sábado, 25 de fevereiro de 2017

A preocupação nossa de cada dia

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do 7º. domingo do Tempo Comum (Ano A).

“Não vos preocupeis com a vossa vida, com o que haverei de comer ou beber; nem com o vosso corpo, com o que havereis de vestir” (Mateus 6,25).

Jesus se dirige aos seus discípulos e revela o verdadeiro rosto de Deus e as suas entranhas de Pai-Mãe, que cuida dos próprios filhos, como também das flores do campo e dos pássaros do céu. O fundamento da segurança e da serenidade reside na consciência de estar nas mãos providentes de Deus.
O ser humano conhece bem a própria condição de precariedade e as muitas situações adversas que podem tornar o seu futuro incerto. A inevitável experiência da limitação tira as forças e dificulta o caminho.
Surgem, então, a preocupação e a ansiedade que tornam o seu rosto cansado e triste e, até mesmo apagar em seu coração a alegria de viver.
Por isso, o ser humano, instintivamente, busca algo ou alguém que lhe dê segurança, e sente a necessidade inapagável de superar a angústia do limite e de respirar futuro. Sem futuro não há espaço de vida, não há esperança. Mas nada o preenche e o pacifica interiormente. A consequência é um rosto marcado pelas rugas da preocupação e do cansaço. A confiança depositada no bem-estar, a rejeição das próprias raízes, a incapacidade de sentir-se “filho”, obscurecem a horizonte do futuro.

A “pre-ocupação”, quando se torna hábito de vida, tem o efeito desastroso de comprometer a capacidade de relação, dimensão fundamental que torna a existência fecunda e criativa. Segundo o Evangelho, a preocupação envolve duas necessidades básicas do ser humano: o alimento e o vestuário.
a) O alimento, indispensável para viver, não compreende só a nutrição, mas representa também tudo aquilo que é considerado necessário para manter a pessoa viva.
b) O vestuário não é somente aquilo que cobre e protege o corpo humano, mas exprime também proteção, dignidade, posição social e relação.
    O alimento e o vestuário, portanto, representam duas dimensões essenciais da existência humana: uma individual e outra relacional.

A preocupação que pode atormentar o coração do ser humano, o medo de perder aquilo que dá segurança e o temor de não ter acumulado suficientemente, fazem com que o alimento e o vestuário percam o seu significado mais amplo e a sua força evocativa.
Então, acontece que a preocupação com o alimento e com o vestuário prevalece sobre a própria vida, não mais acolhida como dom; do mesmo modo o corpo, não mais entendido como possibilidade e lugar de relação-encontro. Inevitavelmente, a dignidade da vida se degrada e a luz do rosto da pessoa se apaga.
Muitas vezes, a preocupação com o amanhã oculta a beleza do presente, mas também a lembrança de um passado que reaparece sempre de novo entorpece esta vivência.
As pessoas espiritualmente inteligentes vivem serenamente com a máxima intensidade o agora, cada momento que se apresenta na vida, sem a pre-ocupação e a ansiedade frente o futuro. Sabem que tudo passa, mas que cada instante é uma porta de acesso à eternidade. Gozam intensamente da alegria de existir, da beleza e da bondade que se manifestam em cada momento. Não sofrem pelo passar do tempo, nem pelo envelhecimento ou pela morte. Usufruem intensamente o tempo presente e encontram nisso sua alegria.
Este sentimento não é um estado de espírito suscitado por um objeto de consumo, nem por um êxito pontual ou por um reconhecimento público. Ele emerge das profundezas, do fato de estar existindo e da capacidade de vibrar com a beleza que existe nas coisas.

