Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho da solenidade de Pentecostes.
“...mostrou-lhes as mãos e o lado; ...soprou sobre eles” (Jo 20,20.22)
Chegamos à Páscoa do Espírito,
o grande protagonista discreto que costuma passar despercebido; chegamos ao recomeço
de uma nova história, de um presente criativo e de um futuro diferente.
Chegamos, depois de cinquenta dias de encontros ressuscitadores, à
possibilidade de “fazer novas todas as coisas”; recebemos Aquele que nos faz
estremecer de esperança, que desperta grandes desejos e se revela como Alento
vital.
Esta festa se enraíza na tradição
judaica da Celebração das colheitas, quando eram oferecidos os primeiros frutos
da terra, cinquenta dias depois da Páscoa; uma festa de agradecimento e
fecundidade.
O Pentecostes cristão, no
entanto, vem nos recordar que a humanidade não está abandonada por Deus, mas
que o Espírito do Vivente está presente em nosso mundo e nas profundezas do
coração humano; é Ele que sempre nos acode, com seu alento e consolo; é Ele que
vem em auxílio de nossa fragilidade (Rm 8,26).
Na realidade, este dia festivo
desperta a consciência de que somos “seres habitados” pelo
Espírito, o Espírito do Senhor em nós. Às vezes, nem conseguimos percebê-lo,
porque estamos envolvidos pela superficialidade da vida. Mas, em outras
ocasiões sentimos de verdade que Ele está aí, no mais profundo de nosso ser.
Ele sacode nossas entranhas diante da dor dos inocentes, e nos enternece com as
coisas mais simples. Ele é presença e proximidade; se deixarmos guiar por Ele,
não nos sentiremos sozinhos. Quando o esquecemos, Ele continua aí, sempre,
paciente, esperando. Está dentro de nós sem nos anular, sem violentar. É
companhia e refúgio, fortaleza e mistério, brisa e vento impetuoso.
Podemos, então, afirmar que o
Espírito Santo faz parte de nós mesmos e não tem de vir de nenhuma parte. Está
em nós, constitui nossa essência, antes mesmo que nós começássemos a existir.
Ele é o fundamento de nosso ser e a causa de todas as nossas possibilidades de
ser, enquanto humanos habitados. Nada podemos ser nem fazer sem Ele, mas
tampouco podemos estar privados de sua presença em nenhum momento.
No início da Bíblia encontramos
uma imagem muito bela e real do mistério da vida. Assim é descrita a criação do
ser humano: O Senhor
Deus modelou o homem do barro da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida,
e ele tornou-se um ser vivente” (Gn 2,7).
O ser humano é barro; em
qualquer momento pode desmoronar-se. Como caminhar com pés de barro? Como olhar
a vida com olhos de barro? Como amar com coração de barro? No entanto, este
barro vive! Em seu interior há um “sopro” que o faz viver; é o “sopro”
de Deus, seu Espírito vivificador.
No relato do evangelho deste domingo, o Ressuscitado também “sopra” sobre sua comunidade, prolongando o Sopro original do Criador. A imagem de “soprar sobre eles” contém uma riqueza profunda: significa compartilhar o que é mais “vital” de uma pessoa, sua própria “respiração”, seu mesmo espírito, todo seu dinamismo; trata-se de uma imagem que faz sentir a respiração comum que se compartilha com Ele e com todos os seres vivos.
As angústias mais
radicais do ser humano são reunidas e transformadas pelo sopro do
Espírito: um sopro vital que possibilita a vitória da esperança contra o
desespero, da comunhão contra a solidão, da vida contra a morte.
A voz sopra onde quer, a Palavra vem do alto, o Espírito chega impetuoso
rompendo o silêncio da morte. O Vento traz a vida, mas não se sabe de onde vem
e nem para onde vai.
O Espírito é sopro,
hálito, vento que gera vida, que move, impulsiona e sopra onde quer. De onde
vem e para onde vai não é fácil dizer. É um Vento leve,
refrescante, novo, penetrante, inovador; um sopro sutil, interior, profundo; um
sopro que não pode ser detido, sufocado.
