Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho da sexta-feira da Semana Santa - Paixão do Senhor (2025).
“A esperança nasce do amor e funda-se no amor que brota do coração de Jesus trespassado na Cruz” (Papa Francisco, Bula n. 3).
O mistério Pascal constitui o núcleo
central da fé cristã, ou seja, a paixão-morte e ressurreição de Jesus de Nazaré
e a efusão do Espírito sobre toda a Criação.
Este
mistério pascal se estende também a todo o povo crucificado, ou seja, a esta
grande maioria da humanidade que vive explorada e marginalizada, vítima dos
interesses de uma minoria. Por isso, crer no Crucificado implica fazer descer
da Cruz todos os que estão dependurados nela.
Mas a
imagem da crucifixão se aplica também à situação de nossa Terra, explorada,
desertificada, contaminada, com a biodiversidade destruída e os oceanos
transformados em cemitérios.
Por
sua atitude de arrogância e de autossuficiência, o ser humano explorou
exaustivamente a Terra herdada e a destruiu, depredou, aniquilou, tomou posse
dela... Assim, não foi respeitoso para com o Criador que a ele reservou a
missão de cuidar do seu jardim e de compartilhar os seus frutos.
Há
um clamor generalizado que emerge da realidade desafiante enfrentada pela
humanidade: o planeta Terra está gravemente enfermo. As consequências trágicas
estão presentes por toda parte. O desequilíbrio dos ecossistemas pode
comprometer, de forma irreversível, todas as formas de vida sobre a terra.
Estamos diante da “Terra crucificada”.
A
vida cristã significa encontro e seguimento de Jesus de Nazaré, libertador e
fundamento de nossa esperança. Na
realidade, a esperança cristã nasce a partir da morte de um homem simples e
pobre, assassinado numa cruz, desprotegido, abandonado, condenado injustamente
como um homem perigoso, porque se rebelou contra as estruturas religiosas e
contra os poderosos daquele tempo.
Jesus, o Justo e Santo, foi
Aquele que não ficou indiferente diante da fome, da doença, da violência e da
morte... Seu modo de ser, suas opções,
sua liberdade diante da lei, da religião, do templo, seus encontros escandalosos
com os pobres e excluídos..., desestabilizou tudo, pôs em crise as instituições
e as pessoas encarregadas da religião. Jesus foi
condenado como herege e subversivo, por elevar a voz contra os abusos do templo
e do palácio, por colocar-se do lado dos perdedores, por ser amigo dos últimos,
de todos os caídos. Tornou-se
um perigo a ser eliminado.
“Jesus morreu de vida”: de bondade e de esperança lúcida, de solidariedade
alegre, de compaixão ousada, de liberdade arriscada, de proximidade curadora...
Nesse
sentido, a cruz de Jesus não é um “peso morto”; ela tem sentido porque é
consequência de uma opção radical em favor do Reino. A Cruz não
significa passividade e resignação; ela nasce de sua vida plena e
transbordante; ela resume, concentra, radicaliza, condensa o significado de uma
vida vivida por Jesus na fidelidade ao Pai que quer que todos vivam
intensamente.
A vida humana é fecunda, é potencialidade, é explosão de criatividade...
Assim como na semente há vida latente esperando a oportunidade de expandir-se,
também no ser humano encontram-se ricas possibilidades, esperando a morte do
“eu mesquinho”, para se plenificarem.
Alguém já teve a ousadia de afirmar que a morte
é mais universal que a vida; todos morrem, mas nem todos sabem viver,
porque incapazes de re-inventar a vida no seu cotidiano e alimentar uma ousada
esperança. Por isso, viver é uma arte; é necessário reinventar a vida no dia a dia, carregá-la de
sentido.
A
maior perda da vida é aquilo que “resseca” dentro de cada um, enquanto vive:
sonhos, criatividade, intuição, esperança. “A
tragédia não é quando um ser humano morre; a tragédia é aquilo que morre dentro
da pessoa enquanto ela ainda está viva” (Albert Schweiter).
