Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 5º. Domingo do Tempo Comum (Ano A).
“Vós sois a luz, vós sois o sal...”
O evangelho deste domingo é a conclusão das
bem-aventuranças, proclamadas no domingo passado.
Jesus faz uma afirmação lapidar: “vós sois o
sal, sois a luz”. O artigo determinado nos
adverte que não há outro sal, que não há outra luz. Todos têm direito a esperar
algo de nós. O mundo dos cristãos não é um mundo fechado e à parte. A salvação
que Jesus propõe é a salvação para todos. É preciso que a única história, o
único mundo fique temperado e iluminado pela vida daqueles (as) que seguem a
Jesus.
Mateus nos traz uma mensagem de
muita transcendência para o discipulado. Este texto pertence ao Sermão da
Montanha no qual transparece a intenção de Jesus de construir uma nova
comunidade, aquela que decide pertencer ao movimento de vida iniciado por Ele,
identificando-se com o modo de ser e viver do Mestre da Galileia. Aqui está a
verdadeira identidade dos seguidores (as): ser presença que ilumina e dá sabor
à realidade carregada de tantos conflitos e divisões.
A originalidade desta nova
comunidade não está centrada na pertença a uma nova religião, com seus ritos,
leis, doutrinas, hierarquias..., mas no fato de prolongar o movimento
humanizador iniciado por Jesus. Movimento de inclusão de todos, movimento que
põe em questão toda forma de submissão, movimento que abre um horizonte de
esperança e de vida.
É importante destacar que as palavras de Jesus
dirigidas ao discipulado não são uma promessa, mas uma realidade existencial,
porque lhes diz que já são “sal da terra” e já são “luz do
mundo”. Ele utiliza estas duas imagens para que todos compreendam que
estão equipados de sabedoria e luz para iniciar este caminho.
O sal não tem valor para si mesmo, mas para
conservar e dar sabor, para diluir-se no processo da vida da terra. Não somos
sal para nós, para um pequeno grupo, mas sal para a terra inteira.
Ser luz... Tampouco a luz tem valor em si mesma,
mas para iluminar os outros.
Devemos cair na conta de que Jesus não pede para salgar
ou iluminar,
mas ser sal, ser luz. O matiz tem
sua importância. A missão fundamental de cada um está dentro dele mesmo, não
fora. A preocupação de cada um deve ser alcançar a plenitude humana. Se é sal,
tudo o que ele toca ficará temperado. Se é luz, tudo ficará iluminado ao seu
redor. Com demasiada frequência o cristã acredita ser sal e luz, mas sem dar-se
conta de que perdeu toda capacidade de dar sabor e iluminar a vida, porque é
sal insosso e luz tímida.
O simbolismo do sal aqui é extraordinário: ele não pode salgar a si mesmo. Sua
capacidade não lhe é útil para nada. Mas é imprescindível para os outros. É
para ser acrescentado a outro alimento, é para ressaltar seu sabor. O humilde
sal é feito para os outros, para que os outros sejam eles mesmos. Ele garante o
sabor, com a condição de que se dissolva.
O sal serve para ativar o sabor dos
alimentos; não é o sal que “dá sabor”, mas é ele que realça o sabor de cada
alimento. As palavras “sabor” e “sabedoria” tem a mesma raiz do verbo latino:
“sapere”, que significa, ao mesmo tempo, tanto “saber” quanto “ter sabor”. Assim
como está o sabor para os alimentos, também está o sabor da vida.
Sabedoria
rica e nova: o
coração é “sábio” quando
sabe “saborear a verdade”, quando é livre, quando intui a direção da
própria existência, quando se sente “seduzido” pelo que é verdadeiro, bom e belo.
Saber é
experimentar o gosto das coisas. Saber é sentir o sabor.
“Sapiencia” quer
dizer conhecimento que tem sabor. Segundo a Anotação 2 dos EE, “não é o muito saber que sacia e
satisfaz a pessoa, mas o sentir e saborear as coisas internamente”.
Portanto, sabedoria é a arte de degustar,
distinguir, discernir...
O sábio é aquele que conhece, não com a razão, mas sente o gosto daquilo que já está dentro dele.
