Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 2º. Domingo do Tempo Comum (Ano C).
“Mas tu guardaste o vinho melhor até
agora!” (Jo 2,10)
Talvez porque Israel e
Jesus eram mediterrâneos, viram no vinho o sinal de abundância e alegria. Isto
está muito presente na Bíblia e na cultura popular.
O vinho é um tema muito
usado por Jesus, para falar da nova situação do Reino: vinho novo, odres novos.
A vida de Jesus
transcorrerá entre refeições e encontros, banquetes e bodas, multiplicação de
pães, etc. Não é muito complicado entender que o cristianismo é alimento, vida
e festa em todos os sentidos da palavra.
Jesus oferece a
verdadeira salvação, mas esta não vai depender de nenhuma lei (talhas). A água
se converterá em vinho fora delas.
“Celebrai
a vida com vinho!”, nos diz Jesus, que é o amor que se expande, que
contagia,
É antes
de tudo o vinho dos “noivos”, daqueles que se uniram para celebrar a festa de
sua vida, para beber juntos da mesma taça o vinho do amor que cresce sempre
mais. É a festa de todos os convidados, entre eles Maria e os discípulos, que
devem transformar o mundo à base de bom vinho. Quando há abundância de vinho e
aprende-se a beber em comunhão de prazer, a vida se transforma.
Este é o
motivo central da festa de Jesus que nos faz celebrantes da vida, animadores
dessa festa, que é de todos, homens e mulheres, convidados ao banquete das
bodas, sem que ninguém fique excluído, sem que ninguém o monopolize. Este é o
tempo de passar do vinho ruim ao bom vinho de festa, de amor generoso, de bodas
de vinho para todos, superando as velhas leis e purificações, para nos colocar
a serviço da vida.
Com
toda certeza, a festa de casamento era e é um dos momentos mais felizes e
importantes na vida dos noivos; a boda é encontro, amor, alegria, festa,
esperança, amizade... Talvez por isso a boda era imagem dos tempos messiânicos.
O banquete de bodas foi um sinal muito utilizado por Jesus: o Reino de Deus é
como um banquete de bodas ao qual somos todos convidados. Nosso Deus é
“festeiro” e que organiza ricas refeições.
Esse é o sentido do “evangelho das
bodas” onde está presente a alegria de um homem e uma mulher que se vinculam em
amor e querem que esse amor se expanda e que chegue a todos, expresso no vinho
de festa e na plenitude prazerosa. O judaísmo era religião de purificações e
jejuns; por isso, precisava de muita água para as abluções. Pois bem, contra
isso, o evangelho começa sendo experiência messiânica de festa. No meio dela,
como animadora e guia, como irmã e amiga, encontramos a Mãe de Jesus. Não a
busquemos nas penitências e mortificações, mas nas alegrias da vida. Só assim,
quando saboreamos com ela do vinho de Jesus, poderemos dedicar nosso trabalho e
alegria a serviço daqueles que estão excluídos e não tem acesso ao vinho
saboroso.
Muitas
vezes, na própria comunidade cristã tem-se impedido que haja vinho para todos:
uns desperdiçam, outros só oferecem “vinagre” (ritos estéreis, mortificações,
penitências...), outros retém para si o melhor vinho e não o oferecem aos
outros...
Às vezes
temos a sensação de que a Igreja atual se encontra na mesma situação dos noivos
e dos convidados à festa: “eles não têm mais vinho”. Anuncia-se com trombetas a festa, mas não se
consegue oferecer nada: só aparência de bodas, uma festa vazia, carregada de
ritos que alimentam culpas, inclusive com músicos pagos, ornamentações
luxuosas..., mas falta o melhor: o vinho.
Sem o
vinho, nem os noivos podem pronunciar sua palavra de amor, nem os amigos podem
compartilhar e celebrar com eles, conforme o ritual judaico. Esta é a situação:
em muitas comunidades cristãs predomina um funeral de críticas, lamentações e
abandono. E muitos vão embora da festa, pois falta o vinho.
