Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 14º. Domingo do Tempo Comum (Ano C).
“Em
qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘a paz esteja nesta casa!’” (Lc 10,5)
No Evangelho deste domingo Lucas recolhe um importante
discurso missionário de Jesus, dirigido não mais aos Doze, mas a outro grupo
numeroso de discípulos, o qual envia para que colabore com Ele em seu projeto
de instauração do Reinado do Pai. As palavras de Jesus constituem uma espécie
de carta fundacional onde seus seguidores devem alimentar sua missão
evangelizadora.
Jesus “designou discípulos” e não
“escolheu”. Designar é nomear para uma função; “desígnio” = intenção,
propósito, vontade. Designar 72 discípulos significa que Jesus já os tinha no
próprio coração; não foi uma escolha aleatória. Ele designa as pessoas que
conviveram com Ele e se deixaram impactar pelo seu modo original de ser e agir.
Jesus envia seus discípulos de “dois
em dois”; por que esta insistência em fazer o caminho ao menos junto a
outro? Para os judeus, a opinião de um só não tinha nenhum valor em um juízo, e
os missionários são, sobretudo, testemunhas. Também, porque a mensagem deve ser
proclamada sempre em comunidade.
É preciso ir “de dois a dois”, ou
seja, dispostos a caminhar com outros, a comportar-se como cúmplices e
companheiros, a negociar metas e compartilhar itinerários, convencidos de que o
individualismo já cadu-cou; ajudam-se um ao outro, se sustentam e se apoiam
mutuamente.
É importante destacar que há um dado constante em
todos os relatos de envio: a casa, como lugar preferencial para os
discípulos missionários. E isso não é estranho. É certo que Jesus ensinou nas
sinagogas; no entanto, Ele preferia muito mais ensinar a campo aberto, indo
pelos caminhos, atravessando vilas e povoados, aproveitando as travessias do
Lago de Genesaré... Mas, sobretudo, Ele ia aonde homens e mulheres realizavam
suas atividades comuns, no simples contexto do trabalho cotidiano e, de maneira
privilegiada, nas casas, começando, desde logo, pela sua própria casa. A casa
acaba sendo o espaço alternativo que se adequava melhor à atuação do Mestre,
enquanto sua pregação acontecia na itinerância.
A Boa Notícia de Jesus deve ser
comunicada com respeito total, a partir de uma atitude amistosa e fraterna,
contagiando a paz. É um erro pretender impô-la a partir de uma pretensa
superioridade, de ameaça ou de ressentimento. É ante evangélico tratar sem amor
as pessoas só porque não aceitam a mensagem. Mas, como vão aceitá-la se não se
sentem compreendidas por aqueles que se apresentam em nome de Jesus?
Em primeiro lugar, Jesus convida seus discípulos e a nós a
viver em atitude de saída, de encontro com o outro. Ele não funda
uma religião onde as pessoas se fecham no ritualismo, no culto, na doutrina,
vivendo uma auto-referência e um narcisismo doentio. Jesus move aqueles que o
seguem a saírem de si mesmos para se deixarem contagiar pelos outros. Aqueles
que vivem fechados em si mesmos não sabem escutar o clamor e os gemidos dos
outros e acabam se tornando insensíveis e incapazes de viver uma presença solidária.
Jesus
convida a romper distâncias e suspeitas para viver uma proximidade acolhedora
com o outro; é preciso viver em situação de saída para que entre o diferente, a
novidade, o surpreendente... Citando o poeta Rilke, o ser humano deve viver em
situação de despedida.
Infelizmente
temos esquecido que “ser cristão” é “seguir” Jesus Cristo: mover-nos,
dar passos, caminhar, construir nossa vida seguindo suas pegadas. Nossa
vivência cristã, muitas vezes, se restringe a uma fé teórica e inoperante ou se
fecha numa prática religiosa rotineira e vazia; não transforma nossa vida em
seguimento de Jesus.
Seguir Jesus Cristo é aderir a Ele
incondicionalmente, é “entrar” no seu caminho, recriá-lo a
cada momento e percorrê-lo até o fim. Seguir
é deixar-nos “con-figurar”, isto é, movimento pelo
qual nossa vida vai sendo modelada pelo modo de ser e viver de Jesus.
