quarta-feira, 30 de abril de 2025

Ressurreição: das cinzas às brasas na praia do mar de Tiberíades

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 3º Domingo da Páscoa (Ano C - 2025).

 “Logo que pisaram a terra, viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão” (Jo 21,9)

O relato da última aparição de Jesus ressuscitado aos seus discípulos tem uma cena belíssima. Novamente juntos, na praia e entre redes, como no começo; novamente diante de um trabalho cansativo e ineficaz, como tantas vezes; novamente a dureza de cada dia, em um cotidiano sem Jesus, como antigamente.

No relato deste domingo, a comunidade eclesial é representada por sete discípulos (Pedro, Tomé, Natanael, Tiago, João e mais dois discípulos anônimos). No pensamento semítico, sete é o número simbólico da plenitude. Nos sete discípulos está representada a plenitude do novo Povo de Deus, a Igreja.

Mas, dos sete discípulos só cinco são nominados. Como no Evangelho de João, tudo é simbolicamente elaborado, também esse detalhe tem seu significado.

Podemos dizer que, nessa comunidade dos sete, nem todos encontraram a sua identidade. Estão em busca de um nome. Tudo ainda está aberto. Os discípulos anônimos também representam aqueles que mais tarde crerão em Cristo e farão parte da nova comunidade do Reino.

Os relatos das Aparições nos Evangelhos nos põem em contato com a situação de uma longa série de pes-soas desoladas. O “golpe” da Sexta-feira Santa não pôde ser bem interpretado, de imediato, por aquele grupo de pescadores e que tinha convivido com Jesus. Todos “fizeram mudança” em tempo de desolação. As esperanças se perderam, a bondade de Deus parecia se esconder para sempre, a lembrança de Jesus fora reduzida a um cadáver a respeitar, e, quem sabe, uma bonita história a esquecer.

O vazio, o abandono, a solidão, a escuridão da noite, a rotina do trabalho corriqueiro domina a paisagem do relato da Aparição do Ressuscitado junto ao mar de Tiberíades. O que mudou na cotidianidade pós-pascal da comunidade? Aparentemente, tudo voltou à normalidade da vida corriqueira.

No entanto, a presença e o reconhecimento do Senhor dão ao trabalho profissional da pescaria uma nova dimensão. Não se trata mais de uma simples pescaria. Pescaria e pescadores tornam-se imagem da plenitude da vida e da unidade da missão.

Pedro e João representam qualidades humanas que precisam ser integradas na vida de cada um e nas comunidades: ação e contemplação, liderança e amabilidade.

No retorno à praia, depois da abundante pesca, encontram algumas brasas, que recordam aquela fogueira em torno à qual, alguns dias antes, o velho pescador Pedro jurou não conhecer Jesus, negando-o três vezes. Agora, junto ao fogo irmão, Jesus lava com misericórdia a fraqueza de Pedro, transformando para sempre seu barro frágil em pedra fiel. A fidelidade e o amor de Jesus, sua graça sempre pronta, o humaniza de novo, reconstruindo sua vida e reativando em Pedro a liderança para o serviço. Sem ironia, sem indiretas, sem pagamento de dívidas atrasadas. Por pura graça, gratuitamente.

O Pedro que emerge das cinzas, atravessado pelo fogo terapêutico do amigo Jesus, é um Pedro corajoso, decidido, mas também muito mais amoroso, capaz de superar preconceitos antigos. Jesus percebe que por debaixo das cinzas da negação e da traição de Pedro está escondida a nobreza de um homem que precisa ser ativada.

O mundo e o contexto social e religioso no qual vivemos não é o mesmo dos primeiros discípulos. No entanto, se a vida cristã tem alguma coisa a dizer ao mundo atual, não pode se fixar nos velhos moldes de uma religião fria, arcaica, centrada no ritualismo e no legalismo, entupida de cinzas e carente de brasas vitais. A essência do cristianismo está na identificação com o Crucificado-Ressuscitado; somos seguidores(as) de uma Pessoa que pôs abaixo uma religião tóxica, que alimentava medo, culpa e angústia.

O que os cristãos precisam claramente, neste momento de desânimo e de abatimento, não é de resignação medrosa, mas de vida e vitalidade. Precisam da ardente fé para empreender novos caminhos, com entusiasmo renovado e sem temor.

A vida cristã não morrerá se ativarmos as brasas das bem-aventuranças em nosso interior. Esse é o fogo que nunca se apaga, deixado por Jesus. Segui-lo significa viver no calor de sua intimidade, de sua amizade.

Se o cristianismo sofre um esvaziamento no momento presente, talvez seja porque se rende com muita facilidade diante do perigo de extinção, sem se dar conta do que significa “manter as brasas e avivar o fogo”. Onde deveria reinar a ousadia reina a resignação e a passividade; onde deveria estar presente o ardor, a criatividade, encontra-se a frieza, a indiferença, a petrificação da vida. A tentação consiste em fazer da sobrevivência a máxima aspiração, em vez de viver a vida plenamente, com toda profundidade e o entusiasmo que essa vocação cristã exige.

Foi isso que o Ressuscitado fez ao encontrar-se com os seus amigos e amigas: reacendeu as brasas do amor, da compaixão, da amizade, da missão, do sonho do Reino...

A “vida ressuscitada”, mais que prudência, conformidade ou conservadorismo que pretendem preservar as coisas do passado em lugar de sua sabedoria, requer audácia, precisa de membros adultos que resistam ao envelhecimento da vida e de jovens que resistam ao envelhecimento da alma.

Somos já “seres ressuscitados” e esta certeza não justifica uma vida ancorada numa maneira tradicional de “pescar”. A capacidade de lançar as redes do outro lado do barco revela criatividade, ousadia e desejo de sair do túmulo do tradicional e da normose (normalidade doentia). A capacidade de arriscar é a virtude que faz a ponte entre a vida cristã atual e o novo que está para vir.

É preciso passar das “cinzas” dos conflitos, ódios, intolerâncias... às brasas da praia do mar da Galiléia: brasas de vida, de amor, de encontro, de partilha, de amizade, de missão.

Ali, as brasas são fogo, calor, alimento, eucaristia, páscoa, paz, comunidade...

A comunidade cristã é novamente reconstruída pelo Ressuscitado em torno às brasas, e não em torno às leis frias, aos ritos vazios, às devoções estéreis...

Estamos vivendo tempos de profundas mudanças, mas também emocionante e santo, para a Igreja.

Existem poderosas brasas debaixo das cinzas. O único que temos de fazer para avivar a chama é acolher o momento e vivê-lo com intensidade até suas últimas consequências.

Se não se pode agregar carvão ao fogo, então é preciso enterrar as brasas, levá-las a novos lugares para que possam arder de novo. Como manter o fogo neste momento? Agregar carvão e proteger as brasas são, simplesmente, diferentes partes do mesmo processo chamado vida em Deus, crescimento no compromisso, na espiritualidade, na santidade: “em sabedoria, idade e graça”.

