Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 7º. Domingo do Tempo Comum (Ano C).
“... e sereis filhos do Altíssimo, porque Deus é bondoso também para com os ingratos e os maus”
No domingo
passado, Jesus proclamou as bem-aventuranças como atitude inspirada dos seus
seguidores(as). Neste domingo, podemos dizer que Jesus desce ao chão da vida
para explicitar a vivência das bem-aventuranças. Como vivê-las? Basta ativar as
atitudes oblativas presentes no evangelho indicado para este dia.
O “modo de
proceder” do seguidor(a) de Jesus está centrado no coração, ou seja, viver a
“cordialidade”, com todos e com tudo. Coração cristificado! A falta de
cordialidade está matando nossa sociedade, nossas famílias e comunidades;
quando não vivemos a partir do coração, petrificamos nossas relações, emitimos
juízos de morte sobre os outros, envenenamos toda possibilidade de encontro.
Jesus não está preocupado em fundar
uma nova religião, com seus ritos, doutrinas, leis. Ele inicia um “movimento
de vida” e este está centrado na maneira de viver a relação com os outros: “amai os vossos inimigos”, “fazei o bem
aos que vos odeiam”, “bendizei os que vos amaldiçoam”, “rezai por aqueles que
vos caluniam”. Tudo
isso é expressão da bondade, a marca divina presente nas profundezas de
nosso ser. A bondade é o atributo divino que nos diviniza.
“A
bondade é mais profunda que o mal mais profundo”
(Paul Ricoeur). Todos entendemos o que quer dizer “bondade”: uma pessoa
boa, uma atitude boa, uma ação boa, uma palavra boa... Não é preciso definir a
bondade, pois as definições tornam-na estreita; a bondade é concreta e
expansiva.
A bondade
alarga a vida. A humildade, a ternura, a compaixão, a tolerância, a
confiança... são atributos que dilatam nosso interior, proporcionam ao próximo
amplitude e alívio, abrem nele as fontes do bem, tornam-no livre para fazer
emergir o melhor de si.
Pelo contrário, a inimizade, o
ódio, a vingança, a insensibilidade, a soberba... nos atrofiam e nos afogam,
asfixiam no próximo seu alento vital, o bem-estar indispensável para ser bom.
Nisto consiste a verdadeira espiritualidade, independente de praticar ou não
uma religião. A bondade não equivale a conformidade com cânones e leis; estas
só valem se ajudam as pessoas a serem boas. Não é preciso dogmas, ritos e nem
leis religiosas para ser bom. Pelo contrário, o valor de uma religião se mede
por sua capacidade de alimentar a bondade, uma bondade feliz.
Insistir
na bondade em um mundo tão injusto e violento dá a impressão de ser algo
irresponsável. No entanto, só ela é criativa e criadora, subversiva. Que mundo
global novo podemos construir sem essa bondade como base inspiradora? Não
conseguiremos vencer o mal com o mal, aumentando as penas, afogando liberdades,
fechando fronteiras aos refugiados e abrindo-as aos fluxos financeiros,
endurecendo o controle sobre as pessoas, alimentando atitudes preconceituosas,
racistas e xenófobas... Nada conseguiremos se não somos movidos e inspirados
pelo princípio bondade. Falamos da bondade não de maneira abstrata, mas em ato:
a bondade do olhar, a bondade do gesto, a bondade do samaritano, a bondade da
fé no outro.
A bondade é sempre “relacional”.
É na forma de relacionar-se com os outros, sobretudo com aqueles que menos
podem corresponder, que melhor se pode detectar a presença da bondade, que não
atua por interesse, mas por pura gratuidade; a bondade é o melhor que brota
espontaneamente das entranhas quando não é abafada. Há uma prova muito simples
para ver até onde chega a bondade de uma pessoa. “O espelho do
comportamento ético não é a minha
própria consciência, mas o rosto daqueles que convivem comigo. Quando este
rosto expressa paz, esperança, alegria e felicidade, porque meu comportamento
gera tudo isso, então é evidente que minha conduta é eticamente correta” (José Maria Castillo).
E uma bondade que não está
edificada sobre a verdade, a justiça, a honradez, a sinceridade e a
transparência, não é bondade, mas hipocrisia. Quando desaparece a bondade como
conduta libertadora e solidária, então se congela a convivência e a
desumanização revela suas consequências trágicas.