Esta vivência plena do momento não entra em contradição com o fazer da vida um projeto pessoal. Dar sentido à vida é fazer dela uma missão que tenha como objetivo um fim nobre, algo que mereça a entrega e o sacrifício; mas isso não significa transformar o presente em puro instrumento e pretexto do futuro.
Quem vive com entusiasmo seu projeto vital, quem ama seu trabalho, sua missão, quem se entrega apaixonadamente ao compromisso que desenvolve no mundo, experimenta a alegria de existir independentemente do fato de seu projeto, a longo prazo, chegar ou não ao seu cumprimento.
Quando alguém está centrado no presente, envolvido criativamente em algo que o satisfaz de verdade, que vive cada instante com a máxima intensidade e não se preocupa com os resultados ou benefícios..., esse é capaz de dar-se conta de que cada dia é uma possibilidade, cada dia é um dom único e irrepetível.
Quando uma pessoa vive a presença plena do agora não sofre com o que virá, nem mesmo com a certeza da morte, consciente de que quando chegar a esse dia poderá confessar que viveu, que experimentou seu ser aqui.
Por outro lado, aquele que passa mecanicamente de um momento a outro, esperando um futuro supostamente feliz, vive angustiado e cheio de temor. Não tem nenhuma garantia de chegar a tal futuro e esse estar dependente do amanhã o transforma em escravo.
A dimensão espiritual habilita a experimentar a alegria de existir, transcendendo a mania de esperar e a obsessão de recordar. Esta alegria é a que Jesus vê refletida nos lírios do campo e nas aves do céu.

Ao observar as aves do céu e a beleza dos lírios no campo, Jesus convida os discípulos a contemplarem, com admiração, o rosto paterno-materno de Deus: cada um deles é cuidado pela Sua mão providente.
Não se trata de se colocar numa atitude de espera passiva, mas de estar ciente de que Alguém cuida, não só das menores criaturas, mas também da vida dos próprios filhos, como um tesouro do qual tem ciúmes.
Deus não descuida de nenhuma das suas criaturas, nem mesmo as mais frágeis – os lírios - ou as mais imprevisíveis – as aves. Ele tece, com incrível precisão, a forma, a cor e o perfume da flor, que desabrocha pela manhã e à noite, murcha, é jogada ao fogo. Ele cuida dos filhotes dos pássaros, que não tem condições de semear e de colher, e nem de acumular; muito mais faz Deus pelo ser humano, criatura predileta por quem demonstra tanto afeto e carinho.
Tomando como exemplo os pássaros do céu e os lírios do campo, Jesus, implicitamente, une o céu e a terra, e recorda que o ser humano é formado do “húmus” e do “sopro” de Deus.
O fiel discípulo de Jesus, descobrindo-se amado e protegido com a ternura providente, se sente sempre a caminho, isto é, pronto a acolher cada fragmento de luz e de vida, que fala da presença e da passagem do Pai. O presente, tecido de partilha, solidariedade, doação, misericórdia, mansidão, reveste o futuro de luz.
A verdadeira segurança cresce no coração e na confiança de sermos protegidos por um Deus que sabe o que precisamos e nos aguarda. A busca do Reino é o “pão” da vida e a roupa” da luz que nos envolve.

Texto bíblico: Mateus 6,24-34

Na oração: 
Quê oportunidades você percebe no dia de hoje? Ou nesta semana? Você tem consciência das surpreendentes oportunidades que Deus oferece cada dia? Conversações, leituras, vivências, sentimentos, gestos, orações...

Viva cada jornada como um mistério, uma festa, uma página em branco que você pode escrever de muitas formas diferentes. Cada dia é um cenário onde você pode ativar o amor, a justiça e a fé. Sempre.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Que Fazeis de Extraordinário?

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do 7º. domingo do Tempo Comum (Ano A).

