Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho do 3º Domingo do Tempo do Advento (Ano C).
“As multidões perguntavam a João: ‘Que devemos fazer’”? (Lc 3,10)
A primeira palavra da liturgia deste domingo, na antífona de entrada
tirada da segunda leitura, é um convite à alegria. Não
se trata de uma alegria que procede do exterior, fruto de uma conquista ou de
um presente; ela brota da tomada de consciência de que “Deus é Emmanuel”.
Essa alegria, no AT, está baseada na salvação que vai chegar. Hoje
estamos em condições de dar um passo a mais e descobrir que a salvação já
chegou, porque Deus não tem que vir de nenhuma parte; Ele já veio, está vindo e
virá sempre. Nós é que precisamos ativar uma atitude de atenção e vigilância
para entrar em sintonia com esta Presença, sempre nova e surpreendente.
Fazendo de todos nós sua morada, Deus nos comunicou tudo o que Ele mesmo
é. Não devemos estar alegres “porque
Deus está próximo”, mas porque Deus já está em nós.
A alegria é como a
água de uma fonte: nós só a vemos quando aparece na superfície. Mas antes, ela
percorreu um longo caminho que ninguém pode conhecer, através das entranhas da
terra. A alegria não é um objetivo a conquistar; é, antes de tudo, uma
consequência de um estado de ânimo que se alcança depois de um processo. Esse
processo começa pela experiência de “sentir-se habitado”, ou seja, tomada de
consciência de nosso verdadeiro ser. Se descobrimos que Deus habita nosso ser,
encontraremos a absoluta felicidade dentro de nós.
No evangelho deste domingo, surge uma repetida pergunta: “Que devemos fazer?”
As respostas a estas perguntas manifestam muito bem a diferença entre a
pregação de Jesus e a de João Batista.
Segundo a mentalidade do AT, Deus estava mais preocupado com o
cumprimento de sua vontade expressa na Lei. O Batista segue nessa direção,
porque acreditava que a salvação que esperavam de Deus dependia da conduta de
cada um. Esta era também a atitude dos fariseus; daí sua escrupulosidade e
rigor no cumprimento de todas as leis e normas.
A partir
da perspectiva da religiosidade judaica, o Batista pede àqueles que o escutam,
uma determinada conduta moral para escapar do castigo iminente. Essa conduta
não se refere ao cumprimento de normas legais, como faziam os fariseus, mas
manifesta uma preocupação para com os outros. Todas as propostas apresentadas
por João Batista estão encaminhadas a melhorar as relações entre as pessoas, a
tornar essas relações mais humanas, superando todo egoísmo.
No entanto, o evangelho de Jesus propõe uma motivação mais profunda. O
objetivo não é escapar da ira de Deus, mas prolongar a atitude do próprio
Jesus, numa vida de entrega aos demais. Ele nos convida a descobrir o amor, que é Deus, dentro de nós mesmos
e, como consequência, dedicar-nos a agir conforme às inspirações dessa
presença. Para o Batista, a aceitação de Deus depende do que nós fazemos.
O Evangelho, por sua vez, nos diz que a sintonia com essa Presença divina
é ponto de partida, e não a meta. Continuar esperando a salvação de Deus é a
prova de que não descobrimos ainda essa presença dentro de nós, e continuamos
desejando que chegue de fora. S. Agostinho expressou isso com clareza: “Ame e faça o que quiseres”.
Este é o melhor resumo da mensagem de Jesus.
A certeza de ter Deus presente em
nós não depende de nossas ações ou omissões. É anterior à nossa própria
existência. Não ter isto claro, pode nos fazer cair no “ativismo religioso”,
onde o centro passa a ser o nosso falso eu que realiza ações em favor dos
outros; caímos no perfeccionismo das ações morais, onde transparece o nosso ego
inflado, que espera recompensas tanto da parte de Deus como dos outros
(elogios, admiração...). Com esta atitude estamos projetando sobre Deus nossa
maneira de proceder e nos afastamos dos ensinamentos do evangelho que nos diz
exatamente o contrário.
A
salvação não está em satisfazer os desejos de nosso falso eu.
