“Jesus deixou Nazaré e foi morar em
Cafarnaum, que fica às margens do mar da Galileia” (Mt 4,13)
Galileia
foi a primeira decisão importante que Jesus tomou no início de
sua vida pública.
Ele começa sua atividade longe da Judéia, de Jerusalém, do templo, das
autoridades religiosas.
Jesus, na Galileia,
encontrou o seu lugar: junto ao mar, nas estradas poeirentas, nas
margens... Um
“lugar sagrado” que nasceu do seu coração, carregado de afeto, de
inspiração, de vitalidade...
Ali, Ele teve
suas preferências e elegeu o seu “lugar” entre os mais pobres e
excluídos, vítimas daqueles que se faziam donos dos lugares; ali revelou a presença
d’Aquele que se faz presente e santifica todos os lugares: o Pai.
Jesus se fez presente nos lugares
onde se encontravam aqueles que não tinham “lugar”, os “deslocados”,
os socialmente rejeitados e que eram a razão de seu amor e do seu cuidado; fez-se
solidário com os “sem lugares” e os convidou a caminhar para um
novo lugar: lugar de vida, de
comunhão...
Sua missão foi a de reconstruir a
identidade das pessoas, devolvendo a elas o seu “lugar”.
Seu ensinamento, cheio de
“autoridade”, introduziu uma perspectiva nunca ouvida antes; apresentou uma
alternativa que as pessoas mais simples do povo entendiam como revelação do Pai
aos pequeninos.
A partir das periferias do mundo, surgiu um canto de vida nova, a sabedoria
oculta a muitos sábios e expertos; uma sabedoria que vinha de Deus,
desconcertando a sabedoria exibida a partir do centro.
Jesus desconcertou a “sabedoria” do
centro a partir da “loucura” da periferia.
Podemos, então, afirmar que Jesus descentralizou
o mundo a partir da periferia.
O fato surpreendente é que, em Jesus, Deus não só
se fez homem, mas também se fez “margem”.
O próprio Jesus foi “margem”. Belém e Calvário são os dois extremos
periféricos – início e fim – de toda uma vida, despojada e pobre.
Todos tinham os olhos voltados para o centro. No templo de Jerusalém era
elaborado o saber que ia se expandindo até chegar à menor das sinagogas. No
entanto, em Jesus, o Reino de Deus
anunciado movimentou-se em direção contrária: subiu, a partir da mais baixa
periferia, para o centro. Ele começou a falar a partir da margem geográfica, cultural, religiosa e econômica.
Nesse
sentido, a vida de Jesus foi “ex-cêntrica”,
porque não combinava nem se ajustava com a construção social de todos
aqueles que controlavam o mundo a partir do centro.
No entanto, Jesus fez o “centro” da história. Nele, o Pai “nos escolheu
antes da criação do mundo”.
Isto quer dizer que o “centro” da história teve seu
aparecimento na “periferia”.
Portanto, Jesus descentralizou
a história para sempre e situou o surgimento da salvação nas terras excluídas. A
ação de Jesus provocou um deslocamento
geográfico-social-religioso.
O centro da história já não se
encontra mais em Roma, nem em Jerusalém, e sim na “margem”. Todo aquele que, a partir de então, pretende encontrar-se
com Jesus terá de voltar a cabeça e peregrinar em direção às margens, onde
estão os prediletos do Pai.
Tendo Jesus se encarnado
para sempre nas “periferias” do mundo, porque desejou assumir toda a história a
partir daí, também nós, seguidores(as), temos de dirigir constantemente o olhar
para as “novas periferias”, a partir de onde Ele continua nos
questionando.
“Êxodo para as periferias”:
terra privilegiada, de onde podemos contemplar a história e a
própria humanidade. A razão mais importante de todo este caminho é a união ao
movimento de encarnação de Jesus,
decidido pelo Pai como caminho privilegiado para a realização de seu Projeto.
Cada passo na direção das
periferias do mundo também é um
passo contemplativo em busca do
encontro com o Senhor da História, que nos chama de “baixo” e de “fora”.
“O discípulo-missionário é um des-centrado: o
centro é Jesus Cristo que convoca e envia. O discípulo é enviado para as
periferias existenciais. A posição do discípulo-missionário não é a de centro,
mas de periferias: vive em tensão para as periferias” (Papa Francisco)
Quê significa “fronteiras geográficas e existenciais”?
É preciso sair dos limites conhecidos; sair de nossas seguranças para
adentrar-nos no terreno do incerto; sair dos espaços onde nos sentimos fortes
para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis; sair do inquestionável
para assumir o novo...