No interior do Brasil, onde o fogão a lenha é ainda comum, as pessoas têm o hábito de enterrar, à noite, as brasas entre as cinzas, e assim manter vivo o fogo até a manhã seguinte.

Em lugar de limpar completamente o fogão, conservam-se as brasas incandescentes debaixo de camadas de cinza para poder acender o fogo rapidamente no dia seguinte. A preocupação principal é, pois, não deixar que o fogo do dia anterior se apague completamente ao final da jornada. Pelo contrário, as brasas escondidas debaixo da cinza durante a longa e escura noite ficam bem protegidas para que o fogo possa voltar de novo à vida, com as primeiras luzes da manhã.

O velho fogo não morre, mas conserva o seu calor, a fim de estar preparado para acender o novo fogo. A verdadeira questão é se permanece ainda suficiente fogo debaixo das cinzas de nossa vida para suscitar a energia necessária a fim de tornar nossa vivência cristã mais autêntica e comprometida. O encontro com o Ressuscitado é confirmação da missão recebida: “Tu me amas? Apascenta...”

Texto bíblico: Evangelho segundo João 21,1-14

Na oração:

Todos e cada um de nós, que vivemos hoje o seguimento do Ressuscitado, somos portadores do novo fogo. Cada um de nós é transparência de Sua Vida.

- Para vislumbrar o amanhã, o que temos de fazer é olhar para nós mesmos e nos perguntar: “brota uma energia profunda no meu coração? Percebe-se nele o desejo de um compromisso com o Evangelho? Aí há lugar para a audácia, a coragem, o fogo novo...? Ou se apagou o antigo fogo? É a vida agora simplesmente questão de suportar os dias e agir por inércia ou ela é lugar da criatividade, do calor humano, da energia inspiradora? Permanecem algumas brasas sob as cinzas da minha vida cristã?”

sexta-feira, 25 de abril de 2025

“Tocar” o Verbo de Deus, “tocar” os crucificados

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 2º Domingo da Páscoa (Ano C - 2025).

 “Põe o teu dedo e olha as minhas mãos; estende a tua mão e coloca-a no meu lado” (Jo 20,27)

O que os textos pascais querem expressar com a palavra “ressurreição” é a chave de toda a mensagem cristã. Mas é algo muito mais profundo que a reanimação de um cadáver. Sem essa Vida que vai mais além da vida, nada do que dizem os evangelhos teria sentido. Os relatos das aparições do Ressuscitado é a maneira de transmitir a vivência pascal dos discípulos, depois da experiência da paixão e morte de Jesus. O que os evangelistas querem comunicar aos demais é a experiência pascal de que Ele continua vivo e, além disso, está comunicando a eles essa mesma Vida. Esta é a mensagem de Páscoa.

O relato pascal deste domingo é a chave para entender o sentido de todas as aparições pascais, que não pretendem nos dizer o que aconteceu em Jesus, mas nos transmitir a vivência interior dos discípulos.

A experiência pascal demonstra que somente na comunidade se descobre a presença de Jesus vivo. A comunidade é a garantia da fidelidade a Jesus. É a comunidade que recebe do Ressuscitado o principal mandato de anunciar a Boa Notícia, de ser sinal do perdão, de comunicar a paz... Ele é para a comunidade a fonte de vida, referência e fator de unidade. A comunidade cristã está centrada em Jesus e somente nele.

No primeiro dia da semana”: o Ressuscitado dá início à nova Criação, no primeiro dia de uma nova semana; é o tempo de outra criação, desta vez definitiva. A criação do mundo havia durado seis dias e, no sétimo, Deus descansou. O “dia oitavo” é o dia primeiro da criação definitiva. A nova criação do ser humano, que Jesus realizou durante sua vida, culmina na cruz, no dia sexto, e chega à sua plenitude na Páscoa. Em Jesus ressuscitado, a Criação inteira chega à sua plenitude. O Ressuscitado é o Cristo Cósmico. S. Paulo vai dizer que “Cristo é tudo em todas as coisas” (Cl 3,11) e “tudo subsiste nele” (Cl 1,16). Ele recapitula tudo. Por isso a Epístola aos Efésios afirma: “importa unir sob uma só cabeça todas as coisas em Cristo” (1,10).

Jesus se manifesta, se põe no meio dos discípulos e os saúda. Não são eles que buscaram a experiência do encontro; tudo foi iniciativa do Ressuscitado.

Os sinais de seu amor (as mãos e o lado) evidenciam que é o mesmo que morreu na cruz. Não há lugar para o medo da morte. A verdadeira vida ninguém poderá tirar de Jesus, nem tirar deles. A permanência dos sinais indica a permanência de seu amor. A comunidade tem a experiência de que Jesus comunica vida.

João é o único que desdobra o relato da aparição aos apóstolos. Com isso personaliza em Tomé o tema da dúvida, que é capital em todos os relatos de aparições.

Tomé tinha seguido Jesus, mas, como os outros, não o havia compreendido totalmente. Não podia conceber uma Vida definitiva que permanece depois da morte. Separado da comunidade, não tem a experiência de Jesus vivo; está em perigo de perder-se. Uma vez mais se destaca a importância da experiência partilhada em comunidade.

Temos aqui outro ensinamento chave: os testemunhos nunca são suficientes, não podem suprir a experiência pessoal da nova Vida; sem ela Tomé é incapaz de dar o passo. 

No oitavo dia, reintegrado à comunidade, Tomé pode, então, experimentar o Amor.

A resposta de Tomé é tão extrema como sua incredulidade. Negou-se a crer se não tocasse as mãos e o lado transpassado de Jesus. Agora renuncia à certeza física e vai muito mais além daquilo que vê. Ao dizer – “Meu Senhor meu Deus!” – reconhece a grandeza do amor de Jesus e o aceita dando-lhe sua adesão. Ao dizer “meu”, expressa sua proximidade. Jesus cumpriu o projeto, amando como Deus ama.

A mensagem para nós hoje é clara: sem uma experiência pessoal, vivida no seio da comunidade, é muito difícil acessar à nova Vida que Jesus anunciou antes de morrer e agora está comunicando. Trata-se da passagem do Jesus conhecido ao Cristo experimentado. Sem essa mudança não há possibilidade de entrar na dinâmica da ressurreição. O fato de Jesus continuar vivo não significa nada se nós não vivemos sua mesma Vida.

A Páscoa é presença gloriosa do Crucificado. O Senhor ressuscitado é o mesmo Jesus que fez de sua vida uma contínua entrega em favor das vidas feridas e excluídas. Como sinal de identidade, como expressão de permanência de sua paixão salvadora, o Ressuscitado mostra aos seus discípulos as mãos feridas e o lado transpassado, um gesto que depois vai receber novo conteúdo frente à resistência de Tomé.

Crer e viver a Páscoa é descobrir o rosto do Crucificado nos crucificados, é descobrir a Jesus crucificado como Senhor glorioso. No fundo deste mistério está a mais profunda experiência de solidariedade: Jesus ressuscitado está naqueles que sofrem neste mundo.