Uma vida pensada sem “mortes” perde-se, no final,
na total irresponsabilidade. E viver significa esvaziar-se do ego para
deixar transparecer o que há de divino em seu interior. O grão de trigo
que não morre, apodrece, e não multiplica as mil possibilidades latentes em seu
interior.
O “depois da vida” é um grande encontro onde
seremos perguntados: “o quanto você viveu sua vida?”
Quando fazemos o percurso em
direção ao Gólgota, em comunhão com Aquele que foi fiel até o fim, não estamos
fazendo um ato derrotista, nem de tristeza inútil, nem de mergulho na escuridão
existencial. Estamos fazendo uma profissão de fé na força da esperança.
Esperança é uma virtude vencedora.
Quando tudo parece perdido, irremediável, destruído, ela comparece para salvar.
Ela é capaz de transformar a derrota em vitória, o perigo em alívio, o
desespero em alegria. A esperança é tão poderosa que consegue tirar do domínio
da morte os que não veem mais razões para viver.
A esperança
transforma as cinzas em fênix, a cruz em sinal de vida, as lágrimas em vitória.
A esperança é a última que morre, diz o jargão popular. Ela é desprezada pelos
pessimistas, ameaçada pelos gananciosos, agredida pelos incrédulos. Da
esperança tudo renasce, ainda que pareça impossível recomeçar.
O
pecado costuma bloquear a esperança, causar o desânimo e desiludir quem ia bem
e de repente cai. A esperança é uma senhora que vem dar a mão àquele que se
desiludiu consigo mesmo ou com a situação em que foi precipitar-se.
Embora
tudo pareça arruinado, há uma potência interior que não permite ao ser humano
desistir de si mesmo nem dos outros. Ela recobra a energia do perdão, o ânimo
para não desistir, a confiança nas pessoas, a amizade que ficou ameaçada, a
fidelidade a uma causa nobre.
A esperança é filha da
fé e ambas se juntam para que aconteça a caridade.
Ao entrar no caminho do
Calvário, mergulhamos no mar da esperança e dele saímos transformados,
renovados em nosso ânimo e certos de que a morte não tem a última palavra, pois
a Cruz já aponta para a Ressurreição, e aquilo que parecia não ter mais remédio
encontrou vida nova.
Podem
nos roubar a paz, a honra, a dignidade, a saúde, a alegria, a confiança, mas
não podem nos roubar a esperança, se cremos na força criativa de nós mesmos, na
capacidade de reerguer do chão, mesmo se a queda se repetiu três vezes no
caminho do Gólgota.
O
Jesus que seguimos até o Calvário nos levará à Páscoa. A esperança não nos será
roubada, a alegria voltará a acontecer, pois não estamos sozinhos. Ele vive
entre nós!
“Esperamos contra toda a esperança”, como Abraão, Maria e o próprio Jesus.
Textos bíblicos: Evangelho segundo Marcos, capítulos 14 e 15; João 18,1-19,42
Na oração:
- A dor, como consequência de
uma opção de vida, é o subsolo do qual brota a esperança.
- O sofrimento não se anula
nem se nega, mas está sempre transpassado pela esperança.
- A esperança que brota do
sofrimento possibilita um “perene nascer do coração”.
Na Paixão, tornamo-nos solidários com a dor de um Homem que espera, apesar de
tudo, e que se abre à dor de todos,
encontrando na solidariedade e na dor dos outros, razões para relativizar sua
própria dor.
Jesus foi
realmente o homem solidário com a dor
da humanidade para contagiar a todos com sua esperança de vida plena e
definitiva. Jesus assume a dor de
todos e desvela o ser humano à luz da esperança.
Esperança de vida: a Cruz – que se completa com a mensagem da
ressurreição, com a qual forma um único acontecimento – proclama que a Vida
não morre; que, inclusive naquelas circunstâncias nas quais parece que tudo é
fracasso, a Vida abre caminho; nenhuma morte é o final.
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