É decisivo estar dispostos a abrir espaços em nossa
história a novas pessoas e situações, novos encontros, novas experiências...
Porque sempre há algo diferente e inesperado que pode nos
enriquecer...
A vida está cheia de possibilidades e surpresas;
inumeráveis caminhos que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em
nossas vidas; desafios, encontros, aprendizagens, motivos para celebrar, lições
que aprenderemos e nos farão um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais
simples...
A periferia passa a ser terra privilegiada
onde nasce o “novo”, por obra do Espírito. Ali aparece o broto
original do “nunca visto”, que em sua pequenez de fermento profético torna-se
um desafio ao imobilismo petrificado e um questionamento à ordem estabelecida.
Jesus começou sua vida pública com um novo
ensinamento, rompendo esquemas e modos de viver ditados pelo Templo. Diariamente
ouvimos, lemos e nos deparamos com esta palavra que está tão em moda: inovação; expressão presente em todas
as instâncias humanas: empresarial, educativo, social...
Partindo do evangelho deste domingo, podemos também
fazer esta pergunta: qual é a “inovação do Evangelho”? Que há de
inovador, na vida de Jesus, que pode nos inspirar?
Com certeza, há uma inovação acima de todas: a paixão
de Jesus pela vida, pelo Reino, pelas pessoas, de maneira especial
pelas mais excluídas e feridas. Por isso, Jesus inicia sua missão fora dos
“espaços sagrados” do Templo; é nas “margens” que Ele, com sua presença
inspiradora, ativa um movimento inovador e, ao mesmo tempo, humanizador.
Essa paixão de Jesus se revela em
cada passagem do Evangelho, em cada palavra que sai de sua boca, em cada gesto
que faz tremer todas as instituições, em cada ação que visa levantar, curar e
devolver a dignidade a todo ser humano com quem se encontra. Não há um indício
sequer de dogma, de doutrina, de regras, de leis..., a não ser isso: tudo o que
façamos, vivamos e desejemos, seja em prol das pessoas, para seu bem e sua
felicidade.
A inovação de Jesus está em eliminar da vida todo o peso do
legalismo, do moralismo, da culpa..., para fazer emergir o que há de mais humano
e divino presente em cada pessoa. A expressão “pescador do humano”
deixa transparecer essa inovação mobilizada por Jesus, a partir do mais
profundo de cada um.
Seguindo Jesus e deixando-nos
impactar por sua inovação em favor da vida, estaremos, também nós, inovando,
quando deixaremos transparecer uma paixão pelas pessoas, que se manifesta em
nossa acolhida, em nossos gestos, no nosso olhar contemplativo, nas nossas
palavras mobilizadoras...; trata-se de investir a vida em favor da vida e
fazendo os outros se sentirem mais irmãos e mais filhos de um mesmo Pai.
Nesse sentido, Mateus também situa, no início da
vida pública de Jesus, o chamado dos quatro primeiros discípulos. Detrás disso,
há uma intencionalidade teológica, que busca mostrar Jesus e seus discípulos
compartilhando a mesma missão: aliviar o sofrimento humano, com a
certeza de que o Reino de Deus tinha
chegado. Assim, inicia-se um grande “movimento humanizador”, a partir de
baixo, das margens...
Nesse entorno da Galileia está o futuro do
Evangelho; Galileia é a terra do chamado e, a partir desse lugar, inicia-se
também novo caminho do seguimento.
Por isso, os(as) discípulos(as) devem entrar em
sintonia com o modo original de ser e de viver de Jesus na Galileia. É ali que
se devem encontrar todos os seus(suas) seguidores(as), para também ali
prolongar o movimento iniciado pelo Mestre de Nazaré.
Texto bíblico: Mt 4,12-23
Na oração:
Aquele Desconhecido se aproxima, ainda hoje, do nosso mar da Galileia, que
representa os lugares, os afetos, os segredos, os costumes da nossa vida
cotidiana... ; Ele fixa seu olhar em
cada um de nós e, com sua Palavra inspiradora,
nos desafia a transgredir os nossos lugares estreitos e entrar em outro mar.
O
Evangelho deste domingo faz emergir algumas perguntas que são significativas
para a vida cristã:
- Você
vive em processo de mudanças ou continua sempre igual? Seu modo de viver o
seguimento de Jesus é sempre criativo ou continua “normótico” (normalidade
doentia, sem inspiração, sem afeto...)?
- Você é
um peregrino ou está ancorado no de sempre? Você está se convertendo
constantemente para uma vida nova e melhor, ou se contenta com uma mera
repetição?