade
e reconciliação.
O gesto profético de Jesus de “entrar em
Jerusalém” nos convida a contemplar nossas cidades e nos desafia
ser presença evangélica, portadora de vida nos nossos grandes centros urbanos.
Por causa de seu tipo de vida e de sua espiritualidade,
o(a) seguidor(a) de Jesus desenvolve uma relação específica com o espaço
urbano. Para ele(ela), a cidade é
também o espaço para a busca e o encontro de Deus. Podemos falar de um “típico
modo de proceder cristão” em sua referência ao espaço urbano.
A
cidade é uma realidade humana que
pode e deve ser iluminada pelo Evangelho,
sustentada pela graça, animada pela esperança da vinda do Reino. É
necessário aprender a ler a cidade
com os olhos caridosos, pacientes, misericordiosos, amigos, fecundos, cordiais...
É
preciso reconhecer o bem profundo
que habita o coração de tantas pessoas da cidade; é necessário perceber e
sentir a força da ação do Espírito
em cada canto da cidade e em cada rosto anônimo que encontramos.
Deus
constrói a cidade perene, a cidade sem muralhas, a cidade da plenitude e da
amizade, a cidade da fraternidade na qual todos se reconheçam como irmãos e
irmãs sob um único Nome e sob um único Céu. Deus é o grande arquiteto; é Ele
quem constrói, para a humanidade, a imensa cidade na qual todos se reconhecem
fraternos, próximos, ternos...
Como
seguidores(as) de Jesus, é preciso voltar a “pôr o coração de Deus no coração da grande cidade”, para
renová-la a partir de dentro.
Faz-se
necessário uma opção por adentrar e viver imersos, com todas
as consequências, no interior dos
grandes centros urbanos, em seu coração, para aí descobrir o verdadeiro coração de Deus, que pulsa ao ritmo dos
despossuídos, dos
excluídos, dos sofredores e dos sedentos por uma vida mais digna.
Nosso
zelo e amor pelo Evangelho e pela semente do Reino que nele está contida, deve favorecer o advento de uma “Nova
Jerusalém”; é preciso
cuidar o coração do “ser humano urbano”, esvaziá-lo, limpá-lo, aquecê-lo, transformá-lo
em humilde receptáculo, para que o
Espírito do Senhor possa pousar-se e habitar nele como num ninho acolhedor,
transmitindo-lhe vida, luz, calor, paz, ternura...
Uma das tarefas prioritárias
do cristão de hoje é ajudar as comunidades cristãs a criar espaços fraternos de silêncio, de oração, pulmões que
impedirão a asfixia de nossas grandes cidades;
* encontrar
lugares de “silêncio
pacificador” na vida pública;
* nossas
instituições devem ser “escolas do
silêncio habitado”.
A espiritualidade urbana deve nos possibilitar “paradas” com a finalidade de olhar em profundidade e “ler” tudo à luz da Palavra de Deus. A cidade é o lugar por excelência do discernimento, porque é o espaço de decisão onde se constrói o futuro comum. Lugar da política, da cultura, da educação, da saúde... onde se forjam as mudanças, a capacidade de criar novos modos de existir, de romper com as estruturas que desumanizam e buscar o diferente, o novo, o desconhecido...
Para oração:
+ Leia atentamente o Evangelho indicado para a
procissão de ramos; prepare-se para fazer uma contemplação: Mc 11,1-10
+ Com a imaginação recrie o cenário evangélico: a
cidade de Jerusalém, o grande Templo, a diversidade de pessoas... Com a chegada
de Jesus, montado em um burrinho e uma grande multidão, faça-se presente,
procurando olhar as pessoas, escutar o que elas dizem, observar o que elas
fazem...
+ Faça um colóquio com Jesus, expressando sua
admiração pela atitude ousada e corajosa dele. Fale com Ele sobre sua presença na cidade onde mora: desejo de ser
presença inspiradora, profética, de compromisso com a construção de relações
humanizadoras...
+ Traga à “memória” o que é mais desumano na sua
cidade: como você reage diante disso? passivo? suporta? denuncia? atua?...
+ Procure descobrir “sinais do
Reino de Deus” no meio do ritmo frenético de sua cidade.
+ Traga à mente nomes de
pessoas corajosas e criativas que contagiam e fazem crescer a esperança na sua
cidade.