Sábia
é a pessoa que sintoniza atentamente seus ouvidos aos desejos do coração.
“Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?” (T.S. Eliot).
A verdadeira sabedoria, portanto, nos ajuda a
descobrir a profunda raiz da vida e como investir, da melhor maneira e em sua
justa medida, nossas energias vitais. Mas, há um forte alerta: “se o sal perde
seu sabor,
com
que se salgará?”
Esta frase é um provérbio usado na literatura rabínica pois se refere a um sal
extraído do mar Morto e que perdia seu sabor muito rapidamente. Agora, Jesus
situa o discipulado diante de uma grande responsabilidade: a inutilidade de uma
fé centrada na razão e não vivida a partir da profundidade humana. Viver o
seguimento a partir de uma fé focada na doutrina gera ideologia; mas, quando é
vivida como raiz existencial gera sentido para chegar a ser o que somos em
potencialidade.
O tema da luz é muito frequente na Bíblia. Partindo de um dado experimental,
descobre-se sua importância para o desenvolvimento da vida. Não só porque a luz
é imprescindível para a vida, mas porque o ser humano não pode desenvolver-se
na escuridão. Daí que a luz tenha se convertido no símbolo da vida mesma e de
tudo o que a rodeia. Assim como a escuridão se converteu no símbolo da morte e
de tudo o que a provoca.
A
escuridão nos paralisa; tudo está aí, mas não podemos nem nos mover. A pequena
luz põe as coisas em seu devido lugar, nos faz capaz de contemplar a beleza
presente em tudo. É como o primeiro momento da Criação: “Faça-se a luz”, e a partir daí o caos foi se transformando em
cosmos.
Quem segue Aquele que é a Luz, reacende a faísca de luz dentro de
si e se torna reflexo da Luz de
Cristo.
A vida inspirada pelo seguimento é
um “caminhar na Luz”.
“Deus é luz e nele não há treva
alguma” (1Jo 1,5). Deus revela, potencializa,
ilumina, dá sabor. A pessoa que vive descentrada de si mesma torna-se um canal
por onde passa a mesma luz divina. Não a impede, não a retém e nem se apropria
dela, mas permite que a Luz divina ilumine tudo.
Ser luz, significa explorar nossas possibilidades
humanas e espirituais e pôr toda essa riqueza a serviço dos demais. Devemos ter
cuidado de iluminar, sem deslumbrar.
Ninguém
é “a” luz, senão que tem um pouco de
luz. E todos compartilhamos mutuamente a luz que vem de Deus. Nossa pequena luz
reforça e ativa a luz presente no outro.
A vida do(a) discípulo(a) transcorre em meio a um
contínuo discernimento para encontrar a medida justa de sal/sabor e a medida
justa de luz. Um excesso de sal torna intragável qualquer alimento, um excesso
de luz nos cega. Às vezes, o discipulado se vê envolvido em um ego que expele
um excesso de sal até afastar os comensais. Assim também, um excesso de luz faz
permanecer na sombra àqueles a quem ela se dirige.
Do mesmo modo, uma dose menor de sal gera uma falta de sabor que dilui o sentido original ou a pouca luz gera um ambiente sombrio e frio. É a tibieza de um discípulo que não se atreve a viver com inspiração esta missão, porque suas raízes se desconectaram da fonte e ele se reduz a cumprir alguns ritos ou normas, sem viver uma profunda identificação com Jesus.
Texto bíblico:
Mt 5,13-16
Na
oração:
Rezar
sua presença e sua atuação na realidade cotidiana e no encontro com os outros.
“Ser
sal” e “ser luz” significa vida descentrada, oblativa e servidora. Lembre-se: o sal,
para salgar, tem de desfazer-se, dissolver-se, deixar de ser o que era. A
lamparina ou a vela produzem luz,
mas o azeite ou a cera se consomem.
Seguir Jesus é
deixar que a Luz d’Ele transpareça em sua vida; o carvão e o diamante são feitos da mesma matéria: tem
a mesma composição química.
No
entanto, o carvão afoga a luz, enquanto o diamante a faz resplandecer.
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Você é carvão ou diamante no seu “existir cristão”?
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