Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho da quarta-feira da Semana Santa (2025).
“Ao cair da tarde, Jesus se pôs à mesa com os Doze”
Mais
uma vez a liturgia nos convida a “fazer memória” da Última Ceia, uma refeição tão especial e carregada de sentido. Jesus havia
transitado por muitas refeições, participado de muitas mesas (especialmente com
os pobres e pecadores) e agora Ele nos deixa uma “mesa” como marca dos
seus seguidores. Mesa da partilha e da inclusão, mesa da festa e da comunhão.
É em torno a esta mesa que os
seguidores de Jesus se constituem como verdadeira comunidade. Ao recordar a
vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus, os cristãos se comprometem a
prolongar os Seus gestos, atitudes, valores, compromissos... “Fazer memória” de
Jesus junto à mesa é comprometer-se com a vida; é colocar a própria vida a
serviço da vida.
Jesus
quis cear com os seus amigos mais próximos e, por isso, precisa encontrar uma sala na qual houvesse espaço para estarem
juntos. O ritual pascal dá lugar aos gestos simples que acontecem entre amigos:
partilhar o pão, beber da mesma taça, desfrutar da mútua intimidade, entrar no
clima das confidências...
Jesus
sempre buscou companhia; havia nele uma necessidade irresistível de contar com
os seus como amigos e confidentes. Sua relação com eles vinha de longe: levavam
longo tempo caminhando, descansando e tomando refeições juntos, partilhando
alegrias e rejeições, falando das coisas do Reino. E continuará considerando-os
como amigos, mesmo quando um deles irá traí-lo e os outros fugirão.
Jesus fez questão de se confraternizar com o
círculo dos amigos, do qual Judas fazia parte.
Estando todos reunidos pela última vez, Jesus
anuncia quem é o traidor. É "aquele que se serviu comigo do prato é que
vai me entregar". Esta
maneira de anunciar a traição acentua o contraste. Para os judeus a comunhão de
mesa, colocar juntos a mão no mesmo prato, era a expressão máxima da amizade,
da intimidade e da confiança. Mateus sugere assim que, apesar da traição ser
feita por alguém muito amigo, o amor de Jesus é maior que a traição.
Na
descrição da paixão de Jesus do evangelho de Mateus acentua-se fortemente o
fracasso dos discípulos. Apesar da convivência de três anos, nenhum deles ficou
para tomar a defesa de Jesus. Judas traiu, Pedro negou, todos fugiram. Mateus
conta isto, não para criticar ou condenar, nem para provocar desânimo nos
leitores, mas para ressaltar que o acolhimento e o amor de Jesus superam a
derrota e o fracasso dos discípulos.
Preparar a mesa e fazer a refeição implica
todo um ritual. Comer é mais do que ingerir alimentos, é entrar em comunhão com
as energias que sustentam o universo e, por meio dos alimentos, garantem a
vida.
Por isso, a mesa, a ceia e o banquete
são cercados por uma rica simbologia. O próprio Reino de Deus, a utopia de
Jesus, é apresentado como uma ceia ou um banquete na casa do Pai
É junto à
mesa que se dá o processo de humanização e comunhão; a
partir desse ato sagrado, podemos olhar o outro mais de perto, escutá-lo mais
de perto, senti-lo mais de perto... pois “a comida,
o alimento de nossas refeições, não é somente o que
aparenta, mas, remete a algo que está atrás de si, para além de si. Portanto, o
gesto de sentar-se à mesa para comer revela um tipo de relação social de um
determinado grupo humano” (Manuel
Diaz Mateos).
É assim a
comunidade dos cristãos, a Igreja: juntos, “conspirando”, mãos dadas, comendo o pão,
bebendo o vinho e sentindo
uma saudade/esperança sem fim...
À luz do tema da CF (Fraternidade e Ecologia integral) podemos dizer que no
pão e no vinho chegam até nós os quatro elementos da mãe natureza: a terra,
o sol, a água e o ar. Através do pão e do vinho entramos
em comunhão com essa natureza que nos envolve e nos protege maternalmente.
Comungamos com ela e dessa comunhão surge nossa humanidade, na qual se encarna
o Filho de Deus.
