“Como posso
merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?” (Lc 1,43)
O relato evangélico deste
4º. Domingo do Advento nos revela o verdadeiro sentido do “visitar”
e ser “visitado(a)”. Logo após a “anunciação”, Maria fecha a
porta de sua pequena casa em Nazaré e inicia apressadamente o caminho para as
montanhas, a um povoado de Judá, onde vivia Isabel. O impulso de seu coração
movia velozmente seus pés.
Vamos nos deixar conduzir
por Maria e vamos com ela “de visita” à casa de Isabel.
O Sublime se digna
visitar o pequeno; o “Emmanuel” se manifesta nos sinais mais simples: duas
mulheres, uma casa, um encontro, uma saudação... O AT e o NT se encontram e se acolhem, fora dos
espaços sagrados da religião oficial. A partir de agora, devemos
encontrar Deus no cotidiano, na vida. Jesus, já desde o ventre de sua
mãe, começa sua missão de levar aos outros a salvação e a alegria. Tudo quer
indicar que a verdadeira salvação sempre repercutirá em benefício dos demais;
quando alguém a descobre, imediatamente quer comunicá-la. A visita comunica
alegria (o Espírito), também à criança que Isabel carregava em seu ventre.
Aquelas mulheres
grávidas, esperançadas e cheias de fé, envolvidas no silêncio da promessa de
Deus, se encontram e, no mesmo instante do abraço, a palavra se faz presente
com a intensidade da compreensão, da alegria e da intimidade compartilhada.
Elas estavam felizes.
Isabel gritou de júbilo e “a criança saltou de alegria em seu ventre”. E Maria proclamou
exultante a oração de louvor e agradecimento ao Deus da Vida. O “Magnificat”
recolhe o louvor da orante que se descobre, a partir de sua humildade,
fecundada pelo seu Senhor, dentro da História da Salvação.
“Visitar” implica mover-se, para perto ou
longe, sair, colocar-se em marcha, abandonar o espaço de conforto, adentrar-se
na realidade da outra pessoa. Por outro lado, a pessoa visitada abre a porta de
seu espaço vital e acolhe aquela que vem “de visita”.
“Visitar” exige irremediavelmente investir
tempo: quem tem tempo hoje para presenteá-lo desinteressadamente? A visita
começa a dar frutos desde o primeiro instante, se há uma boa predisposição. A
atitude de quem visita e de quem é visitada é elemento primordial.
Maria permaneceu em
casa de Isabel durante três meses e depois voltou para sua casa. Deslocou-se,
investiu seu tempo e podemos imaginar o quão maravilhosos foram os três meses
que elas passaram juntas, acolhendo-se mutuamente, vendo como a vida crescia
dentro delas, cuidando-se, compartilhando...
No contexto social em que
vivemos, cada vez mais fragmentado e individualizado, as relações vão se tornando
líquidas em manifestações muito superficiais; reduzidas a um mero contato
tecnológico através das redes sociais, Whatsapp, Instagram, etc., nos
perguntamos se ainda tem significado o fato de visitar, para além de um
contato comercial, de captação de clientes, ou do médico quando o paciente não
pode se mover da cama.
Depois de empapar-nos do
evangelho deste domingo é preciso nos perguntar: a que nos impulsiona o “movimento”
de Maria visitando Isabel. E, se realmente, o fato de visitar tem um
significado em nossa vida.
Há uma infinidade de
pessoas, aí fora, esperando uma visita, um encontro de pessoa a pessoa.
Há muita necessidade
de abraços e de afeto, que não se solucionam com “emojis” e fotos com preciosos
textos de boas intenções no celular.
Há uma sede de presença
física, de escuta, nas alegrias e nas dores de muitas pessoas; há enfermos
crônicos que aguardam o consolo de uma visita gratuita e alegre que quebre a
sua solidão.
Há muitos idosos que
vivem sozinhos, cuja porta da casa nunca se abre para receber, porque ninguém
se aproxima para ser recebido. Há muitos imigrantes que ultrapassam fronteiras,
fugindo de seus lugares de origem e que precisam ser escutados, recebidos, alentados
etc.
No contexto rural de nosso país ainda se
conserva o bom hábito de “fazer visitas” e a casa torna-se espaço humano
de partilha, convivência, festa, ajuda mútua...
Por outro lado, sobretudo nos grandes centros,
as casas estão cercadas por uma parafernália eletrônica de segurança, com
entrada rigorosamente controlada, alarmes contra invasores..., impedindo o
acesso até dos mais próximos (parentes,
amigos...). Com os familiares e amigos trocam-se frias mensagens eletrônicas em
vez de visitas; com os desconhecidos, contato virtual descompromissado.