Parece que nas primeiras comunidades cristãs crer na ressurreição não foi grande dificuldade. O problema estava em unir as chagas com a glória, o ressuscitado com o executado na paixão. Dá a impressão de que havia uma certa tendência a não falar das chagas, a não recordar aquele fatídico dia em que Jesus morreu na cruz. Não é de estranhar porque, de fato, a cruz era um trauma pessoal e social, uma marca perpétua, uma exclusão para sempre. Por isso, era melhor não falar disso.

Mas os evangelistas se empenham em dizer que o Crucificado e o Ressuscitado são o mesmo, que é preciso unir chagas e ressurreição. Mais ainda: acabam dizendo que uma das melhores maneiras de crer no ressuscitado é tocar suas chagas, tocar toda chaga para saná-la. Por isso, a insistência de Jesus para com Tomé: “põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos; estende a tua mão e coloca-a no meu lado”.

Tomé é a expressão do ser humano a quem lhe custa crer na ressurreição do Jesus Histórico, do Jesus das chagas nas mãos e no lado, do Jesus da carne, do Jesus do povo crucificado. Provavelmente ele acreditava em Jesus, mas em um Jesus “espiritual” (puramente interior), sem necessidade do compromisso comunitário e social, sem chagas nas mãos e no lado. Provavelmente acreditava em um Cristo glorioso, desligado da história de Jesus, das mãos que tocaram os pobres e doentes, do coração que amou os excluídos da sociedade.

Pois bem, contra isso, a comunidade lhe diz que é preciso “tocar em Jesus”, que o ressuscitado é o mesmo Jesus da história, o das chagas nas mãos e no lado. O Senhor ressuscitado continua sendo aquele que traz em suas mãos e no seu lado as feridas de sua entrega, os sinais de seu amor crucificado em favor da humanidade. Este Jesus pascal continua estando presente nas chagas dos homens e mulheres de mãos machucadas, na ferida do costado dos homens e mulheres que sofrem. Não há experiência pascal sem um retorno à corporalidade do Jesus ressuscitado, que continua sendo o mesmo Jesus da História que morreu por causa do Reino de Deus.

O que importa de verdade não é o aspecto externo da ferida, a forma como Jesus apresenta seu lado aberto e suas mãos chagadas. Nova é a experiência da corporalidade transformada: o corpo de morte se tornou princípio de Páscoa.

O mesmo corpo do amor concreto e da entrega, o corpo ferido com lanças e cravos, se converte assim em um sinal de ressurreição, sinal que continua presente na realidade da humanidade.

Texto bíblico: Evangelho segundo João 20,19-31

Na oração:

Crer na ressurreição não é ter algumas ideias religiosas, acatar alguns dogmas, confessar uma fé. É, sobretudo, um modo de amar o frágil, curar as chagas daquele que está ferido, amparar o desorientado. “Tocar” as chagas dos sofredores é uma das melhores formas de crer no Ressuscitado e de viver como ressuscitado.

Anunciemos o Jesus glorioso, porque é Páscoa; mas não esqueçamos do Jesus do madeiro, dos pobres, dos injustamente tratados pelos mecanismos sociais, políticos e econômicos. Uma ressurreição na qual não são levados em conta os mais frágeis, não é a de Jesus.

- Que chagas somos chamados hoje a tocar para curá-las?

sexta-feira, 18 de abril de 2025

A luz da esperança que brilha na noite pascal

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho do Domingo de Páscoa na Ressurreição do Senhor (2025).

Confio que todos, especialmente aqueles que sofrem e estão atribulados, possam experimentar a proximidade da mais afetuosa das mães, Maria, que nunca abandona os seus filhos; Ela que é, para o Povo santo de Deus, sinal de esperança certa e de consolação” (Papa Francisco - Bula n. 24).

Iniciamos o Tempo Quaresmal sendo convocados a refletir sobre a “Ecologia Integral”. Tal como Jesus, a natureza é também lugar do padecido, da harmonia quebrada, da bondade violentada, da beleza ferida... “A criação geme em dores de parto” (Rm 8,22).

Há uma crise ecológica que se alastra rapidamente, quebrando o equilíbrio vital que sustenta a natureza toda. O uso desordenado dos recursos naturais e o “descuido” como modo habitual de viver, faz sofrer tanto o ser humano como a própria natureza.

No entanto, a novidade do universo é expressa pelo Apocalipse: Eis que faço novas todas as coisas” (21,5)

A Ressurreição de Jesus nos oferece uma perspectiva para ver essa novidade, enquanto a “comunidade de vida” se desenvolve e caminha em direção ao “Grande Mar Cósmico”.

À luz da Páscoa podemos afirmar: “creio na esperança da ressurreição cósmica”

O “mistério pascal” é o salto para a novidade, para a beleza, para a transcendência. Imersos na natureza, a Ressurreição nos faz descobrir a verdadeira extensão da Vida.

A luz da Ressurreição ilumina toda a Criação: a vida de Cristo na vida da Terra nos traz alegria e esperança. O universo inteiro é o “habitat” do Cristo Cósmico.

A aparição de Jesus Ressuscitado no primeiro dia da semana foi entendida como a aurora do “primeiro dia” da Nova Criação de todas as coisas. À luz deste “novo dia” de Deus, Cristo aparece como o primo-gênito de toda a Criação, que reconcilia todas as coisas no céu e na terra.

O “primogênito entre os mortos” é também o “primogênito de toda criatura”, por quem todas as coisas foram criadas. A Ressurreição pulsa em nós e na natureza com o coração de Deus.

Os cravos arrancados aos pés da Cruz, a pedra removida, os lençóis dobrados dentro do sepulcro vazio, são os sinais que falam de uma fidelidade duradoura, de um cumprimento certo, de uma esperança que se cumpre, de um além que se faz sempre mais próximo, de uma vida ainda a caminho da plenitude.

A esperança é brasa, é pés, é caminho, é narrativa, é assombro, é antecipação.

Não há esperança na solidão das próprias seguranças e das próprias expectativas. A esperança se realiza no encontro, que impele a sair, a caminhar, a ir ao encontro, narrar aos outros o fogo que se acendeu por dentro. A esperança é o canto que empresta coragem frente os corredores escuros da história.

Os evangelistas destacam que as corajosas mulheres revelaram uma presença fundamental nos relatos da Páscoa. Elas seguiram e serviram a Jesus com seus bens pelos caminhos da Galileia (Lc 8,1-3) e permaneceram fiéis até o final, até a Cruz. Foram testemunhas, como tantas mulheres de hoje, da fidelidade nas situações limite, onde o que lhes cabia fazer era estar e acompanhar, na sua impotência e luto, até que emergisse a nova Vida. Foram testemunhas da semente do amor entregue, que, embora invisível no ventre da terra, vai pouco a pouco abrindo caminho para a luz, afastando pedras e abrindo sepulcros, dando à luz o novo, porque o Deus de Jesus não é um Deus de mortos, mas de vivos.

