Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho do 2º Domingo da Quaresma (2025).
“Jesus
levou consigo Pedro, Tiago e João, e subiu à montanha para rezar” (Lc 9,28)
O tema do Ano Jubilar (“Peregrinos de
esperança”) vem confirmar que somos todos peregrinos,
pessoas num processo dinâmico de crescimento e amadurecimento. Cada um de nós
deve marchar corajosamente seguindo
seu próprio ritmo, escalar suas
próprias montanhas, ter um horizonte inspirador.
Às vezes, parece-nos mais seguro continuar na velha e conhecida trilha ou ser parte do rebanho. A estrada menos trilhada parece ser a
mais arriscada.
No entanto, somos todos peregrinos, cada um a caminho do
próprio destino. A estrada não é
igual para todos. Cada um de nós é dotado de um potencial imenso e único.
Vivemos uma itinerância que
começa dentro de nós mesmos, nas
estradas e trilhas da nossa espiritualidade; um percurso revelador, que deixa
transparecer nossa verdadeira identidade. Todo caminho nos “trans-figura”,
porque desperta nossa essência, ativa nossos melhores recursos, faz emergir
nossa nobreza interior.
Uma eterna tentação também habita o ser humano: é mais cômodo e seguro
ficar sentado à beira do caminho. Mas, ficar sentado é estagnar, é não crescer, é perder o caminho e se
acomodar. É aceitar ser menos. É
conformar-se em ter a mediocridade como horizonte; é ter vida “des-figurada”.
Quem caminha quer ser mais.
Seu horizonte é o seu sonho, o seu ideal, a sua esperança.
É corajoso e persistente. Faz
amigos e companheiros de caminhada.
Vida “trans-figurada”.
A transfiguração não é condição de um “iluminado”,
mas a realidade de toda pessoa que é capaz de “sair de seu
próprio amor, querer e interesse” (S.
Inácio). Transfigurar é descentrar-se e expandir-se
na direção do outro.
O tempo litúrgico da Quaresma vem nos arrancar de nossa
mediocridade e de nossa acomodação; ele nos sintoniza com Aquele que é o
Peregrino por excelência. Por ser Peregrino, Jesus vive sempre
“trans-figurado”.
Mas os evangelistas querem destacar um momento mais denso na vida
transfigurada de Jesus. Por isso, o evangelho deste segundo domingo da Quaresma
nos move a “subir” com Jesus ao Monte Tabor, para ali vislumbrar a verdadeira
identadade d’Ele e também a nossa.
A experiência de Montanha, portanto,
significa experiência de trans-figuração, ou seja, nos revela
nosso ser essencial, nos faz ir além de nossa aparência para captar nossa
riqueza interior, nosso eu original.
Como aconteceu a Pedro, Tiago e
João, Jesus também nos tira do caminho e nos leva consigo para nos fazer
testemunhas e partícipes de seu encontro com o Pai, deste fato central em sua
vida: experimentar-se como Filho Amado.
Tal relato nos convida a estar
atentos diante da presença próxima e amorosa de Deus, como filhos e filhas
amados(as), e a experimentar o encontro com Ele que nos “transfigura”.
A experiência de intimidade com o Pai está
narrada com todos os elementos das teofanias bíblicas: subida ao monte (lugar
em que Deus habita), vestimentas resplandecentes e personagens centrais da
história do povo que nos conectam com a Lei e os Profetas. Mas estes elementos
da teofania não nos devem tirar a nossa atenção do foco. A importância e a
grandiosidade da proximidade de Deus não está na “roupagem” brilhante, mas na
profundidade da experiência de Jesus, que se vê e se sente a si mesmo
profundamente amado como Filho. Ele é o Filho amado do Pai, de seu Abbá.
É desta experiência que os três discípulos são testemunhas. É ali, ao descobrir
Jesus como Filho amado de Deus, que eles se sentem chamados a escutá-lo; ali
também brota uma atração irresistível de permanecer com Ele, na montanha.
Pedro, em nome dos outros, se
sentiu atordoado e pensou que já tinha chegado à hora final da Lei, do mundo e
da história. E, no meio do espanto, disse: “façamos
três tendas!”.
Tendas, para que fiquem acampados e assim possam conservar o brilho de Deus
para sempre; tendas de campanha que logo se tornarão imensos mosteiros,
catedrais, basílicas gloriosas, para descansar, para admirar.