Além disso, há uma doença que afeta praticamente todas as casas: nelas,
há muito mais espelhos que isolam as pessoas do que janelas
que se abrem para a realidade externa.
As janelas abertas permitem
ampliar nosso horizonte. Através delas purifica-se o ar denso, pouco respirável
que geramos quando nos fechados em nós mesmos. Elas nos abrem à comunhão com a
natureza, com os outros, com a realidade que nos cerca. Elas nos humanizam,
pois servem para nos revelar quem somos para os outros e, assim, poder passar
da janela à porta que se abre para que eles entrem em nossa vida. Outros rostos
precisamos descobrir: rostos feridos, excluídos, carentes de proximidade e
abraço.
Dentre as “obras de
misericórdia”, citadas no juízo final (Mateus), duas delas fazem referência ao
ato de “visitar”: visitar os enfermos e os presos.
Visitar é uma atitude
humanizadora; requer um empenho pessoal, um estar atento aos detalhes da vida
próxima, do entorno. Visitar não conta nas estatísticas. É uma ação muito
silenciosa que não requer estruturas organizativas, nem contratuais. Sua
essência está no reconhecimento e na acolhida mútua.
Este “reconhecimento”
presente nas duas futuras mães – Maria e Isabel - se prolonga nos nossos “reconhecimentos
cotidianos”; no reconhecimento está o “nascimento”, e viver o reconhecimento é,
então, nascer a uma nova relação com o outro, numa comunhão profunda.
Reconhecer-nos unidos, na diferença
Na Visitação, as duas
protagonistas, também, põem em destaque três importantes ações que Jesus depois
vai potencializar na sua missão: acolher, animar e acompanhar a
vida.
Segundo o Cardeal
Martini, Maria, mulher do discernimento, depois da Anunciação, busca a
confirmação de sua missão de ser a mãe do Messias. Sabemos que é a consolação
que confirma determinada opção.
Na Visitação,
Maria encontra três confirmações, através de uma tríplice alegria (três
consolações).
Em primeiro lugar, a
alegria de João Batista no ventre da mãe; em segundo lugar, a alegria de Isabel
que estava grávida em sua velhice e reconhece em Maria a ação de Deus (através
de seu canto); em terceiro, a alegria da própria Maria que se expressa no
Magnificat.
A saudação na
Visitação se transforma em um encontro no qual as duas protagonistas ficam
confirmadas em seu afeto, sua fé e admiração.
O encontro se converte em comunicação. O espírito de fecundidade que
ambas, Maria e Isabel reconhecem como graça em sua carne, se tornou naquele
momento graça de comunicação transparente.
E o clima festivo da Visitação se prolonga na história humana das visitas. E o primeiro “Visitador” é o próprio Deus.
Texto bíblico: Evangelho segundo Lucas 1,39-45
Na oração:
Deus não
é distância e solidão. Ele é comunicação,
presença, libertação, visita providente.
Ele está perto. Sua proximidade nos causa espanto:
Deus possibilita cada um “entrar” em sua casa e captar em
profundidade a sua realidade, perceber a raiz do seu ideal de vida (cada vez
mais atraente-convincente-exigente), como também suas contradições, ilusões,
medos...
Neste “mergulho”
interno, cada um pode construir uma espécie de mapa da própria casa, com
as regiões fortes e fracas, vulneráveis e criativas, transparentes e ainda
misteriosas...
- Como me sinto
em minha casa? Preciso abri-la, arejá-la? Modificá-la? Iluminá-la? É
acolhedora? Humanizadora?... Tem mais espelhos ou janelas?
- Como está
minha casa interior? Preparada para
acolher o Senhor que me visita constantemente?
- Há um “lugar sagrado” para Ele? há espaço
para os outros?
Gratidão ao padre Adroaldo que nos presenteia com este texto tão profundo!!
ResponderExcluirGratidão ao Padre Adroaldo pela rica reflexão que muito tem me ajudado a rezar.
ResponderExcluirIrmã Aparecida Pereira _IPG
ResponderExcluirLouvor a Deus Pai que à Luz do Espírito Santo, inspira Padre Adroaldo que com sabedoria escreve textos tão elucidativos e animadores. Gratidão, Padre Adroaldo.
ResponderExcluirQTA RIQUEZA, NA SIMPLICIDADE DESSAS DUAS MULHERES, ESCOLHIDAS POR DEUS P/ GERAR, O PRECURSOR E O PROPIO SALVADOR. NA SIMPLICIDADE DA VISITAÇÃO, A GRANDEZA DA SOLIDARIEDADE, RESPEITO E ESCOLHAS SEM PRESENTES MATERIAIS, MAS DE UMA DIMENSÃO DIVINA!
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