Frente à traição e a ausência dos discípulos, as mulheres foram significativas por sua lealdade. Enquanto o grupo de homens se trancou na passividade covarde, elas optaram pelo enfrentamento da realidade, vencendo o medo, colocando-se a caminho.

Das mulheres que foram ao sepulcro na manhã de Páscoa levando perfumes podemos aprender sua capacidade de enfrentar os acontecimentos com sabedoria e audácia.

Elas são as mulheres “mirróforas”, ou seja, portadoras de perfumes, que madrugam para ir ungir o corpo de Jesus. São conscientes do tamanho da pedra e de sua impossibilidade de removê-la, mas isso não é um obstáculo em sua determinação de ir ao túmulo para fazer memória d’Aquele que abriu para elas um horizonte de sentido. A alusão ao “primeiro dia da semana” e o “nascer do sol” acompanham a entrada delas em cena, na madrugada da Páscoa: estamos no começo da Nova Criação e a luz da Ressurreição as envolve em seu resplendor.

Pela Ressurreição, romperam-se todas as amarras do espaço e do tempo. Cristo ganhou uma dimensão cósmica. A evolução se transformou numa verdadeira revolução.

A terra é o palco da vinda do Reino de Deus, por isso a ressurreição para o Reino de Deus é a esperança desta terra. Sobre esta terra, embebida em sangue, esteve a Cruz de Cristo; por isso Deus lhe permanece fiel e afastará dela toda dor, sofrimento e morte, para Ele mesmo nela vir morar.

O Deus que ressuscita os mortos é o mesmo Deus que chamou todas as coisas do nada à existência; Aquele que ressuscitou Jesus dos mortos é o Criador do novo ser de todas as coisas.

Ressurreição e Criação constituem, portanto, uma unidade, pois a ressurreição dos mortos e a destruição da morte são a completude da criação original.

O Reino de Deus é o reino da ressurreição na terra” (Bonhoeffer).

Para os evangelistas, voltar à Galileia significou retomar e prolongar a mensagem e a proposta do Reino de Jesus. Foi ali na Galileia que Jesus começou sua vida pública e atuou como aquele que veio aliviar o sofrimento humano, despertar uma nova esperança, com a certeza de que o Reino tinha chegado e que Deus faria mudar a forma de vida dos homens e mulheres, partindo precisamente dos mais pobres e excluídos. Dessa forma, inicia-se um grande “movimento humanizador”, a partir de baixo, dos últimos, anunciando e preparando a chegada do Reinado do Pai.

Por isso, os(as) discípulos(as) devem entrar em sintonia com o modo original de ser e de viver de Jesus na Galileia. É ali que se devem encontrar todos os que são de Jesus (Pedro, as mulheres, os discípulos de Jerusalém), para também ali retomar e prolongar o movimento iniciado pelo Mestre de Nazaré.

Somos já “seres ressuscitados”: sentimos hoje a urgência de seguir os caminhos de uma ética ecológica integral para que possamos nos situar, na Criação, numa atitude participativa e de cuidado responsável. Cresce um novo modo de pensar e de conceber o universo enquanto “teia de relações”. Isto significa que há uma unidade fundamental e uma vasta rede de inter-relações, conectados a todos os elementos da natureza.

Todos os seres, vivos e não vivos, são parceiros numa verdadeira “dança cósmica”, numa grande comunhão universal. Fazemos parte de uma “rede” de relações múltiplas e recíprocas, nas quais o próprio Cristo Ressuscitado se faz presente, como fonte de vida.

Esse é o caminho do Evangelho, carregando em nossas pobres mãos, como as mulheres da Páscoa, o perfume da esperança, da Nova vida ressuscitada.

E, assim como o mau odor repele e afugenta, o bom odor atrai e convida ao seguimento.

É através do “modo cristificado de ser e viver” que os(as) seguidores(as) de Jesus exalam um bom odor, criam uma atmosfera perfumada ao seu redor.

Textos bíblicos: Marcos 16,1-7;Mateus 28,1-10; Lucas 24,1-12

Na oração:

Fico maravilhado(a) com a nova comunidade universal de vida que emerge da Noite Pascal.

A Luz da Ressurreição integra tudo.

- Considero como nosso Senhor ressuscitado revela toda a vida futura do universo como uma comunidade em evolução de esplendor e diversidade crescentes. Reflito como Cristo me leva a evoluir para uma humanidade em plenitude, vivendo uma relação plena com todas as criaturas.

- Como as mulheres “mirróforas”, tomo consciência dos aromas que levo para perfumar os ambientes com odor de morte, de rigidez, de indiferença, de medo... para que se transformem em espaços com cheiro de vida, de liberdade, de ternura e acolhida.

- Fui ungido(a) com o óleo santo no batismo, fui besuntado(a) e massageado(a) com um bálsamo cristificante. Por isso trago a força sanadora do perfume de Cristo, para ser presença esperançada em lugares que cheiram à morte e poder manifestar a beleza da vida cristã com a qualidade do meu aroma.

- Fraternizo com todas as criaturas e me faço humano em toda minha plenitude.

Páscoa: um salto para a transcendência... para o Novo Céu e Nova terra.

Sábado Santo da espera e da esperança

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho do Sábado Santo no Tríduo Pascal (2025).

 “Lacraram a pedra e deixaram ali a guarda” (Mt 27,66)

O Sábado Santo é o dia do grande silêncio: “Um grande silêncio reina hoje sobre a terra; um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio porque o Rei dorme; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque Deus adormeceu segundo a carne” (de uma antiga homilia de Sábado Santo: no Ofício de Leitura deste dia).

Neste dia de silêncio recordar os grandes silêncios da vida (perdas, fracassos, crises...) onde não há razões, mas no silêncio profundo, algo novo começa a germinar...

Envolve-nos a “noite sabática”, que deve re-alimentar a paixão pela vida.

O Sábado Santo nos fala do silêncio de Deus - “como a Divindade se esconde” (Santo Inácio de Loyola - EE. 196) – e nos convida a adentrar-nos no Mistério que está presente em toda existência: ausência, dor, fracasso, morte... Sem Cruz não há passagem para a Vida, não há Ressurreição.

Na Paixão e morte de Jesus, o Silêncio de Deus não é um silêncio vazio. É um silêncio eloquente, que nos fala: revela, desvela sem dizer, mostrando uma vida que não necessita palavras, a vida de Jesus que é puro amor até o fim e que, por sua vez, desvela o puro Amor de Deus. Loucuras do amor de Deus. Só o amor que se entrega, salva.

Com seu sepultamento, Jesus “desce à região dos mortos”, radical solidariedade com a Criação e a humanidade inteira que, por sua vez, fazem a “travessia” da morte em direção à Nova Vida.

Neste dia, nos associamos a Jesus sepultado em sua “descida” para “subir” com Ele, arrancando de nosso próprio coração a cumplicidade com todo tipo de morte, para nos deixar possuir pela glória de Deus.

Descer” com Ele para aquilo que está morto em nós (no nível corporal, afetivo, espiritual, social). A luz da presença solidária de Jesus ilumina tudo o que é sombrio em nosso interior. Ali estão presentes germes de vida que ainda não tiveram possibilidade de irromper e crescer.