Mas, a questão verdadeira foi e
continua aberta. Há um “Pedro” que continua sonhando com “templos suntuosos” e
“vestes resplandecentes”, enquanto Jesus continua dialogando em meio à nuvem,
com Moisés e Elias, sobre a forma de subir a Jerusalém, realizando o grande
“êxodo”, o caminho que conduz à nova humanidade.
O Monte da Transfiguração é “parada
inspiradora”, lugar da escuta e do discernimento, ambiente privilegiado
para iluminar a opção do caminho a ser realizado.
Nesse sentido, o evangelho da transfiguração
nos ajuda a descobrir nossa capacidade de escuta. Quantas vezes entramos
no mais profundo de nosso ser (Tabor) para que ressoe em nós a mesma voz que
Jesus ouviu: “És
meu filho amado; és minha filha amada”?
Como escuto? Que palavras fazem que meus ouvidos se
ampliem, para ouvir melhor? A quem fecho meus ouvidos? Que ruídos me impedem
escutar atentamente o que de verdade vale a pena?
Se não fazemos silêncio em nossa vida, como vamos
poder escutar as provocativas palavras que o Abbá nos diz ao coração? Se não
cuidamos da experiência de sermos filhos e filhas de Deus, de onde tiraremos a
força para viver cada dia?
Esta experiência de interioridade
nos trans-figura, nos transforma radicalmente. Fomos criados à imagem e
semelhança do bom Deus; só no silêncio podemos escutar cada dia a Palavra que
nos ajuda a viver uma contínua conversão, a crescer como filhos e como irmãos,
especialmente das pessoas mais pobres.
Nossa vida não se resume a pura aparência ou exterioridade, mas podemos
dizer que trazemos a trans-figuração em nosso DNA.
A oração é o caminho deste retorno para dentro de nosso ser. Temos
necessidade de um mundo interior, de um gosto pela “solitude” (solidão
habitada), de um tempo de silêncio, de uma experiência de deserto...
Há situações humanas
ante as quais nos encontramos despojados de nossos papéis, nossos títulos, nossos
instrumentos de trabalho, nossas justificações, nossos disfarces... e não tem
outro remédio a não ser acudir às nossas reservas mais profundas para
encontrar, não tanto uma explicação, mas uma força e um sentido.
Ao
experienciar-nos enraizados(as) em Deus, tornamo-nos fonte de felicidade, de
paz e de alegria.
Somos
gerados(as) no Amor e para o Amor.
O Amor
fundante de Deus perpassa todo o nosso ser e plasma um coração novo, um novo
modo de ser, de perceber, de relacionar-nos e de sentir, infundindo-nos uma
visão nova de nós mesmos, dos outros, da realidade e de Deus. A pessoa é
transformada por dentro.
Isto nos torna herdeiros da “imagem
e semelhança” de Deus, que se revelou a Moisés como “EU SOU”.
Todo ser humano, na sua identidade original, é
uma faísca irrepetível do “EU
SOU”, que reveste com Seu brilho o “eu
sou” de cada pessoa.
Cada “faísca” traz, em si, a luz e o
amor, o brilho e a vida da Trindade, que a torna única e vive uma relação
pessoal no Mistério do Amor. A oração passa a ser o lugar da construção da
própria identidade.
Por isso, S. Paulo fala que a “nossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3,3).
Texto bíblico: Evangelho segundo Lucas 9,28-36
Na oração:
Inspirados pela transfiguração de
Jesus, somos movidos a fazer o mesmo caminho de subida à montanha, para saber
quem Ele é, para abandonar nossas tendas ilusórias, para segui-lo, sabendo que
o brilho divino de seu rosto está presente em todos os homens e mulheres, e em
especial nos marginalizados e explorados.
A oração é o ambiente propício de
revelação de nosso Tabor interno, lugar da intimidade com o Senhor, onde cessa
todo palavreado crônico, toda imagem egóica, todo pensamento interesseiro...
Aqui brota um “sentimento” oblativo, despojado, simples..., através do qual
Deus comunica sua Vontade.
- Sua oração: palavreado mecânico,
repetitivo, auto-centrado..., ou esvaziamento de si na gratuidade?
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