Não se
prega a bondade, nem se ensina, nem se impõe. A bondade flui, contagia. Quem é
bondoso(a), cria um clima e um ambiente de bondade. E isso muda a vida, a de si
mesmo e a dos demais. Ser sempre bondoso(a), reconhecendo os próprios limites e
as próprias contradições. Só assim poderemos viver melhor, passe ou não passe
por crises. E nos sentiremos melhores.
O seguidor ou seguidora de Jesus
vive sempre orientado(a) e guiado(a) pela mais desconcertante bondade. Porque,
de fato, a bondade é a que mais nos assusta e nos desconcerta. Esta é a experiência
que devemos buscar e expressar como atitude permanente, onde cada um(a) busca,
no mais profundo de si mesmo, a bondade infinita que ali se aninha.
Só a
bondade como atributo divino nos capacita para “amar o inimigo”. E
o amor ao inimigo é a única garantia de que está em nós o amor e a bondade de
Deus; a falta de amor para com um só dos seres humanos é a certeza de que nosso
Amor (ágape) é vazio; se ainda se esconde um resquício de ódio a uma só pessoa,
então é evidente que estamos no lado oposto do evangelho. Tudo o mais, sem esse
amor ao inimigo, é egoísmo camuflado, e nossa vida espiritual será uma farsa. Tudo
o que normalmente chamamos amor não passa de ser apenas instinto, paixão,
interesse, amizade, que buscamos para potenciar o eu periférico, superficial.
Neste assunto, não serve para nada enganar-nos a nós mesmos.
Da mesma forma, só a bondade cristalina nos
possibilita “bendizer”, ou seja, “dizer bem” das pessoas, dos
acontecimentos, do cotidiano... Fazer da vida uma benção.
É “pensar e dizer” a cada pessoa: “Que bom que
você existe!”
É alegrar-se por ela: pelo mistério de sua vida e a beleza de suas capacidades;
é dar graças por sua existência; é desejar-lhe todo bem.
A benção está intimamente unida à gratidão. Não é
possível viver uma sem a outra. E, como diz um conto oriental, a gratidão é o
melhor antídoto contra o desânimo. Ativar a gratidão, vivendo a partir deste
sentimento tão nobre, nos põe em caminho para assumir a vida a partir de
benção.
A benção pode ser vivida também no
sofrimento, como também a gratidão. Não se agradece o mal, agradece-se a vida
que nos permite enfrentar o mal. Ou, em termos de fé, não se dá graças a Deus
pelo mal, mas porque, em meio ao mal, Ele está ao nosso lado, como nosso melhor
amigo e aliado.
Segundo Jesus, a benção deve
alcançar também àqueles que nos causam danos: “Bendizei
aos que vos amaldiçoam”.
Isto requer viver a partir de nosso eu profundo, iluminado e cristificado.
Outro modo de proceder que tem sua fonte na
bondade é o do perdão. Vivemos em um contexto social e religioso que
está em clara contradição com este princípio evangélico, ou seja, há um
discurso do ódio que campeia pelas redes sociais e que não tem nada a ver com a
orientação libertadora, igualitária e acolhedora do outro, das pessoas
diferentes. A construção do discurso do ódio está possibilitando o nascimento
de uma nova religião, a da morte. Ódio que se expressa nas atitudes
petrificadas contra pessoas migrantes, refugiadas, deslocadas, LGBT+, negras,
pobres... Não são reconhecidos seus valores, sua cultura, sua laboriosidade e,
menos ainda, sua situação de marginalização social e discriminação cultural.
E o mais escandaloso é que tal discurso está sendo propagado por pessoas que se dizem seguidoras de Jesus. Quanta contradição!
Texto bíblico: Evangelho segundo Lucas 6,27-38
Na oração:
Bendizer
os outros passa por poder bendizer-se a si mesmo. Como poderia dar a outros o
que me nego, ou sou incapaz de dar-me a mim mesmo?
Todo
ser humano é digno de benção. Para além das dificuldades, reações, limitações,
defeitos..., em todo ser humano há uma reserva de bondade, que o torna
“admirável”.
- Em seu cotidiano prevalece a benção ou o julgamento, a gratidão ou a ingratidão, o perdão ou a condenação?
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