“O pensamento volta-se agora para a
Mãe da Misericórdia. A doçura do seu olhar nos acompanhe neste Ano Santo, para
podermos todos nós redescobrir a alegria da ternura de Deus. Ninguém, como
Maria, conheceu a profundidade do mistério de Deus feito homem. Na sua vida,
tudo foi plasmado pela presença da misericórdia feita carne. A Mãe do
Crucificado Ressuscitado entrou no santuário da misericórdia divina, porque
participou intimamente no mistério do seu amor”.
Papa Francisco
– Misericordiae Vultus)
Existe uma relação muito profunda entre Maria, Mãe de Jesus, o mistério da Misericórdia divina e a prática
da misericórdia. Desde sua concepção, Maria foi envolvida na infinita
misericórdia de Deus Pai, pelo Filho e no Espírito Santo. Ela nos foi dada como
Mãe, por seu filho Jesus, a própria misericórdia, e ela nos ama também de modo
misericordioso, especialmente os pecadores e sofredores.
O Papa João Paulo II destacou na
sua Encíclica “Dives in misericórdia” que Maria é a “pessoa que conhece mais a fundo o mistério da
misericórdia divina”
(n. 9).
Maria é a mãe que gerou a misericórdia
divina na Encarnação, graça extraordinária que a coloca numa relação intima com
Deus, o “Pai das misericórdias” (2Cor 1,3). Ao responder ao anjo “Eis-me aqui”
e “Faça-se”, a Misericórdia divina se “faz
carne” e entra na nossa história
Em qual sentido podemos proclamar Maria como “Mãe de misericórdia”?
O título “Mãe de misericórdia” assim se
justifica: Maria é a mulher que experimentou de modo único a Misericórdia de
Deus, que a envolveu de modo particular desde a sua Imaculada Conceição,
passando pela Anunciação, como discípula fiel do seu Filho, até o grande
momento da Páscoa d’Ele (paixão, morte, ressurreição, glorificação e
Pentecostes). Ela é “kecharitoméne”, “cheia de graça”, ou seja,
totalmente transformada pela benevolência divina (cf. Ef 1,6).
No seu cântico o “Magnificat”,
por duas vezes Maria, a profetisa, exalta a misericórdia de Deus; movida pelo
Espírito, ela louva o Pai misericordioso: “a sua misericórdia se estende de
geração em geração sobre
aqueles
que o temem”; “socorreu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia”.
A misericórdia que Ela proclama no Magnificat foi vivida em todos os
momentos de sua vida: desde o seu sim na Anunciação, até o momento em que
acompanhou os discípulos de seu Filho nos inícios da Igreja. E continua fazendo-se
presente até o fim dos tempos.
Uma característica que particularmente toca o
nosso interior, dada a nossa condição humana frágil e necessitada do auxílio de
Deus, é a Misericórdia, que em Maria
ecoa com muita intensidade, como a força de uma cascata, que penetra até os
corações mais duros. Maria é, como rezamos, a Mãe da misericórdia. Mas para entendermos como toda a vida de Maria
proclama a misericórdia, devemos primeiro penetrar no coração do Pai, rico em misericórdia, pois Maria é como a lua que
reflete os raios do sol de justiça, que segundo a tradição da Sagrada Escritura
é o próprio Deus.
Maria é a intercessora incansável do povo de
Deus ; ela não deixa de apresentar as necessidades dos fiéis ao seu Filho. As “Bodas de Caná”, por exemplo, é uma
concreta evidência de sua presença misericordiosa. Ela se
compadece da situação dos noivos e pede ao seu Filho realizar o primeiro
“sinal”.
Em Caná, portanto, a novidade
está numa nova forma de presença de Maria, que não se
encontra interessada, em princípio, por “fazer coisas”, por resolver problemas,
senão para traçar uma presença. Ela está aí para escutar e compartilhar um
momento festivo; ela se encontra presente, num gesto de solidariedade que
transcende e supera toda atividade.
Porque estava presente
a Deus, Maria fez-se presente nos momentos decisivos de seu Filho, bem como
fez-se presente na vida das pessoas. Uma presença que faz a diferença: presença
solidária, marcada pela atenção, prontidão e sensibilidade, próprias de uma
mãe.
Sua presença não era presença anônima, mas
comprometida; presença expansiva que mobilizou os outros, assim como mobilizou
seu Filho a antecipar sua “hora”.
Trata-se de uma presença que é “música calada” nos
lugares cotidianos e escondidos, que sabe enternecer-se e escutar as
inquietações que procedem desses lugares. Uma presença que descobre o próximo
no próximo, que sabe resgatar a solidariedade na vida cotidiana. Uma presença
que se manifesta na ausência de recompensa ou de interesse próprio.
Em definitiva, Maria descobre que é chamada a dar
de graça o que de graça recebeu. Sabe entrar em sintonia com os sentimentos dos
outros e construir vida festiva, e vida em abundância.
Sua presença misericordiosa revela um gesto
profético de solidariedade e de anúncio: presença que aponta para uma outra
presença, a de seu Filho, a misericórdia visível. Sua presença
dignifica e revela um novo sentido à presença de Jesus numa festa de Casamento.
A presença misericordiosa, silenciosa, original e mobilizadora de
Maria des-vela e ativa também em nós uma presença inspiradora, ou seja,
descentrar-nos para estar sintonizados com a realidade e suas carências. Tal
atitude misericordiosa nos mobiliza a encontrar outras vidas, outras histórias,
outras situações; escutar relatos que trazem luz para nossa própria vida; ver a
partir de um horizonte mais amplo, que ajuda a relativizar nossos problemas e a
compreender um pouco mais o valor daquilo que acontece ao nosso redor; escutar
de tal maneira que aquilo que ouvimos penetre na nossa própria vida;
implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas e
títulos; acolher na própria vida outras vidas; histórias que afetam nossas entranhas e permanecem na
memória e no coração.
Evidentemente, nem toda presença
é “saída de si”; uma pessoa pode passar pelos lugares sem que os lugares deixem
pegadas; ela pode tocar a superfície das coisas e das vidas, mas esse contato
deixa pouca memória e que logo desaparece. Com isso não há encontro nem
aprendizagem.
Quando a pessoa se faz presença
misericordiosa que desemboca no verdadeiro encontro, ela se expõe, se faz
vulnerável, se deixa afetar... Mas essa é a oportunidade para transformar os
olhares e os gestos de quem se atreve a sair dos horizontes estreitos e conhecidos.
São muitos os encontros que são fecundos para quem se
faz presente e para quem acolhe esta presença. São muitas as pessoas cujas
vidas ganham em seriedade, em profundidade, em compaixão e em alegria autêntica
ao fazer esse caminho de saída de si. São muitas as pessoas que, em contato com
vidas e histórias diferentes e reais, compreendem melhor suas próprias vidas e
sua responsabilidade.
Textos bíblicos: Lc 1,39-56 Jo 2,1-12
Ó Maria, Mãe que experimentastes e gerastes a Misericórdia, Mãe que
proclamais e exerceis a misericórdia, fazei de nós autênticos(as) apóstolos(as)
deste mesmo mistério de amor em nossos tempos e em nossos ambientes. Amém.