“E se saudais somente os vossos irmãos, o que fazeis de extraordinário? (Mateus 5,47)

Com estas palavras, Jesus estabelece a diferença entre o modo pagão e o modo cristão de viver o cotidiano. A “cotidianidade” de nossa vida está tecida de coisas “ordinárias”, contraposta ao que ocorre de maneira “extra-ordinária”.
A maioria das pessoas vive restrita ao ordinário com o anonimato que ele envolve.
No entanto, no seio do ordinário pode brotar uma mudança, uma transformação.
“Se, às vezes, há um fastio na rotina, não raro ela revela um mistério insondável” (Cláudio Van Balen).
Quando assumimos o nosso ordinário e o vivificamos com injeções de novidade e de criação, ele se torna o “lugar” das experiências. E a “experiência é a sabedoria da vida”.
No ordinário se encontram as “pequenas práticas com sucesso”. O ordinário pode significar um avanço na aceitação do “pequeno”, das coisas mais simples... tudo tem sentido, tudo é digno de ser cuidado.
Nesse sentido, o ordinário que conserva, também pode provocar o surgimento do novo;
                        o ordinário que aliena, também está grávido de utopia;
                        o ordinário que nos acomoda, também pode ser o lugar da audácia e da iniciativa.

No evangelho de hoje, Jesus pergunta aos seus seguidores o que fazem de extraordinário. Isso nos leva a pensar que o cristão deve ser aquele que tem atitudes extraordinárias, comportamentos extraordinários, ações extraordinárias, etc... Portanto, esta é uma das características do cristão: ser extraordinário.
No entanto, quando pensamos em “extraordinário”, pensamos em enormes obras, coisas estrondosas, mirabolantes, etc...
O que é “extraordinário”? A palavra nos sugere pensar o seguinte: “extra” + “ordinário”.
“Ordinário” é o que está na ordem do dia, nas regras, nos comportamentos ditos normais de todos, na mesmice do dia a dia. Isto é o ordinário: acordar, trabalhar, estudar, casar, comprar, consumir, morrer,…
Milhões de pessoas passam a vida fazendo o ordinário. E simplesmente “passam”.
Aqueles que fazem coisas “além desse ordinário”, ou seja, “extra”, são pessoas “extraordinárias”.
Portanto, tudo aquilo que vai além da normalidade, do comportamento geral, isso é extraordinário.
Dessa forma, tiramos do conceito de “extraordinário” a necessidade de “coisas enormes”. Mas, coisas mais profundas, com mais sentido, com “sabor diferente”, com “características diferenciadas”.
O seguimento de Jesus é para aqueles que querem “algo mais”, que querem o “extraordinário”.

A espiritualidade é a contracorrente do ordinário. Se, de um lado, o ordinário nos arrasta para a repetição e a conservação, de outro lado, a espiritualidade nos impulsiona para a busca e a descoberta.
Se permanecermos simplesmente no ordinário, então nos tornaremos medíocres e nos contentaremos com o “menos”.
A espiritualidade cristã é a espiritualidade do cotidiano, que conserva sua força transformadora, que é capaz de despertar o espanto e a admiração, apontando sempre para um horizonte mais amplo e mais rico;
é a espiritualidade que reacende desejos e sonhos novos, que suscita energias em direção ao mais;
é a espiritualidade que faz descobrir, escondida no ordinário, uma Presença absoluta que nos envolve;
é a espiritualidade que faz saborear o eterno e o Absoluto no ritmo doméstico e cotidiano da vida...
é a espiritualidade que projeta a vida a cada instante; abre espaço à ação do Espírito para que Ele nos expanda, nos alargue e nos impulsione para horizontes novos.
Uma pessoa certa vez disse: “todos nós somos chamados a sermos santos; e santo não é aquele que faz coisas extraordinárias, mas santo é aquele que faz as coisas ordinárias de forma extraordinária”.  Há aqui um sentido profundo: ser uma pessoa “normal”, mas que faz tudo de forma extraordinária. Fazer bem as coisas, com responsabilidade, com ética, com respeito, com justiça…
E temos muitas pessoas extraordinárias no mundo hoje, felizmente. Ocorre que os grandes meios de comunicação, ordinários (em todos os sentidos da palavra), não divulgam o que elas vivem: não retribuem violência com violência, são capazes de entregar o manto e de não dar as costas a quem pede emprestado; amam os inimigos e rezam por aqueles que as perseguem. Vivem de maneira extraordinária. Tais pessoas fazem a diferença.