Homens e
mulheres do Vento somos todos nós, quando nos deixamos mover de acordo
com os movimentos do coração de Deus e da paixão pela humanidade. Movidos pelo Vento,
pelo Espírito de Deus, acreditamos e construímos mediações libertadoras que
promovem, incentivam e enobrecem o espírito humano. Preferimos a proximidade à
distância, o dinamismo à inércia, a criatividade à normose.
O Espírito é o sopro que
vivifica, anima, restaura e congrega. Pela linguagem do amor, acende a luz da
paixão e permite desenvolver os dons da alegria, do entusiasmo, da compaixão,
do cuidado, da esperança e da fé inabalável. Tais atitudes construtivas
não são obra nossa, mas dom e fruto, isto é, algo de agradável, de fascinante,
de belo, de alegre, de espontâneo, de saboroso como um fruto.
Elas nascem da árvore do
Espírito. Nós as vivemos, mas é o Espírito que as desperta em nós, pois elas
estão presentes como “reservas de humanidade” em cada um de nós.
Como
“filhos e filhas do Vento” basta deixar-nos envolver, escutar o Sopro daquela
voz que habita a dimensão mais profunda da vida e que se aninha nas cavidades
mais secretas de nossa existência.
Assim, com a Revelação aprendemos que o ser humano é um “todo” e que o corpo humano está unido à terra e ao céu; é argila que vive do sopro vital de Deus. Tanto o sopro vital como a terra são do Senhor; entre si estão indissoluvelmente unidos e numa constante tensão. Somos “argila” habitada pela “Ruah” de Deus; somos corpo “animado” (com ânima), atravessado pelo Alento divino.
O Espírito necessita do corpo para expressar-se e o corpo sem o Sopro não poderia transcender-se. O passo mais decisivo nesta integração o encontramos na Encarnação de Jesus Cristo. Numa religião da Encarnação, como o cristianismo, é natural dar toda a sua importância ao corpo e às suas atitudes. O corpo não é o túmulo da alma, mas o templo do Espírito, o lugar onde o “Verbo se fez carne”. Por meio da Encarnação e por meio da Ressurreição de Jesus, a carne se converteu em espelho da divindade, atravessada pelo Sopro vital. Assim, o corpo humano começou a ocupar um lugar central.
Por isso, o Evangelho deste
domingo também nos recorda algo sumamente importante: o Espírito brota do lado
aberto e das mãos feridas do Ressuscitado; portanto, não é alheia à violência,
à injustiça e ao sofrimento.
É a partir das marcas das feridas
que o Espírito se derrama como bálsamo, como alento, como resistência, como
energia..., para atravessar os “infernos humanos”, enfrentá-los com ousadia,
denunciá-los e buscar coletivamente eliminá-los. O Espírito aparece sempre como
“resistência”, atravessando e curando todas as feridas atuais: ódios,
intolerâncias, preconceitos, mentiras, violências...
Por isso, celebrar Pentecostes nos incomoda e nos desinstala; a paz que o Espírito nos oferece não é tranquilizadora de consciência, mas uma provocação profunda para sairmos de nossos esconderijos e trabalhar em favor de uma vida esperançada e da reconciliação entre todos. Receber o Espírito nos move sempre à missão e esta não se sustenta com nossas próprias forças, mas que é recebida e alentada como uma brasa inextinguível que nos move sempre à gratidão e à gratuidade.
Texto bíblico: Evangelho segundo Joao 20,19-23
Na
oração:
Sinta todo o seu corpo como um templo. E neste templo
acolha o Sopro.
- Procure saboreá-lo internamente. E deixe atuar em você a força da inspiração e da expiração para que todo o seu
corpo seja iluminado e plenificado. Deixe vir a Luz e que ela penetre nas partes mais
dolorosas do seu ser.
- Sinta que você é um corpo de argila e, também, um corpo de
diamante.
- Simplesmente respire na
presença d’Aquele que É.
- Com a argila de sua existência, aquecida pelo
calor do Espírito de Deus, você pode transformá-la em material de uma nova
experiência de vida. Não se trata de sufocar a vida, mas de torná-la
leve e luminosa, mantendo límpida a sua fonte, livrando-a da camada de
sentimentos doentios.
- Suplique com força: “Vem, Espírito Santo!
Vem libertar-me do medo, da mediocridade e da falta de fé em tua força
criadora!”
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