Somente porque Jesus desceu nos “infernos” da vida é que pode salvar-nos deles, transformá-los em caminho. “Porque foi provado no sofrimento, pode ajudar os que são provados” (Hb 2,18).

A “Terra crucificada”, os “crucificados da história”, os sofredores e as vítimas, são lugar de encontro com Aquele que “desceu” até às extremidades mais profundas da Criação e da Humanidade, revelando-se solidário com todos; Aquele que viveu a Paixão em favor da vida é sepultado, ou seja, colocado na terra como a semente, para novamente germinar e gerar Nova Vida, Nova Criação, Nova Humanidade.

Por isso o Sábado Santo da dor, da tristeza, do fracasso..., se revela também como Sábado Santo da espera e da esperança.

Santo Inácio, na 3ª. Semana dos EE, nos sugere que a oração seja feita a partir da solidão de Maria. Aqui se trata de unir-nos à esperança de Maria e das mulheres, uma esperança contra toda esperança. É o muro da esperança que é preciso atravessar.

Maria “em tanta solidão, dor e fadiga” (EE. 208), mas aguardando... Trata-se de experimentar a esperança daquilo que não se vê, mas na certeza daquilo que virá.

A morte de Jesus, com todas as marcas de ser um condenado pelos homens, pelos poderes políticos e religiosos de sua época, certamente colocou Maria na maior crise possível; crer na ressurreição de Jesus foi o máximo de fé e esperança por parte dela.

O enfoque deste dia de luto está no fato de que é preciso esperar no silêncio e na calma. Às vezes queremos passar da morte à vida sem espaços de esperas.

Sabemos que a vida da Igreja, como também a nossa vida pessoal, é feita de longos sábados santos, nos quais nem a dor da Paixão nem o consolo da festa Pascal marcam significativamente nossos dias e nossas noites, mas simplesmente a dura e paciente espera, na fé mais despojada, de um Senhor, que se faz esperar tanto que parece que já não vai chegar mais.

É o Sábado Santo de um credo pascal que sabe que amanhã florescerá a messe. Submergido no sepulcro do Senhor, esperamos simplesmente.

Ao sentir nossa própria incapacidade de levar adiante a exigência do Evangelho, nos apresentamos no sepulcro do Senhor de onde pode irromper a força transformadora da manhã da Ressurreição.

O Sábado Santo é um dia sem liturgia, em silêncio, não passa nada, não sucede nada, recorda a solidão do sepulcro, a tristeza das mulheres e dos discípulos, a desilusão diante do fracasso.

No entanto o Sábado Santo é seguramente o tempo da Igreja e da liturgia que nos toca viver mais longamente em nossa vida.

Sábado Santo é tempo não só de espera, mas de esperança, é deixar que o grão de trigo morto comece a germinar, é tempo de um inverno que tornará possível as flores da primavera, é tempo de imaginar, de criar, de abrir-nos a algo novo e inesperado, de sonhar um mundo melhor e uma Igreja nazarena. O Sábado Santo é ao mesmo tempo “sepulcro e mãe”, como diziam os antigos Padres da Igreja, ao falar do batismo.

Este espaço de silêncio não é de morte senão de vida germinal, é noite que aponta à aurora, são as noites escuras da vida que desembocam na alegria da alvorada; é tempo de fé e de esperança, é momento de semear, ainda que não vejamos os resultados, é tempo de crer que o Espírito do Senhor, criador e doador de vida, está fecundando a história e a terra para seu amadurecimento pascal e escatológico, para a terra nova e o céu novo.

É o Sábado Santo que nos abre às surpresas de Deus, o “Amigo da vida”.

Já vislumbramos, no horizonte, as luzes da madrugada da Ressurreição.

Textos bíblicos: João 19,25-30; João 19,38-42; Marcos 15,42-47

Na oração:

Contemplar Maria em sua “segunda Anunciação”; na “primeira Anunciação” deu-se o início da vida de Jesus. Agora, essa Vida se revela a ela como Vida Ressuscitada.

Que Maria eduque nossa confiança; que ela nos encha de esperança.

terça-feira, 15 de abril de 2025

Sexta-feira da Semana Santa - Esperança crucificada

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho da sexta-feira da Semana Santa - Paixão do Senhor (2025).

“A esperança nasce do amor e funda-se no amor que brota do coração de Jesus trespassado na Cruz” (Papa Francisco, Bula n. 3).

 

O mistério Pascal constitui o núcleo central da fé cristã, ou seja, a paixão-morte e ressurreição de Jesus de Nazaré e a efusão do Espírito sobre toda a Criação.

Este mistério pascal se estende também a todo o povo crucificado, ou seja, a esta grande maioria da humanidade que vive explorada e marginalizada, vítima dos interesses de uma minoria. Por isso, crer no Crucificado implica fazer descer da Cruz todos os que estão dependurados nela.

Mas a imagem da crucifixão se aplica também à situação de nossa Terra, explorada, desertificada, contaminada, com a biodiversidade destruída e os oceanos transformados em cemitérios.

Por sua atitude de arrogância e de autossuficiência, o ser humano explorou exaustivamente a Terra herdada e a destruiu, depredou, aniquilou, tomou posse dela... Assim, não foi respeitoso para com o Criador que a ele reservou a missão de cuidar do seu jardim e de compartilhar os seus frutos.

Há um clamor generalizado que emerge da realidade desafiante enfrentada pela humanidade: o planeta Terra está gravemente enfermo. As consequências trágicas estão presentes por toda parte. O desequilíbrio dos ecossistemas pode comprometer, de forma irreversível, todas as formas de vida sobre a terra. Estamos diante da “Terra crucificada”.

A vida cristã significa encontro e seguimento de Jesus de Nazaré, libertador e fundamento de nossa esperança. Na realidade, a esperança cristã nasce a partir da morte de um homem simples e pobre, assassinado numa cruz, desprotegido, abandonado, condenado injustamente como um homem perigoso, porque se rebelou contra as estruturas religiosas e contra os poderosos daquele tempo.

Jesus, o Justo e Santo, foi Aquele que não ficou indiferente diante da fome, da doença, da violência e da morte...  Seu modo de ser, suas opções, sua liberdade diante da lei, da religião, do templo, seus encontros escandalosos com os pobres e excluídos..., desestabilizou tudo, pôs em crise as instituições e as pessoas encarregadas da religião. Jesus foi condenado como herege e subversivo, por elevar a voz contra os abusos do templo e do palácio, por colocar-se do lado dos perdedores, por ser amigo dos últimos, de todos os caídos. Tornou-se um perigo a ser eliminado.

“Jesus morreu de vida”: de bondade e de esperança lúcida, de solidariedade alegre, de compaixão ousada, de liberdade arriscada, de proximidade curadora...