É a “mística” que nos desperta da letargia do cotidiano. E despertos, descobriremos que o cotidiano guarda segredos, novidades, energias ocultas, forças criativas... que podem sempre conferir novo senti-do e brilho à vida. O Reino se revela no pequeno, no anônimo, no ordinário e não só no espetacular, no grandioso. É o cotidiano que nos prepara para as grandes decisões.
Na vida cotidiana, as pessoas correm o risco de serem apenas imitadoras ou repetidoras, pois temem se perderem na busca do novo; as respostas são confirmadas, mesmo que estas sejam velhas e desfocadas e as perguntas são silenciadas. Fechado em si mesmo o ordinário torna-se pesado, desinteressado e frustrado.
As “ações cotidianas insensatas” podem ser “sensatas” (com sentido), se percebermos Deus presente nelas. Descobrir a presença divina escondida no ordinário é encontrar-nos acolhidos pelo abraço do Criador que nos envolve.

Falamos de uma cotidianidade humana, isto é, daquelas atividades de nossa vida diária que, embora irrelevantes em sua aparência, tem uma razão de ser, uma motivação e um modo de serem feitas que não se deve à mera casualidade ou a um impulso instintivo de repetição ou automatismo.
O cotidiano é o que vivemos e/ou fazemos cada dia: o conjunto de circunstâncias, atividades e relações que formam a trama da nossa vida através da qual Deus se revela presente e atuante. Com essa inspiração, o cotidiano torna-se o “lugar” das experiências.
É na realidade diária que cada cristão é chamado a viver em comunhão com Deus e a deixar-se conduzir pelo mesmo Espírito que animou Jesus e o levou a inserir-se na trama humana, assumindo o risco da história. Ser cristão inserido no mundo, em meio às agitações cotidianas, é acima de tudo ter Jesus como referência de vida: suas palavras, suas ações, seu modo de relacionar-se com o Pai e com os irmãos...

Quando a vida cotidiana do cristão se torna monótona e se faz “normal”, é necessário sacudi-la com algum “detalhe não-normal”, que ajuda para revigorá-la e dar-lhe fecundidade.
Neste sentido, os tempos de oração são os momentos privilegiados para que toda pessoa, consciente de sua responsabilidade social e empenhada na transformação de seu “entorno” , possa encontrar em sua vida cotidiana a fonte e sua fecundidade transformadora.

Texto bíblicoMateus 5,38-48

Na oração:  
O Espírito nos faz abrir os olhos às realidades novas em nossa vida cotidiana; mas nossos olhos somente se abrirão se formos fiéis à voz do Espírito nos simples atos de nossa vida cotidiana.
Suas atividades diárias formam parte do seu caminho para Deus? Você tem consciência que cada dia é um “tempo de graça”? Você “apalpa” a presença de Deus nas “rotinas diárias”?

domingo, 12 de fevereiro de 2017

A Justiça do Reino

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o  Evangelho do 6º. domingo do Tempo Comum (Ano A).

“Se a vossa justiça não for maior que a dos mestres da Lei e dos fariseus...” (Mateus 5,20)

É uma beatitude ter dentro de nós o desejo de um mundo melhor, no qual haja justiça para todos. Esse desejo jamais se dará por terminado. Há aí uma tarefa sem fim.
A justiça não é uma virtude como as outras; é o horizonte de todas. Todo valor a supõe e toda a humanidade a requer.

A palavra “justiça” evoca, em 1º lugar, uma ordem jurídica (“jus”, em latim), o respeito à lei. A noção moral é mais ampla: a justiça dá a cada um o que lhe é devido.Mas, no sentido bíblico, “ser justo” é “ajustar-se” ao modo de ser e de agir de Deus.