Nem
sequer a resposta de João Batista pode nos tranquilizar, pois na realização de
uma série de obras pode entrar em cena o nosso ego que busca projeção. Não se
trata de “fazer” ou deixar de fazer, mas, movido pela Presença que nos
plenifica, fortalecer uma atitude oblativa que nos leve a responder, em cada
momento, às necessidades concretas do outro que clama por ajuda. O decisivo é
que, a partir do centro divinizado de nosso ser, flua humanidade em todas as
direções, na mais pura gratuidade.
A
experiência de sentir-nos habitados pelo Deus de Amor desperta em nós o
sentimento humano mais nobre que é a gratidão; e este sentimento se
expressa numa atitude constante de abertura e serviço aos demais.
Na vivência cristã, sempre corremos o risco de transformar o “fazer”
em simples ativismo, ou seja, uma ação desprovida de sentido e de
direção. De fato, vivemos mergulhados numa cultura de resultados,
distraídos e perdidos na variedade de luzes, cores, sensações fugazes,
vivências superficiais... A existência inteira faz-se maquinal e rotineira. Caímos
numa pura “fazeção”, ou seja, fazer por fazer, fazer para
afirmar-nos, fazer para brilhar, fazer para produzir, fazer para nos impor...
Falta
uma referência e um horizonte que unifique tudo, que possibilite reorientar e
canalizar nossas potencialidades, impulsos, inspirações, que desperte nossa
paixão e dê novo sentido à nossa missão.
Para
integrar bem os diversos dinamismos da vida, é decisivo centrar no horizonte
que inspira nossa vida e nos motiva a fazer o que fazemos e como
fazemos. E o horizonte é “ajudar”.
“Ajudar” é,
para a espiritualidade do Advento, o horizonte e a chave de integração de nossa
vida.
“Ajudar”, como atitude pessoal e comunitária, é o equivalente evangélico “servir”.
Um “ajudar” (servir) que brota da experiência de ser “ajudado”
(servido) por um Deus servidor.
No “ajudar” dão-se as mãos o amor a
Deus e o amor à pessoa humana, a experiência interior e a ação cotidiana, a
ação e a contemplação; nele se expressa a profundidade e o enraizamento da
pessoa nas exigências cotidianas da vida; nele convergem a busca de Deus e o
compromisso com o mundo.
“Ajudar” é oposto do ativismo, que é um fazer “insensato”, sem sentido e sem
direção. “Ajudar” é fazer com inspiração, com horizonte de
sentido; é perguntar-se continuamente: “por que faço
isso? para quem
faço?... “Em que
posso ajudar?” (D. Luciano M. de Almeida)
“Ajudar” não vai na
linha do impor, senão do propor. Tal atitude requer presença gratuita,
desinteressada, centrada no bem da outra pessoa, sem criar dependências, mas
fazendo-a crescer em liberdade.
“Ajudar” implica possibilitar ao outro
ser protagonista de seu processo, devolver a ele a autoria, a autonomia... No “fazer”
o centro somos nós, no “ajudar” é o outro; no “fazer”
medimos a quantidade, no “ajudar”, a qualidade de nossa ação. No “ajudar”
há parceria (mão dupla): na medida em que ajudamos, somos ajudados; na
ajuda há um enriquecimento e crescimento mútuo.
“Ajudar” não é substituir os
outros naquilo que eles podem e tem de fazer, ou dizendo o que tem de ser
feito, mas colocá-los em condição para que eles mesmos se experimentem
ajudados, descubram o Deus que ajuda a todos e sintam o impulso para ajudar
como ideal de suas vidas.
“Ajudar” os outros, inspirados e animados pelo Espírito de Jesus, é o que torna “espiritual”
nossos atos, nossos pensamentos e orações, nossos trabalhos, nossa vida
inteira.
“Ajudar” torna “espiritual” nossa vida, toda nossa vida.
Texto bíblico: Evangelho segundo Lucas 3,10-18
Na oração:
- Não pergunte a ninguém o que você tem de fazer. Descubra seu
verdadeiro ser e encontrará seu modo original de proceder na relação com os
outros. Sua meta deve ser a de ativar e expandir o que você já é na sua
essência.
Só poderá expandir seu verdadeiro ser se suas relações com os outros
são cada dia mais humanas, sem nenhum resquício egóico.
Muito interessante esse Texto. Ajudar só faz sentido se for pra servir e ser servido, sempre inspirando no coletivo e no amor de Deus.
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