Nesse sentido, a cruz de Jesus não é um “peso morto”; ela tem sentido porque é consequência de uma opção radical em favor do Reino. A Cruz não significa passividade e resignação; ela nasce de sua vida plena e transbordante; ela resume, concentra, radicaliza, condensa o significado de uma vida vivida por Jesus na fidelidade ao Pai que quer que todos vivam intensamente.

A vida humana é fecunda, é potencialidade, é explosão de criatividade... Assim como na semente há vida latente esperando a oportunidade de expandir-se, também no ser humano encontram-se ricas possibilidades, esperando a morte do “eu mesquinho”, para se plenificarem.

Alguém já teve a ousadia de afirmar que a morte é mais universal que a vida; todos morrem, mas nem todos sabem viver, porque incapazes de re-inventar a vida no seu cotidiano e alimentar uma ousada esperança. Por isso, viver é uma arte; é necessário reinventar a vida no dia a dia, carregá-la de sentido.

A maior perda da vida é aquilo que “resseca” dentro de cada um, enquanto vive: sonhos, criatividade, intuição, esperança. “A tragédia não é quando um ser humano morre; a tragédia é aquilo que morre dentro da pessoa enquanto ela ainda está viva” (Albert Schweiter).

Uma vida pensada sem “mortes” perde-se, no final, na total irresponsabilidade. E viver significa esvaziar-se do ego para deixar transparecer o que há de divino em seu interior. O grão de trigo que não morre, apodrece, e não multiplica as mil possibilidades latentes em seu interior.

O “depois da vida” é um grande encontro onde seremos perguntados: “o quanto você viveu sua vida?”

Quando fazemos o percurso em direção ao Gólgota, em comunhão com Aquele que foi fiel até o fim, não estamos fazendo um ato derrotista, nem de tristeza inútil, nem de mergulho na escuridão existencial. Estamos fazendo uma profissão de fé na força da esperança.

Esperança é uma virtude vencedora. Quando tudo parece perdido, irremediável, destruído, ela comparece para salvar. Ela é capaz de transformar a derrota em vitória, o perigo em alívio, o desespero em alegria. A esperança é tão poderosa que consegue tirar do domínio da morte os que não veem mais razões para viver. 

A esperança transforma as cinzas em fênix, a cruz em sinal de vida, as lágrimas em vitória. A esperança é a última que morre, diz o jargão popular. Ela é desprezada pelos pessimistas, ameaçada pelos gananciosos, agredida pelos incrédulos. Da esperança tudo renasce, ainda que pareça impossível recomeçar.

O pecado costuma bloquear a esperança, causar o desânimo e desiludir quem ia bem e de repente cai. A esperança é uma senhora que vem dar a mão àquele que se desiludiu consigo mesmo ou com a situação em que foi precipitar-se.

Embora tudo pareça arruinado, há uma potência interior que não permite ao ser humano desistir de si mesmo nem dos outros. Ela recobra a energia do perdão, o ânimo para não desistir, a confiança nas pessoas, a amizade que ficou ameaçada, a fidelidade a uma causa nobre.

A esperança é filha da e ambas se juntam para que aconteça a caridade.

Ao entrar no caminho do Calvário, mergulhamos no mar da esperança e dele saímos transformados, renovados em nosso ânimo e certos de que a morte não tem a última palavra, pois a Cruz já aponta para a Ressurreição, e aquilo que parecia não ter mais remédio encontrou vida nova.

Podem nos roubar a paz, a honra, a dignidade, a saúde, a alegria, a confiança, mas não podem nos roubar a esperança, se cremos na força criativa de nós mesmos, na capacidade de reerguer do chão, mesmo se a queda se repetiu três vezes no caminho do Gólgota.

O Jesus que seguimos até o Calvário nos levará à Páscoa. A esperança não nos será roubada, a alegria voltará a acontecer, pois não estamos sozinhos. Ele vive entre nós!

“Esperamos contra toda a esperança”, como Abraão, Maria e o próprio Jesus.


Textos bíblicos: Evangelho segundo Marcos, capítulos 14 e 15; João 18,1-19,42

Na oração:

- A dor, como consequência de uma opção de vida, é o subsolo do qual brota a esperança.

- O sofrimento não se anula nem se nega, mas está sempre transpassado pela esperança.

- A esperança que brota do sofrimento possibilita um “perene nascer do coração”.

Na Paixão, tornamo-nos solidários com a dor de um Homem que espera, apesar de tudo, e que se abre à dor de todos, encontrando na solidariedade e na dor dos outros, razões para relativizar sua própria dor.

Jesus foi realmente o homem solidário com a dor da humanidade para contagiar a todos com sua esperança de vida plena e definitiva. Jesus assume a dor de todos e desvela o ser humano à luz da esperança.

Esperança de vida: a Cruz – que se completa com a mensagem da ressurreição, com a qual forma um único acontecimento – proclama que a Vida não morre; que, inclusive naquelas circunstâncias nas quais parece que tudo é fracasso, a Vida abre caminho; nenhuma morte é o final.

Quinta-feira da Semana Santa - ELE começou a lavar os pés dos discípulos

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho da quinta-feira da Semana Santa - Ceia do Senhor e Lava-pés (2025).

“Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos” (Jo 13,5)

Jesus, durante sua vida pública, revelou uma grande liberdade ao transitar por diferentes mesas; mesas escandalosas que o faziam próximo dos pecadores, pobres e excluídos... Ele não só participou de muitas refeições, mas instituiu a grande Mesa da festa, da intimidade, da memória: a “mesa do Lava-pés e da Última Ceia”.

Ali, Ele “despojou-se do manto” (sinal de dignidade de “senhor”), pegou o avental (toalha, “ferramenta” do servo); “derramou água numa bacia...” (água derramada com extrema delicadeza, com atenção e amor); “...e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha(Jesus inclinou-se aos pés dos seus discípulos, até o chão, com reverência, cuidado, acolhida, sem fazer distinção de ninguém; lavou os pés de todos igualmente).

 Jesus está no meio das pessoas como Aquele que serve. Ele é o Senhor que assume, em tudo, a condição de servo, para servir. Troca o manto pela toalha-avental: este parece ser o distintivo fundamental, divisor de águas para seus seguidores. Não há serviço sem se despir de todas as aparências de poder, de força, de prestígio.

No “lava-pés”, Jesus deixa transparecer um amor que escandaliza, porque rompe todos os cânones estabelecidos. Um amor “subversivo”, porque subverte os critérios sociais e religiosos de seu tempo, desloca advérbios, adjetivos, nomes: acima-abaixo, dentro-fora, mais-menos, primeiros-últimos, poder-serviço, sábios-néscios, cegos-videntes, justos-pecadores, sãos-enfermos... Com sua atitude, Jesus subverte as crenças religiosas de seu tempo (centradas na lei) para reivindicar os atributos próprios de Deus em quem Ele acreditava; Ele deixa transparecer o rosto amoroso e cuidadoso do Pai.

Um amor inclusivo: não discrimina a ninguém, constitui uma comunidade de iguais, unindo em torno a si homens e mulheres, crianças e idosos...