Justiça, então, é integridade do ser humanomisericórdia, bondade e santidade de Deus... Justiça é a sabedoria posta em prática e ensina temperança, prudência ecoragem...

Para os judeus, a justiça é um empenho apaixonado em favor do direito das pessoas. justiça entra em cena nas relações entre Deus e o seu povo, e entre os homens. Ela está presente nos campos jurídico, social, ético e religioso. Ela significa mais agir do que ser.

justiça divina é vista como “a mais sublime bondade” ou uma “força que salva”, é o amor aberto e libertador.

No NT, a “justiça do Reino” se exprime na maneira na forma de proceder com os outros. É uma justiça que radicaliza a nossa vida e nos faz participar já do Reino messiânico. A nova justiça é, antes de tudo, uma exigência de amor entre as pessoas.

Jesus recupera o sentido e o espírito da Lei e não a interpretação casuística. A Lei é mediação para expandir-se em direção aos outros e a Deus. Nela mesma, não tem sentido, desumaniza. É legalismo. Quando a Lei nos abre aos outros ela se revela humanismo; do contrário, cai-se no farisaísmo.

A preocupação de Jesus não era as minúcias da Lei, mas a prática do amor misericordioso, de modo especial em relação aos pobres e marginalizados. Na vivência do amor não podemos descuidar nem da menor lei. Quando estava em jogo a defesa da vida, Jesus não transigia.

Na relação com os outros somos chamados a ir além da Lei. A lei estipula limites; o amor, pelo contrário, não tem limites.

Quando alguém busca a vontade do Pai vai sempre além do que pedem as leis. Para construir o mundo mais justo e humano, que Deus deseja para todos, o importante é contar com pessoas que se pareçam com Ele. A prática da justiça é infinitamente superior à lei.

Quem ‘não mata’, cumpre a lei, mas se não arranca de seu coração a agressividade, o desprezo, os insultos e as vinganças, não se parece com Deus. Aquele que não comete adultério cumpre a lei, mas se deseja egoisticamente a esposa de seu irmão, não se assemelha a Deus. Nestas pessoas reina a Lei, não Deus; são observantes, mas não sabem amar; vivem “corretamente”, mas não construirão um mundo mais humano.

A radicalidade exigida por Jesus aponta para o coração. O texto insiste em priorizar a reconciliação antes de fazer a oferenda no altar. Primeiro a justiça, depois o culto.

E essa interioridade, por sua vez, se expressa no modo de olhar, de agir. É preciso arrancar do coração o olhar possessivo, e a ação egoísta. Segundo a mentalidade oriental, olho direito é o olho consciente, masculino, que domina, avalia e julga, é o olhar do avarento que deseja possuir tudo.
O olho esquerdo é o olho inconsciente, feminino, que aceita, admira, observa e percebe.

A mão direita é a mão do realizador, daquele que se julga capaz de conseguir tudo que deseja; a mão esquerda é a mão feminina, carinhosa, que toca e cura.

Aquele que vê tudo só com seu olho direito, que se apodera de tudo, alimenta uma divisão interior e acaba criando seu próprio inferno e caos interior. Aquele que pensa que pode controlar tudo com sua mão direita, reprime muitos impulsos oblativos e abertos de seu coração, e acabará lançado no fogo de suas regiões reprimidas.
O decisivo é integrar e harmonizar os dinamismos interiores para que o seguimento de Jesus não desemboque numa batalha interior que desgasta e alimenta sentimentos de culpa.

Texto bíblico: Mateus 5,17-37

Na oração:
– A oração do tato é a oração de um corpo que não se apega avidamente, que não se fecha ao outro.
– Tocar a Deus ou deixar-se tocar por Ele não é sentir-se esmagado, mas sentir-se cercado de espaço. A oração é um estreitamento que nos torna livres. Não oramos com os punhos fechados, nem com garras, nem com aguilhão na ponta dos dedos. Só se pode orar com as mãos abertas…

– Diante de Deus, deixar aflorar os sinais de “farisaísmo” presentes no seu cotidiano.

