“...os fariseus, com os herodianos,
tramaram, contra Jesus, a maneira como haveriam de matá-lo”
No Evangelho deste domingo, Jesus
desmascara uma patologia do espírito, uma enfermidade da alma, uma espécie de
tumor social: trata-se da intransigência, que se expressa nas atitudes de
preconceito, intolerância, fanatismo, racismo, indiferença, legalismo,
moralismo..., matando na raiz toda possibilidade de encontros humanizadores,
sobretudo com os “diferentes”.
O
intransigente, precisamente porque é
vazio de humanismo, deixa transparecer uma visão hermética
e fechada da realidade. Esta visão atrofiada, a partir do lugar e da posição
social ou religiosa que ocupam, os leva a um enfrentamento com outros por
razões ideológicas, políticas ou religiosas, em lugar de compreender a
perspectiva do outro e as verdades latentes que há em todo ser humano.
O roteiro que rege todo
intransigente é sumamente simples: consciente ou inconscientemente, divide a
humanidade em dois grupos que considera radicalmente opostos. De uma parte,
estamos “nós”, que nos encontramos na verdade e somos merecedores de atenção e
cuidado, de respeito e inclusive admiração; de outra, se encontram “os outros”,
aqueles que estão forçosamente equivocados porque pertencem a um grupo que
pensa, sente, age... de maneira diferente. Só resta eliminá-los, ou afastá-los
da presença para que não “contaminem” o ambiente com ideias e atitudes
subversivas. Em outras palavras, o que transparece é isto: “nós” temos a
verdade, “eles” estão no erro.
Sofrendo de uma falta total de compaixão ou
empatia, o intransigente pode ser profundamente cruel para com os outros; com a
lei na mão e no coração, ele alimenta um tribunal interior que julga, emite pareceres,
condena..., acreditando ser fiel a Deus.
Os obsessivos e os intransigentes sempre criam
problemas; e os intransigentes religiosos mais ainda, porque fundamentam sua
intransigência em Deus.
A intransigência edifica uma barreira instransponível entre o “nós” e
os “outros”. Ao negar sua condição criatural de com-viver junto aos diferentes,
seus semelhantes, o intransigente torna-se uma ilha sem vida e triste. Sua
intransigência é sintoma de desumanização. E essa desumanização afeta e é
prejudicial a todos. Todo mundo perde. Aos poucos, as pessoas se recolhem em
seus medos, em suas inseguranças e começam a acreditar que os diferentes são
seus inimigos. Da intransigência passa aos sentimentos hostis, aos discursos
fascistas, às práticas fundamentalistas, à segregação...
O princípio da diversidade nos diz que
no outro há verdade e que esta verdade deve ser reconhecida e entendida.
Considerado sob o enfoque do ouvir
sem preconceitos, do conhecer a
diferença e do amar a verdade
presente no outro, a “diversidade
reconciliadora” supõe o diálogo fundado no amor.
Para que haja amor é preciso que haja diferenciação.
No amor respeitamos a diferença do outro, amamos a diferença do outro. Diferenciar
não é separar; a unidade não é a uniformidade. A diferença não dispersa
nem divide, mas provoca convergência crítica e favorece a unificação na
diversidade.
Ao tornarem absoluta uma verdade,
os intransigentes se condenam à intolerância e passam a não reconhecer e a
respeitar a verdade e o bem presentes no outro. Não suportam a coexistência das
diferenças, a pluralidade de opiniões e posições, crenças e ideias. Daí surgem
o conservadorismo radical, o medo à mudança, a violência diante da crítica, a
suspeita, a vigilância, o controle autoritário...
A intolerância é uma expressão de atrofia espiritual que tem graves
consequências na vida social e no desenvolvimento dos povos. É a incapacidade
de aceitar os outros em razão de suas ideias, convicções ou crenças. É uma
grave debilidade que torna impossível a coesão e a correta interação entre
pessoas e grupos humanos. No fundo, tudo isso é expressão de um avassalador
vazio existencial.