“Enchei as talhas de água”, ordenou Jesus, pois
estavam vazias. “Estavam
seis talhas de pedras colocadas aí para a purificação que os judeus costumam
fazer”. Em
plano externo, eram necessárias para que os judeus pudessem cultivar sua pureza
ritual, mas eram incapazes de oferecer às pessoas a vida e o prazer do Reino.
Em Caná, Jesus se valerá da estrutura religiosa
para propor o projeto do Reino, centrado no amor e na amizade entre seus
integrantes. O “melhor vinho”, símbolo da qualidade dessas relações, revela-se
essencial e não pode faltar na festa existencial que Ele propõe (bodas). Com
seu gesto, Jesus declara caduco a antiga ordem centrada na Lei; deslocando-a
para uma melhor pauta de vida: alegria, festa, amizade...
Com sua presença numa festa de
casamento, Jesus funda uma “nova comunidade”, marcada pela alegria, pela festa
e pela abundância do melhor vinho.
É o
momento da boda, da vida, do amor, do encontro... Somente esta passagem da água
real ao vinho realíssimo da festa, da nova consciência, do prazer partilhado,
expressa a novidade de Jesus.
Muitas vezes, corremos o risco de bloquear o projeto de Jesus e fechá-lo em grandes cântaros de água. Pois bem, é a hora de um novo tempo, de abrir as talhas e enchê-las de água nova, para que Jesus nos ajude a transformar a água em vinho da festa sem fim.
Festejar é afirmar a bondade e o sabor da vida. Sem festa não conseguiremos nos ajustar bem à existência e à convivência; falta-nos a leveza existencial da liberdade e do sentido da vida. Na festa, a comunidade que celebra encontra legitimação para sua atuação, re-criando a espiritualidade da vida, aprofundando-a a nível emotivo-afetivo, reavivando a esperança que anima, antecipando a utopia que a une.
O ápice da festa é gratuito.
Justamente por isso a festa tem algo
a ver com o mistério da vida.
Por sua gratuidade, a festa faz descobrir a gratuidade da
vida humana, a gratuidade da ação histórica.
Os evangelhos apresentam Jesus concentrado, não na religião,
mas na vida. Viver o “estilo de
vida” de Jesus não é só para pessoas religiosas e piedosas. É também para quem
ficou decepcionado com a religião, mas sente necessidade de viver de forma mais
digna e ditosa. Por quê? Porque Jesus contagia a fé num Deus festeiro, que não
complica nossa vida, mas nos move a confiar n’Ele, que com Ele podemos viver
com alegria pois Ele nos atrai para uma vida mais generosa, movida por um amor
solidário.
A
espiritualidade de Jesus não é a espiritualidade do sacrifício, do pecado e da
culpa, da busca da perfeição, mas é a espiritualidade da felicidade e da
alegria para as pessoas. Com sua presença, participando das bodas, das
refeições festivas e dos banquetes, Jesus anunciava e indicava um outro mundo
diferente, onde partilha-se a vida, a convivência, a alegria, abrindo espaço à
participação de todos, sobretudo daqueles que eram excluídos da religião. É a
alegria contagiante do Evangelho.
Para Jesus, Deus se manifesta em todos os acontecimentos que nos impulsionam a viver mais plenamente. Deus não quer que renunciemos nada do que é verdadeiramente humano. Ele quer que vivamos o divino no que é cotidiano e normal. A ideia do sofrimento e da renúncia como exigência divina é anti-evangélica.
Texto bíblico: Evangelho segundo João 2,1-11
Na
oração:
Deixe-se mobilizar pelo Espírito: Ele suscita, em
você e na realidade, ricas possibilidades que equivalem a um saboroso vinho da
melhor qualidade
Não seja nunca uma “talha de pedra” que sufoca a
Vida. Mereça a Vida que Deus lhe dá!
Que em você, a vida saboreada seja expressão de sua filial sintonia com o
Senhor.
Faça-se disponível perante Ele; seja um bom
recipiente do melhor vinho da Graça!
Gratidão ao Padre Adroaldo por texto tão rico e profundo!!!
ResponderExcluirMaravilhoso!
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