Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o relato da "Entrada de Jesus em Jerusalém" - Domingo de Ramos.
“Quando Jesus entrou em Jerusalém a cidade inteira se agitou, e diziam: ‘Quem é este homem?’
Jesus participava do sonho de todo o povo
de Israel que via em Jerusalém a
cidade da promessa de paz e plenitude futura, lugar da acolhida, ambiente
fecundo onde ninguém passaria fome, pois todos teriam o direito de participar
da “grande mesa do pão”. A tradição profética havia anunciado uma “subida” dos
povos, que viriam a Jerusalém para iniciar um caminho de comunhão e justiça e
adorar a Deus no Templo, que estaria aberto para todos. Toda a cidade se
converteria num grande Templo, lugar da inclusão e da partilha, onde se
cumpririam as esperanças dos povos.
Com sua entrada em Jerusalém, Jesus quis recuperar a cidade como lugar do
encontro e da comunhão, como espaço da paz e da solidariedade..., desalojando
aqueles que se fechavam a qualquer tentativa de mudança. Por isso, seu gesto
provocativo e escandaloso de entrar na cidade montado num jumentinho, símbolo
da simplicidade e do despojamento de qualquer pretensão de poder e força,
causou violenta reação naqueles que se beneficiavam da estrutura política e
religiosa da cidade.
Jesus entrou em Jerusalém rodeado pelo povo
simples. Este povo, escravo e oprimido, o aclamou porque viu n’Ele uma luz de
esperança, de vida, de libertação; escutou seus ensinamentos e viu seus feitos
durante alguns anos; sentiu-se tocado pelas palavras de vida, de justiça, de
amor, de misericórdia, de paz...
Também viu seus gestos de cura dos
enfermos, de defesa dos fracos, de oferta de alimento aos famintos, de
reabilitação dos desprezados, de acolhimento dos marginalizados, de denúncia
dos opressores...
Jesus quis continuar anunciando e
realizando na cidade de Jerusalém aquilo que fizera na região excluída da Galileia;
quis também humanizar esta cidade para que ela fosse sol de justiça e paz para
todos os povos.
Esta é a cidade que Deus deseja: uma
praça da alimentação, uma mesa celebrativa para
todos. A praça é de todos e todos podem ter acesso a ela, todos podem
circular livremente, criar relações e convivência, fazendo a experiência de
serem aceitos e reconhecidos como humanos.
A mesa, no centro da praça, é lugar
de hospitalidade, de festa e de memória, lugar da partilha do pão e dos frutos
da terra. Ali ninguém passa fome.
Compartilhar
a mesa é o grande símbolo da convivialidade, da reconciliação e da
inclusão. O ritual da mesa
rompe as distâncias e garante a proximidade, estabelece o estreitamento dos
vínculos com o diferente. Junto à mesa, cada um se coloca diante do
outro, não importando as diferenças de vida, de opções. A
comunhão acontece por meio de um gesto que não é de poder, mas de esvaziamento,
não é de apropriação, mas de partilha, não é de fechamento, mas de abertura das
mãos que acolhem, que distribuem...
A
mesa da refeição se torna lugar de humanização do ser
humano. Espaço de verdadeira reserva de humanidade. Muitos são aqueles que
sabem abrir as mãos, partir o pão, saciar a fome do irmão.
Com o gesto do “re-partir”
se estabelece uma rede de relações
entre as pessoas que aceitam conspirar, co-inspirar, o mesmo ar,
o mesmo sonho, a mesma causa.
E nada fica como
estava... encantamento que faz ressuscitar a vida que já estava morta; refeição que transforma os desertos em mananciais
de água.
Fazer memória da entrada de Jesus em
Jerusalém pode ser uma ocasião privilegiada para transitarmos por nossa Jerusalém interior, um bom espaço onde
encontrar a nós mesmos, identificar-nos com os diferentes personagens e
sentir-nos parte daquela história. O relato da Paixão de Jesus revela ser
também a história de cada um de nós. Porque, afinal de contas, é uma história
que aconteceu no passado e continua acontecendo também hoje em nossa
interioridade. E é a partir do hoje que nós temos de vivê-la, numa atitude
contemplativa. E é a partir de nós, e não a partir daqueles personagens de
então, que teremos de assumi-la.
Vamos, então, com
Jesus montado num jumentinho, transitar pelas ruas de nossa Jerusalém interna,
reconhecendo os diferentes personagens que ali atuam e que significam
diferentes atitudes vividas por cada um de nós. Cada personagem do evangelho é
um espelho onde nos vemos.