Um amor universal e preferencial: todas as pessoas cabem em seu coração, mas de um modo especial as pessoas excluídas por qualquer razão: os pobres, os enfermos, os marginalizados, os considerados pecadores, judeus e pagãos...

Um amor que se faz estremecimento das entranhas e que gera uma atitude de compaixão operativa.

Um amor que, como a água pura, se “derrama” e se expande no cuidado simples, despojado, acolhedor...

Para revelar seu extremo amor, Jesus toma em suas mãos o elemento da natureza mais universal: a água. Ele “derrama água numa bacia”: gesto simples, mas carregado de significados; é símbolo de vida derramada, doada, entregue.  A água dá vida, regenera, purifica, é disponível a todos; não vive para si mesma, senão para quantos dela necessitam; adapta-se a todos os tempos, recipientes e lugares. Sabe estar em jarras de barro e em vasilhas de ouro. Sabe manchar-se para que os outros estejam limpos. Não faz distinção das criaturas: a todas molha, lava, põe frescor e beleza.

A água é canção, alegria, paisagem, espelho de sonhos e poesia. Ela transforma, regenera e põe vida em toda a Criação. Ela abre os povos à comunicação, à cultura e ao encontro. Ela está sempre disponível e aberta a todos os campos, terra, plantas, animais e pessoas que dela precisam.

Na cultura hebraica, a hospitalidade exige que se ofereça água fresca ao visitante, para que lavem seus pés, a fim de assegurar a paz de seu descanso.

A Campanha da Fraternidade deste ano vem nos lembrar que no princípio eram as águas; águas que criam e re-criam o universo. Elas tomam as mais diferentes formas. Na natureza, contornam todos os obstáculos, esculpem as pedras dos rios e o fundo dos mares; elas se manifestam tranquilas nos lagos, rebeldes nas cachoeiras, abençoadas nas chuvas, sempre em movimento. “A água nunca descobrirá o que ela é. Mas, precisamente por ser água, continuará a brotar, a cantar e a lavar a terra e a buscar o mar”.

Apesar de tomarem as mais variadas formas, nem perdem sua identidade, são sempre flexíveis, maleáveis, por vezes teimosas a percorrerem seus caminhos ao encontro do mar.

Águas, dádivas divinas. Águas que matam nossa sede e nos curam; águas que nos purificam e refrescam; águas que nos descansam e nos reanimam. Águas que envolvem e acolhem a todos sem distinção; águas sem preconceitos; águas que não se recusam em umedecer territórios ressequidos, nem se espalhar em lugares sujos.

Deus cria a partir das águas. Só podemos ser co-criadores a partir das águas. Quem não cuida, não respeita e não tem uma relação de veneração e de encantamento para com as águas, não pode ser criativo.

Urge recomeçar, re-criar a partir da água, antes que seja tarde demais. No princípio era a água, mas ela também poderá chegar ao fim. O clamor das águas contaminadas de nosso tempo chega aos céus.

Como profetizas, as águas consolam os cansados, saciam os sedentos, lavam os suados pelo trabalho, revigoram as forças dos desanimados, mas também as águas clamam por respeito e por justiça.

Os rios fervem o sangue de indignação contra cidades desgovernadas, empresas e pessoas poluidoras que tratam o “sangue da terra” como se fosse receptor de resíduos tóxicos. Ai de quem mata as nascentes, asfixia os mananciais e envenena os rios!

A trajetória do Povo de Deus foi marcada pela experiência com a água. Ela está relacionada com os principais eventos fundantes do povo da Bíblia: na criação, no dilúvio, na saída do Egito, na entrada da Terra Prometida, etc... Qualquer projeto bíblico só se sustenta perto de fontes de água, de rios ou cisternas.

Segundo o relato bíblico de Gn 2,1-10.15, a terra é vocacionada para ser um jardim de Deus e o ser humano, um jardineiro. As águas foram feitas para irrigar o jardim da vida.

Para os povos de regiões áridas, a primeira obra de Deus foi viabilizar a chuva sobre a terra e irrigar uma região quase desértica.

A Bíblia testemunha um mistério em torno dos poços de água. “Todo deserto contém um poço escondido” (Saint-Exupèry). Em uma região árida, cada fonte, cada olho d´água, cada poço é quase um milagre. Toda fonte é sinal forte da benção divina, um presente de seu amor.

As fontes fazem parte da promessa de Deus para o seu povo (Dt 8,7-8).

E a Água se fez “carne” e habitou em todas as criaturas do universo. Não somos apenas filhos e filhas da água. Somos mais: somos água que sente, que canta, que pensa, que ama, que deseja, que cria... Estamos vinculados à Criação toda através da água.

Devemos nos espelhar na gestualidade de Jesus que derrama água para lavar os pés de seus discípulos.

O desafio de viver uma “ecologia integral” convoca todas as tradições humanistas e religiosas a salvarem o planeta Terra. Se a água nos trouxe à vida, o dia que ela acaba não restará nenhum ser vivente. É através da água que é possível estabelecer uma profunda unidade entre todos os seres vivos e não vivos.

Pertencemos todos à água e ela nos pertence; ela é o sangue que circula pelas veias da Criação inteira, possibilitando e recriando a vida; é ela que alimenta a interdependência entre os seres. Assim como os minerais combinam e intercambiam moléculas e cores, a água é a mediação através da qual os seres vivos compartilham suas vidas.

“Tal qual poça d´água deixemos o céu refletir em nós” (Dom Helder)

Texto bíblico: Evangelho segundo João 13,1-15

Na oração:

É preciso compreender que o gesto do “lava-pés” constitui um dos gestos mais expressivos da missão e da identidade d’aqueles que seguem Jesus e exercem algum serviço em sua comunidade. Gesto que é revelação e ensinamento, amor e mandamento. É gesto-vida, gesto-horizonte, gesto-luz...

Na vivência do serviço evangélico, somos chamados a vestir o “avental de Jesus”: vestir o coração com o avental da simplicidade, da ternura acolhedora, da escuta comprometida, da presença atenciosa, do serviço gratuito...

Lava-pés não é teatro, mas modo habitual de proceder e de estar no mundo. 

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Quarta-feira da Semana Santa - Jesus se pôs à mesa com os Doze

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho da quarta-feira da Semana Santa (2025).

“Ao cair da tarde, Jesus se pôs à mesa com os Doze”

Mais uma vez a liturgia nos convida a “fazer memória” da Última Ceia, uma refeição tão especial e carregada de sentido. Jesus havia transitado por muitas refeições, participado de muitas mesas (especialmente com os pobres e pecadores) e agora Ele nos deixa uma “mesa” como marca dos seus seguidores. Mesa da partilha e da inclusão, mesa da festa e da comunhão.

É em torno a esta mesa que os seguidores de Jesus se constituem como verdadeira comunidade. Ao recordar a vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus, os cristãos se comprometem a prolongar os Seus gestos, atitudes, valores, compromissos... “Fazer memória” de Jesus junto à mesa é comprometer-se com a vida; é colocar a própria vida a serviço da vida.