Sal e Luz, presença que faz a diferença

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o  Evangelho do 5º. domingo do Tempo Comum (Ano A).


“Vós sois o sal da terra… Vós sois a luz do mundo” (Mateus 5,13-14)

O Evangelho de hoje vem imediatamente após a proclamação das Bem-aventuranças. Isto quer dizer que aquelas e aqueles que fazem das Bem-aventuranças o programa da sua vida, são chamados a uma responsabilidade real e atual, ou seja, eles/elas não vão se tornar sal da terra e luz do mundo no futuro, mas devem ser presença diferenciada no aqui e agora, humanizando as relações e comprometendo-se com a vida mais justa e plena.
Jesus diz: “Vós sois”; não diz “deveis ser”, ou “tenhais que vos converter em...” “Sois”: expressão que se refere à existência toda do(a) seguidor(a) de Jesus, em qualquer circunstância e tempo. Quem segue a Jesus Cristo, afetado por seu chamado, torna-se plenamente convertido em sal da terra e luz do mundo.
“Sal da terra…, luz do mundo”: muitas vezes estas duas imagens foram entendidas em chave proselitista, de um modo sumamente atraente para o ego e gratificante para a mente.
Ao ego lhe atrai sempre considerar-se em posse da verdade, particularmente por dois motivos: porque isso lhe traz uma sensação de segurança e porque lhe permite manter uma imagem de si “acima” daqueles que, para ele, se encontram no erro. Ao ego lhe encanta ser “especial”, brilhar, aparecer... Ao ego lhe encanta que o reconheçam como “sal” e como “luz”, já que ele não busca outra coisa a não ser sentir-se reconhecido a qualquer preço.

Se permanecermos no clima das bem-aventuranças, cairemos na conta que a pessoa que é chamada a ser sal e luz não sai publicando por aí; ela é sal e luz não por suas ideias, doutrinas ou normas morais que busca impor aos outros, mas por ela mesma, por aquilo que ela é em sua interioridade.
Concretamente, é “sal” aquela pessoa que nos ajuda a saborear a vida com mais profundidade, porque seu gosto por viver nos contagia e nos apoia para que possamos experimentar isso também.
É “luz” porque, com sua presença amorosa, dissipa nossas obscuridades e facilita que percebamos o sentido luminoso de nossa existência, de nossa verdadeira identidade.
Ser “luz” e “sal”, portanto, é o mais radicalmente oposto a qualquer atitude de superioridade e de proselitismo. Nem a vaidade, nem o fanatismo trazem sabor e luz.
A vida de Jesus aparece como “sal” e como “luz” pelo que Ele era e vivia. Sua mensagem era sumamente simples, centrada no compromisso com todos e numa presença compassiva; afinal de contas, “sal” e “luz” é outro nome da compaixão. Jesus despertou um movimento humanizador, carregado de sabor e iluminação, afetando a todos que d’Ele se aproximavam. Ele não estava preocupado em fazer proselitismo, nem anunciar uma nova religião, uma doutrina mais palatável... Sua presença des-velava a luz e o sal presente em toda e qualquer pessoa.

«Vós sois o sal da terra…” “Vós sois a luz do mundo…”:   constitui uma das afirmações evangélicas mais claras de que a missão dos seguidores de Jesus no mundo faz parte de sua própria identidade. Duas pequenas imagens ou afirmações para duas grandes atitudes.
As imagens do sal e da luz servem também de apoio para justificar duas formas diferentes de presença e de ação no mundo. A referência ao sal remete a uma ação invisível, pois concebe a presença dos cristãos no mundo sob a forma da encarnação, a presença silenciosa na realidade, a inserção na sociedade, deixando atuar, pelo testemunho de cada um, a força do evangelho que, como a semente, uma vez semeada, germina no campo, de dia e de noite, sem que o semeador perceba.
O específico da luz, por outro lado, é brilhar, ou seja, esta imagem realça uma forma de presença visível, através das ações comunicativas e, especialmente, do anúncio explícito, como meios para fazer chegar o evangelho ao mundo no qual o cristão é chamado a ser presença diferenciada.
De acordo com o texto, as formas de presença significadas pela luz e pelo sal são, as duas, inseparáveis. São duas formas de presença no mundo; duas formas de exercício da missão, de um modo de proceder que se dá por “contágio ativo”, caracterizado pela hospitalidade, o amor mútuo, a caridade para com os pobres, a alegria contagiante...

