“Vós pensais
que eu vim trazer a paz sobre a terra?” (Lucas 12,51)
A vida e a mensagem de
Jesus revelaram uma novidade de tal magnitude que gerou uma radical conflitividade
com as instituições sociais e religiosas de seu tempo. De fato, com a presença desconcertante
de Jesus, chega até nós a “Boa-Nova”, não
precisamente para pôr remendos à lei, ao culto e aos ritos, mas para revelar a
possibilidade de uma nova maneira de viver, uma nova
atitude frente àqueles que a religião excluía: pecadores, pobres e
marginalizados.
Jesus não buscou o conflito (já que trazia uma mensagem de misericórdia e fraternidade)
mas conheceu uma das experiências conflitivas mais dramáticas da história
humana. Do começo ao fim, a crise e o conflito estiveram
presentes em sua vida e em sua missão.
Tudo o que Ele fazia – suas atitudes, seus gestos,
suas palavras
– revelava uma nova visão
das coisas, um novo ponto de partida,
um novo movimento, um novo projeto. Sua presença, inspiradora e
provocativa, colocava em questão e desmontava toda uma estrutura social e
religiosa que desumanizava.
Jesus tornou-se um sinal de contradição
porque permaneceu absolutamente fiel a uma mensagem, a um modo de
agir e a uma missão que havia recebido do Pai e que devia realizar com
critérios e opções coerentes com o conteúdo do seu Evangelho.
O conflito não foi
uma surpresa para Ele, nem uma espécie de fatalidade à qual se encaminhou sem
saber porquê. O conflito foi algo que adquiriu densidade cada vez maior
em sua consciência, primeiro como uma possibilidade, depois como uma exigência
de sua fidelidade ao Projeto do Pai em favor da vida do ser humano.
Falar em conflito na
missão de Jesus é o mesmo que falar da fidelidade de Jesus. O que tem
valor em sua vida é seu amor fiel, e não os conflitos em si
mesmos; o que é conflitivo é sempre ambíguo; o que lhe dá sentido é a causa
justa que o provoca e a fidelidade a essa causa que gera um ambiente de tensão.
Esse é o sentido da
bem-aventurança dos perseguidos por causa da justiça do Reino.
A Cruz vai ser o
sinal e a síntese da dimensão conflitiva de Jesus e de sua missão.
Por ter vivido como viveu,
não podia terminar de outra maneira. A
dimensão conflitiva da fidelidade de Jesus à missão é o resultado
inevitável do embate entre sua missão, que anuncia a justiça do Reino e as
bem-aventuranças, e a realidade que não quer ouvir e rejeita a novidade do
Reino. Sua existência não foi “neutra” no sentido de uma vida que passa sem ser
percebida.
Jesus disse a verdade e
desmascarou o poder em todas as suas formas: religioso, político,
intelectual.
Desmascarar o poder é
desmascarar os ídolos que causam a morte. Por isso, os conflitos enfrentados
por Jesus são consequências de uma opção, de um caminho, de uma prática feita
de amor e de solidariedade com os que mais sofrem e são oprimidos.
Jesus não só sofreu a
perseguição e os conflitos, mas também nos apresenta as consequências do seu seguimento. Quem vive radicalmente o
Evangelho, vai ser rejeitado, perseguido...
O conflito faz parte da vida do (a)
seguidor(a) de Jesus; ele(ela) vive em meio a uma realidade que resiste à
novidade e à transformação de vida exigida pelo Reino.
De uma forma por si mesma desconcertante e
misteriosa, o conflito constitui um chamado do Senhor, uma
graça para seguir Jesus perseguido, com uma opção mais madura e
com motivações mais purificadas, segundo o Evangelho.
Tendo por referência inspiradora a pessoa de Jesus e o
modo de agir das primeiras comunidades cristãs, nós, seguidores de Jesus,
devemos enfrentar com seriedade o sentido cristão dos conflitos pelos quais
atravessamos. Deus também se revela no conflito; nos conflitos há
uma manifestação do Espírito.
Não há só conflitos puramente “exteriores”
(perseguições, acusações, oposições...), por causa do Evangelho. Todo
conflito sempre apresenta uma dimensão interior, mostra-se como
uma crise do espírito. Conflito e crise andam juntos.
A crise é um período
de insegurança, que convoca a uma nova síntese de valores e a uma vivência
evangélica dos mesmos. O conflito gera a crise porque obriga a
repensar, a aprofundar, arrancando-nos da aparente estabilidade e do
conformismo.
Nesse sentido, o conflito
e a crise são um apelo a uma progressiva conversão. São um convite a um
aprofundamento da totalidade do compromisso cristão e a um crescimento em todos
os valores que o conflito pôs em crise. Pode-se afirmar que não há seguimento
cristão, nem aprofundamento de uma maturidade adulta que não passem pelas
crises do conflito.
O conflito leva à maturidade
e pressupõe a maturidade para ser assumido e superado.
O conflito pode converter-se em fonte de
crescimento quando uma pessoa ou uma comunidade cristã deixa de negá-lo ou
evitá-lo, mas quando aprende a manejá-lo com atitudes de integração,
discernimento e compreensão. O conflito aprofunda e purifica a
existência; aprende-se a discernir entre o essencial e o acidental e a
despojar-se do inútil ou supérfluo para ficar com o que é mais importante.
O conflito se converte numa experiência
positiva quando nos motiva a desenvolver novas destrezas, nos anima a buscar
meios para manejar problemas, estimula nosso interesse pela comunidade e nos
aproxima dos outros, nos leva a esclarecer nossos pontos de vista e a
reexaminar nossas posturas...
Os conflitos demandam nossos maiores
recursos criativos.
Tanto no processo pessoal do seguimento de Jesus
como na configuração de uma comunidade cristã, os momentos de conflitos são
inevitáveis; nesses momentos densos, de encruzilhada e de resistência, abre-se
a possibilidade de descobrir um renovado sentido de unidade e consistência, que
permite ao sujeito (pessoal ou comunitário) sentir-se a si mesmo no meio de
constantes tensões.
Os conflitos abrem a possibilidade de
intuir novas potencialidades ou pôr em jogo recursos que, até o momento da
crise, talvez não tivesse necessidade de ativá-los. Por isso, os conflitos
obrigam geralmente a uma tomada de decisão inadiável.
Os conflitos revelam o movimento da vida. A
realidade é dinâmica, move-se, evolui. O absurdo de querer fixá-la em esquemas
teóricos e modos ultrapassados de comportamento, fatalmente conduz ao confronto
de forças, de ideias, de visões diferentes...
Os conflitos não são negativos. Eles nos ajudam
a aceitar melhor a verdade e fazer nascer o novo, mais
rico e mais amadurecido. O Evangelho nos lembra a morte da semente e a mulher grávida
que aguardava sua hora, terminando por contribuir com vida nova
para o mundo.
Em meio aos conflitos,
também nossas comunidades cristãs podem crescer em amor fraterno. É o momento
de descobrir que não é possível seguir a Jesus e colaborar com Ele no projeto
humanizador do Pai sem trabalhar por uma sociedade mais justa e fraterna, mais
solidária e responsável.
O conflito é um “ensaio
da esperança”, uma certeza de que o Espírito
“renova todas as coisas” sobre a face da terra.
Na oração: Rezar as atitudes pessoais frente
aos conflitos.
Como viver o Evangelho em meio a conflitos?
Como crescer e amadurecer no conflito? Como
aprofundar nossa missão no conflito?
Descobrir a presença e o chamado de Cristo dentro dos
conflitos.
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