Jesus
não nos chama para seguir uma religião, uma doutrina, nem fazer proselitismo...
Ele desencadeia um movimento de vida e nos convoca a segui-Lo, ou seja,
identificar-nos com Ele e com a causa do Reino.
O
horizonte do chamado e do envio não é outro que o compromisso em
favor da vida e das pessoas, frente àquelas forças que tendem a travar e
danificar a mesma vida. A partir desta perspectiva, a “missão” pode reencontrar
seu verdadeiro sentido. Enviados(as) em favor da Vida, seus(suas) seguidores(as)
sabem muito bem qual é o encargo que Jesus lhes confia. Nunca O viram
governando a ninguém; sempre O conheceram curando feridas, aliviando o
sofrimento, regenerando vidas, destravando os medos, contagiando confiança em
Deus. O que Jesus sempre quis foi “discípulos/as” que lhe “seguissem”, ou
seja, que vivessem como Ele viveu: dedicados a curar enfermidades, aliviar
sofrimentos, acolher as pessoas mais perdidas e extraviadas, pacificar as
relações. Assim nasceu o “movimento de Jesus”.
É preciso sair dos limites conhecidos; sair de nossas
seguranças para adentrar-nos no terreno do incerto; sair dos espaços onde nos
sentimos fortes para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis;
sair do inquestionável para enfrentarmos o novo...
É
decisivo estar dispostos a abrir espaços em nossa história a novas pessoas e
situações, novos encontros, novas experiências... Porque sempre há algo diferente
e inesperado que pode nos enriquecer...
A
vida está cheia de possibilidades e surpresas; inumeráveis caminhos que podemos
percorrer; pessoas instigantes que aparecem em nossas vidas; desafios,
encontros, aprendizagens, motivos para celebrar, lições que aprendemos e nos fazem
um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais simples...
“Sede itinerantes”: este é o apelo que brota do modo de viver que Jesus elegeu
quando se dedicou a proclamar sua Boa Notícia e aliviar o sofrimento humano. Ele
não tinha templo, não tinha casa, não tinha onde reclinar a cabeça... Este
desapego de todo tipo de segurança é a atitude básica e fundamental que todo(a)
discípulo(a) deve adotar. O anúncio não pode ser realizado em lugares fechados
ou sentados numa cátedra. Seguir Jesus exige uma dinâmica continuada. Nada pode
ser comunicado a partir de uma cômoda instalação pessoal. A disponibilidade e a
mobilidade são exigência básicas da mensagem de Jesus.
Mesmo
que, com frequência, esqueçamos desse apelo de Jesus, a essência da Igreja está
marcada pela mística do envio. Por isso, é perigoso concebê-la
como uma instituição fundada para cuidar e proteger uma religião. Ela não foi
fundada para preservar ritos arcaicos, doutrinas estéreis, normas vazias... Ela
é um “corpo” para a missão; responde melhor ao desejo original de Jesus quando
a Igreja é imagem de um movimento profético que caminha pela história, segundo
a lógica do envio: saindo de si mesma, comprometendo-se com os outros, levando
ao mundo a boa notícia de Deus. “A Igreja não está aí para si mesma,
mas para a humanidade” (Bento XVI).
Por
isso, é tão perigosa a tentação de viver na retaguarda, centrados em nossos
próprios interesses, nosso passado, nossas conquistas doutrinais, nossas
práticas e costumes “religiosos”. Pior ainda é quando fazemos isso petrificando
nossa relação com o mundo.
Que é uma Igreja rígida, paralisada, fechada em si mesma, sem profetas de Jesus e sem portadores da Boa Notícia da vida e da paz.
Texto bíblico: Evangelho segundo Lucas 10,1-12.17-20
Na
oração:
Diante
de Jesus, que “passa e chama” a todos, responda: como você vive, hoje, sua missão no trabalho, no seu ambiente, na sua comunidade? Que
sentido você quer dar à sua própria vida?... em quê gastar suas forças,
capacidades? Como viver, no seu cotidiano, sua vocação de
discípulo(a)-missionário(a)?
-
Sua comunidade cristã está mais próxima do “movimento de Jesus” ou vive
“formatada” pelo peso de uma religião fechada, desencarnada e
descompromissada?
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