A vida fanática e intolerante é uma
vida sem sentido, carente de interesse e de originalidade,
Em um
mundo polarizado por fanatismos de caráter muito diverso, tensionado por forças
irracionais, tanto de origem religiosa como política, a educação do “sentido
espiritual” da vida constitui uma urgência, frente a uma insistência
mecânica de padrões de conduta e de modelos impostos pelos grandes meios de
comunicação de massa.
A vida espiritual é abertura,
receptividade e movimento. As grandes figuras da história espiritual nunca
sucumbiram ao fanatismo e à intransigência. Foram benevolentes, compassivos e
receptivos. Praticaram o diálogo com todos, sem discriminação alguma.
Há demasiadas divisões entre nós;
há demasiadas condenações e violências (verbal e física); há demasiadas
exclusões e marginalizações. E tudo simplesmente “porque não é dos nossos”,
“porque não pensa como nós”... Podemos pensar diferente, mas nem por isso temos
de nos excluir; não somos donos da verdade;
também os outros pensam e tem uma
percepção diferente da realidade. Podemos ter critérios diferentes, mas nem por
isso temos que criar muros que nos separam. O diferente não deve excluir
ninguém; o diferente pode ser uma fonte de enriquecimento mútuo.
O
evangelho deste domingo nos revela que o intransigente nunca se põe no lugar do
outro; só ele tem razão. Isso porque ele pensa a partir da lei, mas não pensa a
partir da situação e das necessidades dos outros. E com isso ele faz um triste
favor a Deus, porque dá a impressão de que Deus prefere suas leis ou suas
interpretações e não as carências dos outros.
O intransigente
se converte em centro de sua fidelidade à lei; mas prescinde do ser humano.
Ao
intransigente não lhe importa que o outro tenha fome no sábado, como tampouco
lhe importa que esteja enfermo. O importante é o sábado e não a pessoa.
Mas Jesus pensa e age de outra
maneira; primeiro é o ser humano e depois a lei; esta deve estar a serviço do
ser humano.
Por isso, a presença de Jesus na
sinagoga revela-se como um apelo e uma ocasião privilegiada para pôr em questão
nosso confinamento religioso, nossas posturas fechadas, nossas visões sociais
estreitas e preconceituosas... e abrir-nos à diversidade e ao diferente. Sem
alteridade regenerante caímos no confinamento de uma pureza de ortodoxia, de
uma ideologia segregadora, de um legalismo estéril, de uma doutrina impositiva.
Confinamento que nos torna cegos aos valores e riquezas que vem de outras
expressões humanas e religiosas. O modo de proceder de Jesus nos instiga a
acolher a diversidade como expressão da inesgotável criatividade divina.
A diferença promove a unidade lúcida e
criativa; por isso é valor a ser preservado e a ser desenvolvido, é potencial a
ser ativado.
“O Espírito Santo cria a diversidade na Igreja. A diversidade é bela, mas o mesmo Espírito
Santo faz também a unidade, para que a Igreja esteja unida na diversidade; para
usar uma expressão bela: uma diversidade
reconciliadora”
(Papa Francisco).
Texto bíblico: Mc
2,23-3,6
Na
oração:
-
A intransigência impede a pessoa de viver, de se abrir ao mundo, de ser espontânea e de
viver mais intensamente;
-
A impiedade da intolerância frente ao “diferente” e o descalabro dos racismos
envenenam corações e fomentam as dinâmicas excludentes que envergonham a
humanidade e não podem ser aceitas, pacificamente, pelos(as) seguidores(as) de
Jesus;
-
O racismo é sutil; está presente lá no fundo; é uma grande praga que exige
grande esforço para dela se livrar; vira sentimento que se justifica e dá forma
a modos de falar, define posturas e cria as distâncias, rompendo a comunhão.
-
Como você se posiciona diante das diferenças religiosas, políticas, raciais, de
gênero, de cultura...?
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