Jerusalém não é só uma cidade geográfica, situada na Palestina.
Domingo de Ramos nos motiva a fazer o percurso em direção à nossa Jerusalém interior. Mas, para descer em
direção a esta cidade é preciso despojar-nos da vaidade, do prestígio e do
poder, montado no jumentinho da simplicidade.
Nossa Jerusalém interior é também
lugar das contradições e ambiguidades; ali dentro experimentamos a trama de
relações conflitivas, ali nos deparamos com as angústias, carências e
dúvidas...
É preciso cuidar o
coração da nossa “Jerusalém interior”, esvaziá-lo, limpá-lo, aquecê-lo,
transformá-lo em humilde e acolhedor espaço, para que o Espírito do Senhor
possa aí descer e habitar, transmitindo-lhe vida, luz, calor, paz, ternura...
É preciso voltar a
pôr o “coração
de Deus no coração de nossa Jerusalém”. Faz-se necessária uma opção corajosa,
como Jesus, para entrar e estar no interior de nossa Jerusalém, para aí
descobrir o verdadeiro coração de Deus, que pulsa no ritmo dos excluídos, dos
sofredores, dos sedentos.
A Campanha
da Fraternidade deste ano quer despertar em nós uma sensibilidade solidária
com aqueles que são vítimas de uma estrutura social e política que concentra os
bens nas mãos de poucos, de maneira especial os alimentos. “Fraternidade e
fome” denuncia a vergonhosa chaga social dos famintos em um país que é
grande produtor de alimentos. A fome clama aos céus e ressoa em nosso coração;
ela é expressão de uma profunda incoerência dos cristãos que se dizem
seguidores d’Aquele que veio multiplicar os alimentos. Estamos muito distantes
das primitivas comunidades cristãs que “tinham tudo em
comum, partiam o pão pelas casas com
alegria e simplicidade de coração” (At 2,46).
Nosso coração deve se revelar como
“praça da alimentação”.
O lema
da Campanha da Fraternidade deste ano – “dai-lhes vós mesmos de comer” – nos revela que nosso
interior é uma reserva de “alimentos humanizadores”: compaixão,
desejos nobres, dons originais, criatividade, espírito de busca... São
alimentos que plenificam e dão sabor à nossa vida. É preciso extraí-los e
multiplicá-los para que a fome de sentido e de esperança das pessoas seja
saciada. Ninguém tem o direito de armazenar nos seus celeiros o “trigo” doado
por Aquele que é fonte de todo “alimento salutar”. Afinal, alimento guardado é
alimento que apodrece. Vida partilhada é vida abundante.
“Dai-lhes vós mesmos de comer”: este apelo nos inquieta, ativa nossa sensibilidade
e nos faz ampliar a visão em direção à grande multidão de famintos, presentes
em nossas cidades: famintos de alimento, de proximidade, de justiça, de
comunhão, de afeto...
Para
Jesus, uma humanidade constituída por nações, cidades, instituições ou pessoas
comprometidas em alimentar os famintos, vestir os desnudos, acolher os
imigrantes, atender os enfermos e visitar os presos, é o melhor reflexo do
coração de Deus e a melhor concretização de seu Reino.
Esta é a utopia do Reino; tudo está reconciliado: o cosmos, com a natureza verde e em paz; os produtos do trabalho humano, da generosidade do mar e da terra; e as pessoas, numa relação harmoniosa entre elas mesmas e com Deus, sem exclusões, competições nem privilégios. Isto é possível porque todos se deixam afetar pelo dom do mesmo Reino que cresce já no coração de todos.
Texto bíblico: Mt 21,1-11
Na
oração:
Procure descobrir
os sinais do Reino de Deus no meio da aparente confusão de sua Jerusalém interior:
lugar da partilha? espaço aberto e acolhedor?...
- Como re-criar, no coração da cidade
interior, o ícone da Nova Jerusalém, a cidade cheia de humanidade e comunhão, o
lugar da justiça e fraternidade?
- Você já parou para pensar na
abundância de recursos e nutrientes em seu coração e que poderia compartilhar
com os outros? Em seus celeiros interiores há abundância de alimentos que
humanizam.
-
“Diga-me como você habita sua cidade interior e eu lhe direi como é sua
presença no seu espaço urbano”.