Jesus quis cear com os seus amigos mais próximos e, por isso, precisa encontrar uma sala na qual houvesse espaço para estarem juntos. O ritual pascal dá lugar aos gestos simples que acontecem entre amigos: partilhar o pão, beber da mesma taça, desfrutar da mútua intimidade, entrar no clima das confidências...

Jesus sempre buscou companhia; havia nele uma necessidade irresistível de contar com os seus como amigos e confidentes. Sua relação com eles vinha de longe: levavam longo tempo caminhando, descansando e tomando refeições juntos, partilhando alegrias e rejeições, falando das coisas do Reino. E continuará considerando-os como amigos, mesmo quando um deles irá traí-lo e os outros fugirão.

Jesus fez questão de se confraternizar com o círculo dos amigos, do qual Judas fazia parte.

Estando todos reunidos pela última vez, Jesus anuncia quem é o traidor. É "aquele que se serviu comigo do prato é que vai me entregar". Esta maneira de anunciar a traição acentua o contraste. Para os judeus a comunhão de mesa, colocar juntos a mão no mesmo prato, era a expressão máxima da amizade, da intimidade e da confiança. Mateus sugere assim que, apesar da traição ser feita por alguém muito amigo, o amor de Jesus é maior que a traição.

Na descrição da paixão de Jesus do evangelho de Mateus acentua-se fortemente o fracasso dos discípulos. Apesar da convivência de três anos, nenhum deles ficou para tomar a defesa de Jesus. Judas traiu, Pedro negou, todos fugiram. Mateus conta isto, não para criticar ou condenar, nem para provocar desânimo nos leitores, mas para ressaltar que o acolhimento e o amor de Jesus superam a derrota e o fracasso dos discípulos.

Preparar a mesa e fazer a refeição implica todo um ritual. Comer é mais do que ingerir alimentos, é entrar em comunhão com as energias que sustentam o universo e, por meio dos alimentos, garantem a vida.

Por isso, a mesa, a ceia e o banquete são cercados por uma rica simbologia. O próprio Reino de Deus, a utopia de Jesus, é apresentado como uma ceia ou um banquete na casa do Pai

É junto à mesa que se dá o processo de humanização e comunhão; a partir desse ato sagrado, podemos olhar o outro mais de perto, escutá-lo mais de perto, senti-lo mais de perto... pois “a comida, o alimento de nossas refeições, não é somente o que aparenta, mas, remete a algo que está atrás de si, para além de si. Portanto, o gesto de sentar-se à mesa para comer revela um tipo de relação social de um determinado grupo humano” (Manuel Diaz Mateos).

É assim a comunidade dos cristãos, a Igreja: juntos, conspirando”, mãos dadas, comendo o pão, bebendo o vinho e sentindo uma saudade/esperança sem fim...

À luz do tema da CF (Fraternidade e Ecologia integral) podemos dizer que no pão e no vinho chegam até nós os quatro elementos da mãe natureza: a terra, o sol, a água e o ar. Através do pão e do vinho entramos em comunhão com essa natureza que nos envolve e nos protege maternalmente. Comungamos com ela e dessa comunhão surge nossa humanidade, na qual se encarna o Filho de Deus.

É o Papa Francisco que, em sua importante encíclica (Laudato Sí), faz alusão a esta dimensão cósmica da Eucaristia. Porque, no pão e no vinho se concentra toda a essência da Criação, a exuberante riqueza de seus recursos, a fecundidade inesgotável da terra, a beleza deslumbrante de suas fontes, de seus mares e rios, de seus bosques, de suas montanhas...

Assim expressa o para no n. 236 da encíclica: “A Criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia. No auge do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um pedaço de matéria. Não o faz a partir de cima, mas a partir de dentro, para podermos encontrá-Lo em nosso próprio mundo. Na Eucaristia, já está realizada a plenitude, e é o centro vital do universo, o centro transbordante de amor e de vida inesgotável. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus. Com efeito, a Eucaristia é, por si mesma, um ato de amor cósmico. Sim, cósmico! A Eucaristia une o céu e a terra, abraça e penetra toda a Criação. No Pão Eucarístico, a Criação está orientada para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação com o próprio Criador”.

O texto é, sem dúvida, de uma grande densidade teológica. Os dons eucarísticos, o pão e o vinho, por sua condição material e terrena e por sua vinculação ao trabalho do ser humano, são parte da Criação, são algo nosso, um “pedaço de matéria”; pertencem à nossa condição mais própria e íntima. Tudo isto nos faz tomar consciência de que, no insondável mistério eucarístico, os dons apresentados são uma representação do cosmos. Todo o universo cósmico é assumido e representado na Eucaristia. Deste modo a Eucaristia se torna o centro do cosmo, o centro vital do universo; ela é celebrada sobre o altar do mundo.

O Universo inteiro é um imenso altar cósmico sobre o qual celebra-se, diariamente, a liturgia da vida; ao mesmo tempo, ele é o lugar no qual podemos contemplar e acolher a presença do Criador, a harmonia dos seres, a comunhão das criaturas. Sobre o altar do mundo se entrelaçam o céu e a terra, de modo que toda a Criação é iluminada pela Eucaristia.

Todas as criaturas celebram a grande festa, ao redor da Mesa cósmica (Última Ceia – Ceia universal).

A vivência da Última Ceia nos proporciona uma fecunda experiência cósmico-ecológica. Sentimo-nos conduzidos pela força do Espírito que alimenta as energias do universo e a nossa própria energia vital e espiritual. Ao mesmo tempo ela nos convida a nos posicionarmos de maneira diferente no Universo e levarmos a sério a responsabilidade que temos sobre a Criação.

E a “eucaristia cósmica” se prolonga nas refeições cotidianas. A comida-bebida é expressão de dependência, de nossa condição de criaturas.  Por esta ação, manifestamos e experimentamos que necessitamos sair de nós mesmos para subsistir. Nela nos encontramos com algo que nos vem de fora e que necessitamos vitalmente, já que não podemos tirá-la de nosso interior.

Somos solidários do universo porque dependemos dele. É nossa dimensão cósmica mais palpável. Vivemos graças aos frutos da terra. Este sentido de religião já nos insinua o religioso.

O fato de tomar juntos uma refeição é sinal de comunicação inter-humana, pois comemos em companhia e não sozinhos. Na sua raiz, a refeição é uma ação que implica comunidade, comunhão, comunicação. Se falta esta dimensão, a refeição se torna uma simples ingestão de alimento; não é um ato humano integral: comer e beber é expressão de nossa unidade de origem e de nossa solidariedade na condição humana; compartilhamos uma mesma origem e um mesmo destino, um mesmo enraizamento na terra, no cosmos.

Texto bíblico: Evangelho segundo Mateus 26,14-25

Na oração:

Descubra na sua mesa o seu pão; na sua jornada, o seu chão; no seu cotidiano, o inesperado que vem, o outro em sua fome, em busca de mãos abertas que saibam partilhar.

- Re-visitar o sentido e o lugar da mesa-refeição no seu ambiente familiar: é lugar facilitador de partilha e convivência?