O símbolo da luz é ainda mais rico do que o do sal: a luz ilumina, aquece, guia, agrega, tranquiliza, reconforta. A Luz é força fecundante, princípio ativo, condição indispensável para que haja vida. Tem capacidade de purificar e regenerar. Em oposição às trevas, a Luz exalta o que belo, bom e verdadeiro.
Vivemos imersos num oceano de luz; carregamos dentro a força da luz. Ela sempre está aí, disponível; basta abrir-nos a ela com a disposição de acolhê-la e de fazer as transformações que ela inspira.
Pelo fato de ser benfazeja e criadora, a luz nos permite dizer com o poeta Thiago de Mello, no meio de impasses, ameaças e conflitos que pesam sobre nossa vida: “Faz escuro, mas eu canto”.
Há aqueles que, ao invés de serem presenças iluminadoras, estão mais preocupados em subir e ocupar a posição do candeeiro, para aparecer, para se colocar acima dos outros, serem vistos e elogiados pelas pessoas. Quem aspira estar no candeeiro revela não ter luz para iluminar os outros, mas uma luz auto-referente. O candeeiro não é para que os vejam; o candeeiro é para que a luz de suas vidas se expanda e ilumine melhor; o candeeiro não é para que estejam mais altos, mas é para que a luz de suas vidas chegue a lugares mais distantes.

O ser humano é luz quando expande seu verdadeiro ser, ou seja, quando transcende e vai mais além, desbloqueando as ricas possibilidades de humanidade. A luz, por si mesma, é expansiva.
Um fotógrafo profissional fez a seguinte afirmação: “minha profissão é escrever com a luz; muitos escrevem com letras, eu com a luz”. As fotografias dependem de como a pessoa administra a luz.
Uma preciosa motivação a buscar a luz dentro de nós mesmos, a buscar esse “retrato interior” que é movido a se expor diante dos olhares dos outros. Nossa vida pode ser apaixonante se a contemplamos e a construímos como um diálogo de vida e de luz.
O salmista utilizará um registro parecido, contemplando nosso espaço interior como uma fonte de luzes; uma fonte que deixa transparecer aquela Luz profunda que nos leva por caminhos de paz e serenidade:
Pois em Ti está a Fonte da vida e à tua Luz vemos a luz” (Sl 36,10).
Deixemo-nos iluminar pela Luz de Deus, levemos a Luz nas nossas pobres e frágeis mãos, iluminando os recantos do nosso cotidiano.
Somos uma “sarça ardente” diante dos outros, consumindo-nos constantemente, no humilde serviço; somos uma lamparina humilde, brilhando na janela da nossa pobre casa, indicando aos outros o caminho da segurança e do aconchego.

Texto bíblicoMateus 5,13-16

Na oração:
Sinto-me uma lâmpada com a responsabilidade de iluminar no meio da sociedade?
- Quê atitudes e comportamentos meus projetam luz para potenciar a tímida luz presente no outro?
- E quais projetam sombras, para poder erradicá-las? Na família, no trabalho, na comunidade cristã?

- Estou integrado ou devo integrar-me em alguma comunidade, grupo ou movimento eclesial, para ser luz coletivamente?  A quê compromissos concretos o Espírito me impulsiona pessoalmente e à nossa comunidade para ser luz em nosso entorno?