É o Papa Francisco que, em sua importante encíclica (Laudato Sí), faz
alusão a esta dimensão cósmica da Eucaristia. Porque, no pão e no vinho se
concentra toda a essência da Criação, a exuberante riqueza de seus recursos, a
fecundidade inesgotável da terra, a beleza deslumbrante de suas fontes, de seus
mares e rios, de seus bosques, de suas montanhas...
Assim expressa o para no n. 236 da encíclica: “A Criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia. No auge do
mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um
pedaço de matéria. Não o faz a partir de cima, mas a partir de dentro, para
podermos encontrá-Lo em nosso próprio mundo. Na Eucaristia, já está realizada a
plenitude, e é o centro vital do universo, o centro transbordante de amor e de
vida inesgotável. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o
cosmos dá graças a Deus. Com efeito, a Eucaristia é, por si mesma, um ato de
amor cósmico. Sim, cósmico! A Eucaristia une o céu e a terra, abraça e penetra
toda a Criação. No Pão Eucarístico, a Criação está orientada para a
divinização, para as santas núpcias, para a unificação com o próprio Criador”.
O texto é, sem dúvida, de uma grande densidade teológica. Os dons
eucarísticos, o pão e o vinho, por sua condição material e terrena e por sua
vinculação ao trabalho do ser humano, são parte da Criação, são algo nosso, um
“pedaço de matéria”; pertencem à nossa condição mais própria e íntima. Tudo
isto nos faz tomar consciência de que, no insondável mistério eucarístico, os
dons apresentados são uma representação do cosmos. Todo o universo cósmico é
assumido e representado na Eucaristia. Deste modo a Eucaristia se torna o
centro do cosmo, o centro vital do universo; ela é celebrada sobre o altar do
mundo.
O Universo
inteiro é um imenso altar cósmico sobre o qual celebra-se, diariamente,
a liturgia da vida; ao mesmo tempo, ele é o lugar no qual podemos contemplar e
acolher a presença do Criador, a harmonia dos seres, a comunhão das criaturas.
Sobre o altar do mundo se entrelaçam o céu e a terra, de modo que toda a
Criação é iluminada pela Eucaristia.
Todas as
criaturas celebram a grande festa, ao redor da Mesa cósmica (Última Ceia – Ceia
universal).
A vivência da Última Ceia
nos proporciona uma fecunda experiência cósmico-ecológica. Sentimo-nos
conduzidos pela força do Espírito que alimenta as energias do universo e a
nossa própria energia vital e espiritual. Ao mesmo tempo ela nos convida a nos
posicionarmos de maneira diferente no Universo e levarmos a sério a
responsabilidade que temos sobre a Criação.
E a “eucaristia cósmica” se prolonga nas refeições cotidianas. A comida-bebida
é expressão de dependência, de nossa condição de criaturas. Por esta ação, manifestamos e experimentamos
que necessitamos sair de nós mesmos para subsistir. Nela nos encontramos com
algo que nos vem de fora e que necessitamos vitalmente, já que não podemos
tirá-la de nosso interior.
Somos solidários do universo porque dependemos dele. É nossa dimensão
cósmica mais palpável. Vivemos graças aos frutos da terra. Este sentido de
religião já nos insinua o religioso.
O fato de tomar juntos uma refeição é sinal de comunicação inter-humana, pois comemos em companhia e não sozinhos. Na sua raiz, a refeição é uma ação que implica comunidade, comunhão, comunicação. Se falta esta dimensão, a refeição se torna uma simples ingestão de alimento; não é um ato humano integral: comer e beber é expressão de nossa unidade de origem e de nossa solidariedade na condição humana; compartilhamos uma mesma origem e um mesmo destino, um mesmo enraizamento na terra, no cosmos.
Texto bíblico: Evangelho segundo Mateus 26,14-25
Na oração:
Descubra na sua mesa o
seu pão; na sua jornada, o seu chão; no seu cotidiano, o inesperado que vem, o
outro em sua fome, em busca de mãos abertas que saibam partilhar.
- Re-visitar o sentido e o
lugar da mesa-refeição no seu ambiente familiar: é lugar facilitador de
partilha e convivência?
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